Carta do MST ao Papa Francisco
Ao nosso querido Francisco,
pastor da Esperança!
Saúdo-vos, em nome de milhões de camponeses brasileiros que há mais de trinta
anos nos organizamos no MST, como uma forma de lutar por terra, pela reforma agraria e por justiça social aqui no Brasil. Nesses anos tivemos muitas dificuldades e problemas. Pagamos um alto preço às elites, que nos condenaram a prisões, a torturas e mais de mil assassinatos.
Ao nosso querido Francisco,
pastor da Esperança!
Saúdo-vos, em nome de milhões de camponeses brasileiros que há mais de trinta
anos nos organizamos no MST, como uma forma de lutar por terra, pela reforma agraria e por justiça social aqui no Brasil. Nesses anos tivemos muitas dificuldades e problemas. Pagamos um alto preço às elites, que nos condenaram a prisões, a torturas e mais de mil assassinatos.
Entre eles muitos religiosos que atuavam no nosso movimento, como o saudoso Padre Josimo e o missionário italiano padre Ezequiel Ramin. Mas tivemos muitas alegrias e conquistas. Mais de 800 mil famílias conquistaram terra. Todos tem casa digna, trabalho, alimento na mesa e todas as crianças estão na escola. Organizamos muitas cooperativas para melhorar a produção e dedicamos nossas energias à luta pelo acesso à educação em todos os níveis.
A nível internacional ajudamos a construir a articulação da VIA CAMPESINA que reúne
hoje mais de cem organizações camponesas de todos os continentes, na maioria dos países.
Gostaria de aproveitar essa oportunidade para manifestar nossas preocupações com
os rumos da agricultura e do mundo rural. Nas últimas décadas, depois que o capitalismo chegou a sua fase dominada pelo capital financeiro e pelas empresas transnacionais, a vida das pessoas no campo está em risco!
As grandes empresas transnacionais atuam em todo mundo e com suas corporações
e bancos, querem controlar todas as riquezas naturais. Já controlam a maior parte dos
alimentos no comercio mundial e só pode se alimentar quem tiver dinheiro. Ou seja
transformaram um direito humano em mera mercadoria! Menos de 50 empresas, como a Cargill, Bungue, ADM, Monsanto, Sygentna, Nestle, etc, tem o controle dos alimentos da humanidade. E reorganizaram a produção apenas voltada para o lucro.
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Estão subjugando aos governos nacionais a seus interesses, para isso financiam as
campanhas dos candidatos e depois manipulam leis, controlam o estado e a agricultura de nossos países.
Além de possuírem a propriedade privada de imensas extensões de terra, agora
querem privatizar a propriedade da agua, do subsolo, dos ventos para obter energia eólica e até do oxigênio exalado pelas florestas naturais, para trocar por títulos de crédito de carbono e vender nas bolsas de valores.
Já privatizariam também as sementes. Pela primeira vez na história da humanidade
impuseram leis de patente, que permitem registrar como propriedade privada as sementes e raças de animais com mutações genéticas. E o pior, as mudanças que fazem nas sementes são apenas para combinar com maior uso de venenos por eles fabricados.
Esses venenos são químicos e não se dissolvem na natureza, contaminam o solo, as
aguas, o ar, as chuvas. Permanecem nos alimentos e destroem as células do organismo
humano provocando câncer. Somente no Brasil temos 400 mil novos casos de câncer por ano, a maior parte deles causados por uso de agrotóxicos, e cerca de 40% deles irão a óbito.
Um verdadeiro genocídio silencioso praticado pelos fabricantes impunes de venenos, como a Bayer, Basf, Syngenta. Monsanto, Shell.
O capital está apropriando de todas as reservas de minérios e de petróleo. Milhares
de camponeses e povos originários, em todo mundo estão sofrendo agressões em seus
territórios, para que desocupem e deixem espaço à ganancia dessas empresas.
Da mesma forma, muitas hidrelétricas estão sendo instaladas em regiões naturais,
para ter lucro fácil com a energia elétrica, em detrimento de desequilíbrios ambientais e
deslocamento de milhares pessoas, na maioria das vezes sem ter seus direitos respeitados.
Como o petróleo é finito e seu preço subiu muito, os capitalistas resolveram utilizar bens agrícolas para transformar em combustível para os automóveis e assim, imensas áreas de terra estão sendo destinadas a produção de etanol de cana, milho, sorgo, etc. ou óleo vegetal para o diesel, com a soja, amendoim, palma africana, etc., prejudicando a
produção de alimentos, elevando o preço das terras e dos alimentos. E assim transferem indiretamente o peso para toda população.
Para viabilizar seu modelo insano, disseminaram por todo mundo uma nova matriz de
produtiva- o agronegocio- que se caracteriza por grandes fazendas que buscam escala
máxima de área, se especializando num só monocultivo, com uso intensivo de máquinas e venenos. E expulsando os camponeses e a mão-de-obra da região. Nesse modelo não há espaço para o povo e para a natureza, apenas para o lucro!
Porém, as contradições desse modelo do capital são cada vez mais evidentes, pois
buscam apenas o lucro máximo e fácil. É visível, em todos os países que o adotaram, o
aumento da concentração da propriedade da terra e das aguas. A concentração da produção em poucas commodities.
As agressões ao meio ambiente e a destruição da biodiversidade, traz efeitos perversos nas alterações do clima e do meio ambiente em geral. O despovoamento da população do meio rural. Pela primeira vez na história da humanidade, graças a esse modelo, a população urbana, concentrada cada vez mais em megapoles, é maior do que a população do meio rural. Em diversas regiões do mundo, e nos Estados Unidos, a população carcerária já é maior do que a população que vive no meio rural.
As empresas transnacionais enriquecem enquanto os trabalhadores empobrecem. E o
resultado geral é que agora temos mais de um bilhão de seres humanos que passam fome todos os dias, quando na década de 60, não eram mais de 70 milhões. Milhões de crianças morrem todos os dias, como consequência desse modelo perverso e excludente.
Os capitalistas não tem mais nenhuma responsabilidade com os povos. Aqui no Brasil
por exemplo, tivemos a maior seca da história durante os últimos dois anos, que levou a
mortandade de mais de dez milhões de cabeças de gado pertencentes aos camponeses, por falta de comida e de água. Porém, ao mesmo tempo três empresas americanas exportaram18 milhões de toneladas de milho do Brasil para ser transformado em etanol para os automóveis dos Estados Unidos.
Eles querem praticar uma agricultura sem agricultores. Apenas com operadores de
maquinas, cada vez mais modernas e automatizadas. E ao povo resta amontoar-se nas vilas rurais e nas periferias das grandes cidades.
Estão padronizando os alimentos em todo mundo. Pode-se entrar em qualquer
supermercado de Pequim, Paris, Buenos Aires, México e São Paulo, e os alimentos são os mesmos, com as mesmas marcas e elaborados a partir da soja, milho, trigo, sorgo, arroz e feijão, que hoje representam 80% da cesta básica alimentícia de toda humanidade.
Quando no século passado tínhamos mais de 60 variedades de vegetais, e antes do século XX havia mais de 300 variedades de vegetais que alimentavam o mundo. Tudo isso trará graves consequências para a saúde de todos os seres humanos, nos advertem os nutricionistas.
Acreditamos que há alternativas
Defendemos outro modelo de agricultura, baseada na valorização do trabalho das
pessoas e na melhoria das condições de vida dos camponeses. Defendemos uma matriz produtiva baseada na agroecologia, que consegue aumentar a produtividade do trabalho e das áreas, em equilíbrio com a natureza. Defendemos uma agricultura que tenham como paradigma principal, a produção de alimentos sadios para toda humanidade.
Defendemos o uso social dos bens da natureza em benefício de toda humanidade e a
distribuição da renda do trabalho produzido na agricultura, para os que nela trabalham.
Defendemos a soberania alimentar, em que a população deve produzir seus alimentos
em cada região do mundo, em cada país, como ocorreu ao longo da história da
humanidade. Hoje, com esse modelo, já temos segundo a FAO, mais de 60 países que não conseguem mais produzir alimentos suficientes para seu povo e estão a mercê da importação das empresas transnacionais.
Acreditamos na necessidade do acesso à educação em todas as comunidades rurais
e garantir a toda família camponesa terra, trabalho e conhecimento.
Porém, enfrentamos poderosos inimigos, as vezes dentro da própria igreja, que se
iludem com o lucro das empresas e o “modernismo” dos empreendimentos econômicos.
Diante disso tudo, acreditamos que seria muito importante, se pudéssemos organizar uma conferência mundial para refletir sobre os rumos da produção de alimentos. E
reunir nessa conferencia, as pastorais das igrejas, a comunidade cientifica, a FAO e os
movimentos camponeses.
Um apelo vosso seria condição necessária para o sucesso e amplitude da conferencia.
Como a maioria dos católicos de todo mundo, os cristãos das demais igrejas e todo
povo que devota outras tradições religiosas e crenças, temos muita esperança no Papa
Francisco. O senhor é nossa esperança de mudanças e de um compromisso cada vez maior de toda igreja de cristo, com os trabalhadores e os mais pobres de todo mundo.
Ajude-nos a salvar os camponeses da ganancia do capital. Ajude-nos a libertar os pobres e trabalhadores das situações de opressão, exploração e humilhação a que estão submetidos na maioria dos países.
Ajude-nos a salvar o planeta, da sanha insana do capital, que espolia os recursos
naturais apenas para acumular fortunas privadas.
Ajude-nos a reconstruir os valores da solidariedade, da igualdade e da indignação
diante de qualquer injustiça.
São Francisco de Assis está orgulhoso de sua escolha e opção. E nós também!
Desde o Brasil e das imensas regiões rurais habitadas pelos camponeses, sou portador
de um forte abraço, em nome de todos os camponeses que querem mudanças e lutam todos os dias, por sua sobrevivência e por um mundo mais justo e igualitário.
Reze por nós! Com sua benção,
São Paulo/Roma, 5 de dezembro de 2013
Joao Pedro Stedile
MST