Em carta, pastoral dos pescadores denuncia privatização das águas

 

O Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), se reuniu em assembleia nacional, junto com representantes do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e de outras organizações que atuam na defesa dos direitos dos povos e  populações tradicionais. 

 

O Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), se reuniu em assembleia nacional, junto com representantes do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e de outras organizações que atuam na defesa dos direitos dos povos e  populações tradicionais. 

O resultado do encontro pode ser lido na carta aberta à sociedade lançada pela pastoral. Leia a carta abaixo:

Carta final da Assembleia Nacional do CPP

“Vocês, de manhã, administrem a justiça e libertem o oprimido da mão do opressor…”

Jr.21,12b

Nós, agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), estivemos reunidos em assembleia nacional com a participação de representantes do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e de outras organizações que atuam na defesa dos direitos dos povos e das populações tradicionais, no período de 10 a 14 de março/2014, em Olinda/Pernambuco.

Na ocasião, avaliamos as ações do CPP junto aos pescadores/as artesanais; construímos estratégias coletivas visando fortalecer o protagonismo dos pescadores/as na luta pela garantia dos seus direitos.

Diante da conjuntura avaliada, constatamos o acirramento da situação de negação de direitos em que vivem as pescadoras e os pescadores artesanais do país submetidos à política desenvolvimentista adotada pelo Estado.

A ação do governo ignora o modo de vida destas comunidades objetivando a abertura de espaços para o avanço dos grandes projetos, do turismo predatório, da mineração, da privatização das águas, da especulação imobiliária, da Aquicultura empresarial dentre outros investimentos que, incentivados de forma desordenada, ameaçam a vida destas populações tradicionais.

Ao discutirmos sobre tais questões agigantou-se nossa indignação frente ao modo desprezível com que o Estado e as empresas privadas tratam as famílias e comunidades do pescadores/as artesanais. Estas se encontram entre as comunidades mais discriminadas pelo governo e pela sociedade.

Indignados com esta realidade de opressão e exclusão, comprometidos/as o Deus do Povo e com o Povo de Deus, reafirmamos nosso compromisso com as comunidades tradicionais pesqueiras na luta pela garantia dos seus direitos, bem como na luta pela permanência e retomada dos seus territórios.Da mesma forma, DENUNCIAMOS:

•A privatização dos corpos das águas públicas, bem de uso comum do povo brasileiro e que já tem inúmeras comunidades que tradicionalmente utilizam essas áreas, através de várias estratégias dentre elas os editais para repassar o controle a empresas e pessoas físicas, impedindo o acesso, a cultura e o trabalho das comunidades tradicionais pesqueiras;

•A dificuldade, principalmente das mulheres, em acessar atendimento de saúde adequado e de qualidade, bem como o não reconhecimento das doenças ocupacionais específicas dos trabalhadores/as da pesca artesanal, junto à Previdência Social;

•A manobra do governo aliado às organizações burocratas que dificultam e até mesmo negam o acesso aos direitos conquistados;

•O acordo de cooperação firmado entre o MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) e CNPA (Confederação Nacional da Pesca e Aquicultura) que fere direitos constitucionais e sindicais, como a livre associação e a autonomia sindical, com o propósito de manter os pescadores/as atrelados à esse sistema de organização que os mantém reféns;

•A burocratização do MPA que dificulta o acesso e a manutenção do Registro Geral da Pesca (RGP). Muitos homens e mulheres das águas não conseguem ter seus registros; são obrigados a se recadastrarem anualmente e mesmo assim não tem o RGP reconhecido pelos próprios órgãos do governo ao acessar direitos;

•A terceirização dos serviços de responsabilidade do MPA aos pescadores/as que, ao serem repassados à outras organizações cria um circulo vicioso de domínio político, econômico e uso eleitoral;

•As constantes ameaças sofridas pelas comunidades tradicionais pesqueiras em luta pelo direito de permanecerem em seus territórios. Diversas tentativas de expulsão as levam à situações de violação dos direitos humanos.

Um exemplo emblemático é o caso da comunidade do Cumbe/Aracati, no Ceará, que sofre com a violenta ação da justiça que atua para retirá-la do seu espaço, em benefício de um grupo de empresários da carcinicultura.

O que está acontecendo com as comunidades tradicionais pesqueiras trata-se de um verdadeiro genocídio cultural incentivado pelo Estado. Conclamamos a sociedade brasileira para que conheça e apoie a luta das comunidades pesqueiras afim de que seja preservada sua cultura, sua tradição e o seu modo de vida.

Estas comunidades cumprem um papel fundamental na conservação do meio ambiente e na garantia da distribuição de uma alimentação saudável para o povo brasileiro.

Solicitamos da mesma sociedade um gesto concreto em prol desta causa: que se empenhe com todas as forças na Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras.

Esta campanha propõe um projeto de lei de iniciativa popular sobre o reconhecimento, proteção e garantia do direito ao território dos pescadores e pescadoras artesanais.

Os povos das águas são dignos de representar a luta por um país com menos desigualdades e onde a preservação dos direitos de todo ser humano seja respeitado.

Estamos na luta pela preservação do modo de vida, da cultura, do meio ambiente e contra o modelo predatório de crescimento capitalista. Propomos a toda sociedade brasileira a construção de um novo modelo societário: a cultura do Bem Viver.

Quanto às comunidades Tradicionais Pesqueiras, nesta luta, resta-nos dizer, que esse povo resiste! É como bem expressa o profeta bíblico:

“Vejam! Esse povo chega veloz e ligeiro. No meio dele, ninguém cansa, ninguém tropeça, ninguém tem sono, ninguém cochila, ninguém desaperta o cinturão… Suas flechas estão afiadas, e todos os arcos bem esticados; os cascos de seus cavalos parecem de pedra e as rodas de seus carros são como furação. Seu rugido é como da leoa, ruge como leão novo.”

– Is. 5, 26b-30

“O pescador que não tem território não tem história, e sem história a gente não pode viver”

Iranyr dos Santos, pescadora artesanal de Remanso/Bahia.

Nas águas da organização pescando vida e dignidade!

Olinda/PE, 14 de Março de 2014