Produção agroecológica rege o funcionamento de cooperativa no Paraná
Por Daniela Bernadete Calza e Allan Francisco Ferreira*
Da Página do MST**
Através da organização do MST, no dia 19 de janeiro de 1993 foi ocupada a Fazenda Santa Maria, a área de 230 ha estava desapropriada para fins da Reforma Agrária, com emissão de posse concedida desde 30 de outubro de 1992.
O Assentamento Santa Maria faz divisa com o perímetro urbano da cidade de Paranacity, está localizado no noroeste do Paraná, numa distância desde a sede do município à capital de 496,74 km (IPARDES, 2009).
As 16 famílias que iniciaram esse processo eram oriundas das regiões sudeste, centrosul e sudoeste do estado do Paraná. Desde o princípio, onde permaneceram em torno de um ano acampadas até a regularização do Assentamento, o objetivo das famílias foi desenvolver a organização do acampamento e consecutivamente o Assentamento de forma coletiva e comunitária a fim de garantir sustentabilidade econômica e social das famílias.
Neste sentido foi fundada no dia 10 de julho de 1993 a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória Ltda. – COPAVI. Desde então todo o sistema de funcionamento do Assentamento, o regimento interno, a forma de divisão de trabalho, a organização administrativa, as discussões e decisões coletivas, estão ligados à forma de organograma da cooperativa.
Além da forma de organização da cooperativa, as famílias viram a necessidade de o modo de produção ser de forma diferente ao convencional, foi então que a partir de iniciativas dentro do grupo e das discussões do MST acerca das necessidades de mudança da matriz tecnológica, tal mudança foi colocada em pauta no IV Congresso Nacional do MST.
Iniciou-se assim, de forma mais expressiva e direta o entendimento da cooperativa e a
decisão política da opção pela agroecologia. Neste sentido foi iniciado experiências na horta, após a cana e em seguida a pecuária leiteira.
A formação inicial sobre agroecologia no assentamento se deu através da rede ECOVIDA1. Também houve intercâmbios para conhecer diferentes realidades sobre a produção orgânica. A partir disso, a COPAVI contou com o apoio de pesquisadores na área em agroecologia junto de cursos de capacitação, até mesmo cursos de nível médio e tecnólogo em agroecologia para os associados (as) da cooperativa.
Leia mais:
Reforma Agrária: a necessidade do crescimento da agroindústria coletiva
Atualmente fazem parte da cooperativa vinte e duas famílias, as quais estão organizadas através de núcleos de base, esses são espaços para formação e discussões políticas e encaminhamentos práticos do cotidiano das famílias e da cooperativa.
O trabalho na cooperativa é organizado em quatro setores, os quais são representados por coordenadores, eleitos nos setores e são responsáveis nas reuniões e organização da parte executiva das atividades. Atualmente há quatro setores, setor de Cana de açúcar e derivados, pecuária leiteira e Sustento familiar e de Apoio.
Setor de cana e derivados
O processo de industrialização da cana de açúcar iniciou logo no acampamento em 1993, porém as primeiras experiências foram feitas em um pequeno engenho manual, onde era fabricado caldo de cana e rapadura, no entanto a produção era pequena e sem muita saída para o comércio.
No início da produção tinha-se dificuldade em produzir um açúcar com qualidade, mas a partir de cursos conseguisse uma qualidade melhor do produto com isso aumentou a demanda. Em 2001 iniciou-se, ainda com poucas estruturas, a intensificação da produção.
Em 2004 a partir do aumento da demanda de açúcar cana de açúcar foi necessária a utilização de cana adquirida de sitiantes, fora do Assentamento, com isso o aumento da mão de obra fazendo com que fosse contratado mais trabalhadores.
Atualmente a estrutura para a produção dos derivados de cana de açúcar foi ampliada onde foram instalados novos equipamentos, os quais melhoraram as condições de trabalho e a qualidade final da produção.
A preocupação com a destinação dos resíduos (bagaço de cana) produzidos pela atividade sempre é uma preocupação tendo em vista o volume de bagaço produzido a partir da moagem da cana, com isso se tem um melhor aproveitamento do bagaço da cana, que hoje é utilizado para a fabricação de compostagem, e também é usado como geração de energia para a caldeira através da queima do material.
Produção de Cana de Açúcar Agroecológica
A produção de cana de açúcar agroecológico no Assentamento a princípio acontecia de forma natural sem uso de insumos externos e pouco internos. No entanto notava-se a necessidade de melhorar a fertilidade do solo e consecutivo aumento na produção, com esse proposito a partir de 2009 foram feitos vários experimentos, tais como: compostagens, adubações com pós de rocha, enleramento da palha, consórcios com adubações verdes, entre outros.
Este trabalho de pesquisa ainda acontece, fica o desafio de alcançar o manejo mais adequado do solo, seleção de variedades, entre outras técnicas que garantam a fertilidade do sistema como um todo.
Atualmente o plantio da cana é realizado após o cultivo de adubações verdes, para a reforma dos canaviais usa-se a crotalária juncea, esta eleva o nível de matéria orgânica, ajuda no controle da nematoide do solo, aumenta à disponibilidade de nutrientes importantes a cultura e consecutivamente melhora a fertilidade do solo.
Além da adubação verde é feito adubação complementar com aplicação de calcário, fosfato natural (Gafsa) e sulfato de potássio. Em áreas chamadas de “cana soca”, ou seja, plantios após o primeiro corte até aproximadamente cinco anos, é feito adubação de cobertura com cama de aviário e sulfato de potássio, junto com o cultivador mecânico.
O manejo das plantas espontâneas é feito com capina manual e capina com tração animal. Há também o enleramento da palhada após o corte da cana, o qual além de proteger o solo da erosão, garante matéria orgânica contribui para o controle das mesmas, além de criar condições para o desenvolvimento de microrganismos que garantem a fertilidade do sistema.
O controle a broca da cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis) é feito com o controle biológico utilizando-se das vespinhas (Cortesia flavipes).
A partir do avanço no plantio e manejo da cana de açúcar se teve uma melhora na produtividade de 20% e conservação do canavial, atualmente a média de produção é de 65 a 70 toneladas por hectare, atingindo até cinco cortes por plantio.
Atualmente a COPAVI dispõe de 80 há de cana de açúcar, sendo que essas áreas são manejadas de forma agroecológica e necessita ainda em torno de 12,4 ha adquiridas de fora do Assentamento. As variedades mais utilizadas são: 8675-15, 96-6928, 92-5211, uma variedade desconhecida, e a precoce RB855156. As variedades de ciclo tardio são feito o primeiro corte com 18 meses e a precoce com 12 meses.
Algumas iniciativas de caráter experimental têm se iniciado na cana de açúcar a partir do consórcio com espécies florestais o chamado sistema silviagricola, que consiste em fazer o uso da terra para produção simultânea de culturas semi perenes e florestais.
A partir das características silviculturais e dos objetivos a serem alcançados a médio e longo prazo foram selecionadas algumas espécies florestais conhecidas popularmente por mogno – africano (Khaya senegalensis) originaria de países do continente africano e outra espécie da flora brasileira o pau – rei (Pterygota brasiliensis).
Também se cultiva o feijão aproveitando um novo plantio de cana de açúcar, e o cultivo de mandioca está em fase de experimento junto às espécies arbóreas.
Agroindústria
A COPAVI industrializa três produtos a partir da cana de açúcar, o açúcar mascavo, cachaça e o melado. A produção de açúcar mascavo é de 1.6 toneladas por dia sendo 30 toneladas por mês, deste montante 85% é para o mercado institucional e 15% venda lojista em várias regiões do Brasil e alguma venda para o exterior.
A venda da produção do melado é feita 50% para atacadistas, no caso fábrica de bolachas, 30% para lojistas e 20% mercado institucional. Tendo uma produção mensal de 6500 kg.
A produção de cachaça tem grande demanda principalmente para fora do país, no entanto no momento está sendo feito reformas para retornar a produção. Uma pequena quantidade da produção é feita diretamente ao consumidor em Paranacity.
*Daniela Bernadete Calza é são Tecnóloga em Agroecologia e Allan Francisco Ferreira é Engenheiro Florestal; ambos Associados da COPAVI.
**Este texto foi originalmente produzido pela cartilha da 12° Jornada de Agroecologia.