Agronegócio quer comissão de fachada para facilitar entrada de novos agrotóxicos
Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
O governo brasileiro pretende criar uma comissão técnica para analisar e registrar novos agrotóxicos. A medida ocorre por pressão dos setores do agronegócio, principalmente das grandes empresas que lucram com a venda desses produtos no país e da bancada ruralista.
Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
O governo brasileiro pretende criar uma comissão técnica para analisar e registrar novos agrotóxicos. A medida ocorre por pressão dos setores do agronegócio, principalmente das grandes empresas que lucram com a venda desses produtos no país e da bancada ruralista.
Atualmente, a avaliação de agrotóxicos ocorre em conjunto: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) avalia a eficiência agronômica do produto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) os efeitos à saúde humana e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) os impactos ambientais.
A tentativa de criar uma comissão única, segundo Luiz Cláudio Meirelles, ex-diretor da Anvisa – demitido da instituição após denunciar um esquema de fraude -, é antiga.
“Quando cheguei à Anvisa já existia uma pressão muito grande em criar uma comissão única que fizesse as avaliações toxicológicas, contratando para isso laboratórios privados e retirando o papel do Estado. É uma forma de enfraquecer a legislação do país sobre agrotóxicos, que gera uma série de incômodos às empresas”.
O principal argumento utilizado pelo setor para a criação da comissão é a morosidade da Anvisa. No entanto, esse discurso não leva em conta o sucateamento da Anvisa e seus poucos técnicos: há apenas 20 funcionários contratados para dar conta do registro e da fiscalização dos agrotóxicos.
Para efeito de comparação, a agência que realiza o mesmo trabalho nos Estados Unidos, segundo maior consumidor de agrotóxicos no mundo, tem cerca de 700 funcionários.
Nova Comissão
Segundo o jornal Valor Econômico, duas propostas foram apresentadas no congresso para a criação de uma comissão. Uma foi encaminhada pelas empresas do setor, que sugere a criação da CTNAgro, com 13 membros e subordinada à Casa Civil.
A outra, encaminhada pela bancada ruralista, sugere a criação da CTNFito, composta por 16 membros e com um prazo de até 90 dias – após a data da entrega do processo pelas empresas – para se posicionar em relação à aprovação ou não do registro de um determinado agrotóxico.
Ao retirar a responsabilidade da Anvisa e Ibama, essas comissões podem abrir brechas para a aprovação de produtos que comprovadamente causam mal à saúde, levando em conta apenas o lucro das empresas que produzem e vendem agrotóxicos.
“Ao lidar com substâncias perigosas, o Estado tem que estar presente o tempo todo, não é algo que você possa dizer que é autoregulável ou deixar nas mãos de terceiros”, pondera Luiz.
Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag), o mercado brasileiro de agrotóxicos movimentou US$ 9,7 bilhões em 2012 no Brasil.
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As vendas desses produtos aumentaram mais de 72% entre 2006 e 2012 – de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas país. Somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo: cerca de 20% de todo consumo mundial de venenos é despejado na nossa agricultura.
“O grande interesse por trás dessas comissões é o lucro, que é capitalizado e o prejuízo, socializado. Estamos falando do maior mercado de agrotóxicos do mundo, e quem já lucra quer ganhar mais. Essas empresas faturam bilhões de dólares, tem a capacidade de influenciar governos, e tem tentáculos no Judiciário e no Legislativo”, ressalta Fernando Carneiro, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Apenas fachada
A estrutura de ambas as comissões a serem criadas se assemelham muito à CTNBio, a atual comissão responsável pela liberação de produtos transgênicos. Por esse motivo, há a preocupação de que uma nova comissão sirva apenas a interesses particulares.
“A CTNBio nunca negou um pedido de registro de patente de semente transgênica, o que é um absurdo, pois temos relatos de outros países sobre o perigo de contaminação genética que a liberação de transgênicos pode causar”, afirma Cléber Folgado, da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Os impactos na saúde da população brasileira por conta do uso de agrotóxicos já são sentidos. Dados da Anvisa mostram que a cada dólar gasto com o uso de agrotóxicos, outros US$ 1,28 são gastos no Sistema Único de Saúde (SUS) com o atendimento de trabalhadores intoxicados.
Além disso, cerca de 30% dos alimentos consumidos pelos brasileiros apresentam resíduos de agrotóxicos acima dos limites permitidos ou não registrados no país. Cerca de outros 40% apresentam resíduos dentro dos limites permitidos – o que, segundo a Anvisa, não significa que sejam seguros para consumo.
As vitórias da Bancada Ruralista
Nos últimos anos, a bancada ruralista vem obtendo diversas vitórias para os grandes produtores e empresas do agronegócio no congresso, em detrimento dos direitos dos camponeses, povos originários e da sociedade como um todo.
Só para citar alguns exemplos, pode-se destacar a aprovação do Novo Código Florestal, a rediscussão do conceito de trabalho escravo, o sucateamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Especialistas na área apontam o fortalecimento desse setor na opção do governo em apostar no agronegócio como modelo de desenvolvimento. Prova disso são os investimentos públicos em 2013. Enquanto a parcela destinada ao agronegócio girou em torno de R$ 154 bilhões, a agricultura familiar recebeu apenas R$ 24 bilhões.
Folgado relembra outro ponto que explica essa movimentação forte da bancada, “já que grande parte desses políticos tem suas campanhas financiadas por empresas nacionais, transnacionais e fazendeiros”.
Para ele, esses parlamentares são “fantoches para fortalecer o agronegócio, e infelizmente com consentimento do governo. Percebemos que a presidenta Dilma tem optado por favorecer esses setores em detrimento dos problemas que podem ocorrer”, critica.
Um exemplo dessa escolha do governo é a Medida Provisória 619/2013, que dá ao Ministério da Agricultura o poder de declarar estado de emergência em áreas com pragas e, à revelia da Anvisa e Ibama, importar, produzir, distribuir e comercializar agrotóxicos não registrados ou até mesmo proibidos no país.
A medida foi criada para permitir a utilização do benzoato de emamectina para o controle da lagarta Helicoverpa armigera. Segundo o próprio MAPA, a população dessa lagarta explodiu como consequência da difusão das lavouras transgênicas Bt, que produzem toxinas com o objetivo de matar as pragas que delas se alimentam; no entanto, as toxinas não eram específicas para combater a Helicoverpa armigera, que resistiu e se tornou uma ameaça.
Para Fernando, essa medida mostra o efeito que a criação de uma comissão única pode ter no Brasil. “A Anvisa havia solicitado para que esse produto não fosse liberado, por ser neurotóxico em pequenas, médias ou altas doses. No entanto, temos um produto pulverizado por todo o país que pode causar malformações”, observa.
Nesse sentido, Fernando aponta o perigo de vermos, daqui uma ou duas décadas, malformações de toda a ordem por conta desses produtos liberados. “Teremos casos similares ao ocorrido no Vietnã, quando os americanos jogaram diversos produtos químicos na população, e as crianças nascem até hoje com problemas. No Brasil isso vai começar a acontecer”.
Como frear esse processo?
Fernando acredita que a única maneira de frear esse processo é o diálogo entre as organizações e movimentos sociais com a sociedade, mostrando os perigos que uma comissão como a CTNAgro podem causar.
“Temos que discutir o que acontece na base da sociedade. Por exemplo, não chega à sociedade a informação de que o Brasil tem liberado venenos sem a correta avaliação, já que a mídia também tem o agronegócio como um grande financiador. Outra questão é pressionar o Estado para que ele cumpra a constituição e proteja a saúde e o meio ambiente”, diz.
Folgado completa ao dizer que não podemos ficar apenas no denuncismo. “Temos que visibilizar à sociedade as experiências já existentes de alternativas ao agronegócio. Temos experiências de produção agroecologica, com alimentos saudáveis, a baixo custo, mas a sociedade não conhece”.
Ele ainda explica que há dois modelos em disputa no campo brasileiro, “e por isso a sociedade e movimentos devem se organizar para ampliar essa luta, somando-se aos trabalhadores da cidade. Os problemas existentes hoje no campo, não são mais só dos camponeses e agricultores familiares, eles dizem respeito ao conjunto da sociedade” afirma.