Produtor ficou refém dos transgênicos e sem a promessa de redução de custos
Da IHU On-Line
No primeiro momento da chegada dos transgênicos no Brasil, ainda no final da década de 1990, o Paraná se mostrou um estado bastante resistente à entrada dessas sementes, especialmente com a atuação do então governador Roberto Requião.
Da IHU On-Line
No primeiro momento da chegada dos transgênicos no Brasil, ainda no final da década de 1990, o Paraná se mostrou um estado bastante resistente à entrada dessas sementes, especialmente com a atuação do então governador Roberto Requião.
No entanto, com a liberação dos transgênicos no território brasileiro, em 2003, o estado logo se tornou um dos maiores produtores brasileiros em matéria da tecnologia. Para o pesquisador e agrônomo do Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR, Moacir Darolt, “a liberação levou em conta apenas a questão produtiva e econômica, passando por cima das questões de saúde e riscos ambientais”.
E continua: “O princípio da precaução não foi observado no caso do Paraná e do Brasil. As consequências, saberemos no futuro próximo”.
Uma resposta a este movimento hegemônico são as produções alternativas, orgânicas e agroecológicas. Além disso, há também o movimento do consumo consciente, que busca valorizar produtos desenvolvidos em condições sociais e ambientais adequadas e sem risco à saúde humana. No entanto, ainda que o interesse sobre o tema venha crescendo, Darolt estima que “apenas 5% dos consumidores brasileiros podem ser considerados conscientes”.
Há várias dificuldades envolvidas nesse tipo de produção, especialmente na forma como a cadeia produtiva sem rastreabilidade oferece pouca segurança para o consumidor. Ainda assim, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele ressalta: “É preciso acreditar que a capacidade do consumidor em mudar hábitos de consumo tem reflexos em outros segmentos da economia, construindo mercados locais mais fortes”. E conclui: “Nós somos o reflexo de nosso sistema de produção”.
Moacir Roberto Darolt é graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, possui especialização no Institut de l’Elevage, na França, com um trabalho sobre engenharia de projetos e desenvolvimento rural, e doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural também na UFPR. Atualmente é agrônomo do Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR.
Darolt é autor de vários livros que abordam a agricultura orgânica e a ecologia, muitos voltados para leigos ou para o público infantil. Destacam-se, entre outros, Alimentos Orgânicos: um guia para o consumidor consciente (Londrina: IAPAR, 2007) e Conexão Ecológica: novas relações entre agricultores e consumidores (Londrina: IAPAR, 2012).
Em 2013, completam-se dez anos da entrada das sementes transgênicas no Brasil. Neste primeiro momento o Paraná foi um Estado que resistiu bastante à entrada deste tipo de cultivo. Por que isso aconteceu?
O tema causou muita polêmica entre o final dos anos 1990 e início do novo século no Paraná e continua sendo alvo de discussões acaloradas, sobretudo por parte de entidades da sociedade civil organizada que rejeitam os transgênicos. Na época houve uma posição contrária do governador do Paraná, Roberto Requião, que através da Secretaria da Agricultura e Abastecimento montou um esquema de fiscalização para barrar a comercialização de sementes transgênicas no Estado, que vinham sendo contrabandeadas da Argentina desde o fim dos anos 90. Os plantios clandestinos (não autorizados) levaram à interdição das lavouras e dos produtos pelos órgãos de defesa vegetal a partir de 2001.
As lavouras transgênicas no Sul do Brasil no período foram implantadas com material desconhecido, grãos não adaptados ao solo e ao clima brasileiro. A primeira medida do governo do Paraná para desestimular o uso do grão contrabandeado foi obrigar o comércio e a circulação de soja a vir acompanhados de certificado atestando a inexistência de sementes transgênicas. A medida foi importante, mas não conseguiu barrar a entrada dos transgênicos no Paraná a partir de 2003. Atualmente o estado está dominado pela semente (no caso da soja e do milho). O princípio da precaução não foi observado no caso do Paraná e do Brasil. As consequências, saberemos no futuro próximo.
Hoje a briga contra os transgênicos arrefeceu e já há várias áreas no Estado onde se planta com o uso de sementes transgênicas. O que levou a esta mudança?
A liberação de uso pelo Supremo Tribunal Federal, em 2003, estimulou o plantio de sementes transgênicas no Paraná e no Brasil, a ponto de haver um domínio absoluto das sementes transgênicas, totalizando mais de 90% da área plantada com soja, com tendência similar para o milho.
Apenas as áreas próximas a parques e reservas naturais, de agricultores orgânicos ou de produtores convencionais que comercializam produtos livres de transgênicos é que escapam dessa invasão.
A liberação levou em conta apenas a questão produtiva e econômica, passando por cima das questões de saúde (houve liberação sem testes definitivos que provassem a segurança dos OGMs) e riscos ambientais; portanto, desconsiderando o que se entende por sustentabilidade, que busca um equilíbrio entre diferentes dimensões (produtiva, econômica, social e ambiental).
As promessas de redução de custos de produção com transgênicos não se confirmaram e hoje quem paga é o produtor, que ficou refém das sementes transgênicas. Para quem deseja produzir livre de transgênicos, o problema é ainda maior, em função de possíveis contaminações desde a lavoura até a limpeza e o armazenamento.
O risco é todo por conta do produtor que deseja “ser ecológico”, como os orgânicos! A facilidade de manejo de invasoras com o glifosato, grande trunfo inicial dos transgênicos, vem se perdendo (nesses últimos anos), com o surgimento de problemas com ervas e pragas mais resistentes. Resultado é o uso de mais agrotóxicos! A mudança foi muito boa para a indústria e grandes empresas, mas continua uma incógnita para os produtores e ruim para os consumidores, que são reféns de alimentos transgênicos à base de soja e milho.
Ao mesmo tempo, o Paraná é um dos maiores produtores de orgânicos do país. Como convivem estes dois tipos de lavoura? A transgênica, com alto uso de agrotóxicos, e a agroecológica?
Diante do monopólio dos transgênicos, os produtores interessados em produzir no sistema orgânico e mesmo no convencional (livre de transgênicos) podem garantir um mercado interessante, sobretudo para a Europa e países onde os consumidores são mais conscientes.
Normalmente, para produtos orgânicos, existe um prêmio médio na venda de 30% a mais em relação ao convencional para compensar os custos — que são maiores, sobretudo em função de maior gasto com mão de obra. A concorrência é desleal, com vantagens para quem usa produtos químicos. Acho que quem polui deveria, no mínimo, pagar por isso, como no caso do poluidor-pagador. Ao contrário, no caso dos orgânicos, poderiam receber um prêmio por serviços ambientais prestados.
Com a supremacia dos transgênicos, quem perde são os consumidores, reféns de uma dieta alimentar baseada em milho, soja, trigo e arroz, mercado dominado por uma dezena de empresas no mundo. Em breve os consumidores poderão não encontrar nas prateleiras de supermercados opções (de milho e soja, por exemplo) sem transgênicos. Produtos à base de amido de milho, por exemplo, muito utilizado para mingau de criança, só serão encontrados na versão transgênica. Isso é um risco não calculado para a saúde dos consumidores.
O que é o consumo consciente? Que tipos de pessoas buscam esta alternativa?
Uma alimentação consciente tem relação direta com a forma de produção sustentável, com hábitos alimentares saudáveis e de consumo responsável. Busca mais do que uma alimentação isenta de aditivos químicos, procura observar técnicas de plantio sustentáveis, realçando o problema dos agrotóxicos, dos produtos transgênicos e dos problemas sociais. Observa com atenção os rótulos de produtos industrializados, preocupa-se com a forma de conservação dos alimentos, enfatiza a importância da hora das refeições e da diversidade na elaboração do prato. Em suma, a alimentação consciente preocupa-se com o alimento desde a sua produção até o momento de ser consumido.
As pessoas que buscam essa alternativa, normalmente, são pessoas com bom nível de formação e informação, que fazem suas escolhas alimentares preocupadas com a saúde e com a qualidade de vida, assim como com aspectos ambientais e sociais. Todavia, apenas 5% dos consumidores brasileiros podem ser considerados conscientes. Essas pessoas se diferenciam da maior parte da população por transformar em prática valores com os quais se identificam, têm uma preocupação com a comunidade onde vivem e exercem o seu poder de escolha como consumidores cidadãos.
Você acredita que o consumidor e mesmo o produtor paranaense são conscientes do tipo de alimento que consomem ou produzem?
A grande maioria não conhece a procedência do alimento que está levando à mesa. A maior parte dos consumidores e também produtores abastece a sua cozinha em um supermercado, com alimentos prontos e altamente processados, num distanciamento cada vez maior entre quem produz e quem consome. A maioria não sabe que quase todos os derivados de milho e soja consumidos no país já são transgênicos, por exemplo.
A letra T em um triângulo amarelo (indicando presença de pelo menos 1% de ingredientes transgênicos) não tem sido eficiente para informar os consumidores. Mesmo em relação a outros alimentos consumidos cotidianamente como hortigranjeiros, a maioria dos produtos a granel não é identificada em relação ao local de origem. Numa cadeia longa, a identidade do alimento (quem produziu? como e onde foi cultivado?) se perde, de modo que a única informação comunicada entre consumidores e produtores é o preço.
Em relação a quem produz, é mais fácil ser um produtor convencional do que ser um orgânico, por exemplo. Um produtor orgânico passa por um rígido processo de certificação e inspeção da propriedade, tudo é fiscalizado. Um produtor convencional não precisa declarar quantas pulverizações fez com agrotóxicos, se está causando erosão do solo ou se planta transgênicos, porque isso é o normal. Nós somos o reflexo de nosso sistema de produção.
A educação para o consumo deveria começar na escola básica, e esse é um dos grandes desafios desse século e uma das premissas para tornar o consumidor protagonista e elemento articulador de mudanças. É preciso acreditar que a capacidade do consumidor em mudar hábitos de consumo tem reflexos em outros segmentos da economia, construindo mercados locais mais fortes.
Pensando pelo lado da produção: todo produtor rural é capaz de produzir alimentos de forma alternativa? Existe algum perfil para quem deseja escapar da produção de transgênicos?
Quem busca esse caminho, considero “produtores conscientes”. Normalmente, são produtores inovadores, que buscam conhecer os processos ecológicos envolvidos na sua produção e estão sempre se atualizando. Para quem deseja fazer a conversão de um sistema convencional para um orgânico, é necessário promover a mudança estrutural da propriedade considerando-se alguns aspectos:
1) Informação e treinamento: dizem respeito ao aprendizado, por parte dos agricultores e dos funcionários, dos conceitos e técnicas de manejo que viabilizam a agricultura orgânica;
2) Instruções normativas: as normas da agricultura orgânica precisam ser seguidas para que o produto final possa receber o selo orgânico de qualidade;
3) Ajustes técnicos: pelo menos dois ajustes são fundamentais: o dos insetos, doenças e invasoras (que acontece num período mais curto); e a melhoria da fertilidade do sistema (que é um trabalho de prazo mais longo). O prazo máximo para a conversão é de quatro anos;
4) Aspectos comerciais: sendo um mercado diferenciado, convém que os canais de comercialização sejam definidos anteriormente à produção. O ideal é optar pelos circuitos curtos (feiras, cestas em domicílio, vendas para governo, pequenos mercados) e formar uma clientela fiel.
Que dificuldades um produtor que opta pela produção alternativa enfrenta tendo em vista financiamento, qualidade do solo, distribuição e outros elementos da cadeia produtiva?
No Brasil todo agricultor enfrenta dificuldades, sobretudo os pequenos produtores familiares. Em todo caso, seguem algumas sugestões para quem quer produzir organicamente e minimizar os problemas: visite outras experiências bem-sucedidas na sua região ou proximidades antes de começar a produzir e escolha uma cultura ou criação que tenha afinidade; saiba que a fase mais difícil é o período de conversão, que pode durar de um a quatro anos, por isso, tenha uma reserva financeira e faça um bom planejamento nesta fase inicial, quando os produtos ainda não podem ser vendidos como orgânicos; siga corretamente as normas de produção, processamento, envase e comercialização da produção orgânica; tenha um bom controle administrativo e planejamento técnico de sua produção; saiba que a transformação agrega valor ao produto e aprenda a comercializar parte de sua produção de forma direta; faça contato com associações ou grupos de produtores orgânicos da sua região, tentando fazer um trabalho de divulgação em conjunto para venda e promoção da produção; tenha pelo menos dois a três canais de comercialização, preferentemente de venda direta, fazendo uma boa investigação dos melhores canais antes de começar a produzir; dê preferência à certificação participativa ou à certificação por auditoria em grupos, que tem custo mais acessível.
Existe espaço mercadológico para esta produção alternativa? É possível escoar a produção, ou é uma opção mais indicada para a segurança alimentar?
O espaço para esse tipo de produção é crescente. A tendência é de valorização dos produtos ecologicamente corretos, tanto que tem despertado o interesse econômico de empresas do “negócio verde ou biobusiness”, que se organizam em todo o planeta. É notório o espaço para a produção ecológica também em escala.
Do outro lado, cada vez mais agricultores familiares, comunidades rurais e pequenas cooperativas de produtores defendem uma agricultura tradicional e tipos de sistemas agroecológicos que privilegiem a produção com uma dimensão humana, respeitando a biodiversidade e a soberania alimentar. Esse embate entre a produção industrial e a artesanal ou tradicional é uma disputa política que impõe regras na qual os pequenos produtores tradicionais encontram dificuldades em responder às exigências legais em termos de estrutura sanitária e aspectos fiscais, por exemplo.
É incoerente aplicar critérios semelhantes para a produção em larga escala e a produção artesanal, visto que as práticas tradicionais de produção de alimentos estão enraizadas socialmente e vinculadas a uma cultura e um modo de vida específico. Assim, a melhor alternativa para produtores familiares é optar por circuitos curtos de comercialização, mercados locais e de proximidade.
Existem várias alternativas, como feiras do produtor, lojas especializadas, programas de governos, merenda escolar, restaurantes, vendas na propriedade, vendas em circuitos de turismo rural, entregas em domicílio, além de lojas virtuais pela internet.
Você acredita que a produção orgânica ou agroecológica é capaz de substituir a produção convencional?
Pelas projeções mundiais de crescimento da produção orgânica, que ainda é muito baixa (cerca de 2% das áreas cultivadas no mundo são orgânicas), tão logo não deve haver substituição, mas pode haver uma complementariedade e dar oportunidades de escolhas às pessoas para que tenham uma melhor qualidade alimentar.
Não podemos ficar reféns do modelo industrial de agricultura, que padroniza sabores, diminui a diversidade biológica e destrói nossa cultura alimentar. Nosso desafio é saber de fato qual o papel dos produtores, dos consumidores e do estado (como regulador) nessa busca por um alimento de qualidade. Será preciso criatividade para manter as especificidades e diversidade dos produtos de cada região agrícola, evitando uma padronização e preservando os valores, a cultura e a tradição de cada local.
Deseja acrescentar mais alguma coisa?
Aderir a uma cadeia alimentar curta talvez seja a melhor garantia da qualidade de um alimento limpo, saudável e justo. Não há dúvida de que isso irá exigir mais esforço de produtores e consumidores, mas está em jogo a nossa saúde e a preservação da nossa cultura alimentar.