Senadores aguardam inclusão da PEC do trabalho escravo em plenário
Por Hylda Cavalcanti
Da RBA
Por Hylda Cavalcanti
Da RBA
Encontra-se, finalmente, na mesa diretora do Senado, no aguardo de entrada na pauta do plenário para as próximas semanas, a votação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que trata das punições ao trabalho escravo no país – matéria que demorou 15 anos para ser votada em caráter terminativo. Embora deixada em banho maria por conta das discussões dos parlamentares nos últimos dias em torno da CPMI da Petrobras, a PEC é aguardada com ansiedade por sindicatos, representantes de direitos humanos, observadores sociais e trabalhadores de um modo geral.
“A aprovação da PEC acenderá nova luz sobre a questão e ajudará a sepultar essa prática, infelizmente, tão enraizada no interior do país e que começou a ser observada, nos últimos anos, com cada vez mais intensidade em áreas urbanas”, afirma o sociólogo Fernando Siqueira, que acompanhou a tramitação da matéria para uma tese de doutorado sobre o tema. Segundo ele, mesmo com a votação no plenário, ainda será necessário um longo caminho, em razão da necessidade de ser concluída a regulamentação sobre o tema, por meio do Projeto de Lei do Senado (PLS) 432/2013. Por esse motivo, considera importante que os senadores fiquem atentos para a inclusão em plenário rapidamente.
Para o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que até o início do ano foi líder do governo no Congresso, a intenção da base aliada é envidar esforços para colocar a PEC entre as prioridades das próximas votações. “O Brasil esperou muito por essa tramitação e a sociedade tem urgência de ver uma lei sobre o trabalho escravo sancionada e devidamente regulamentada”, disse. Mas, na prática, a votação só será possível porque o relator, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) aceitou – depois de relutar muito – acolher como emenda de redação uma emenda de plenário acrescentando uma frase ao texto que torna mais esclarecedora a questão da desapropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores em situação análoga à de escravidão.
Caso Nunes Ferreira tivesse rejeitado a ideia de transformar a emenda em emenda de redação, haveria um retrocesso na tramitação da matéria – uma vez que, diante de qualquer alteração feita ao relatório do senador, a PEC teria de retornar para a Câmara dos Deputados.
‘Lei específica’
O senador Aloysio Nunes Ferreira afirmou que tinha tirado do texto o termo “expropriação imediata” de terras em função da prática do trabalho escravo, justamente para evitar equívocos. E que o relatório deixava claro que a expropriação só poderá ocorrer mediante lei específica. Mas diante de tantos pedidos e do fato da emenda se tratar apenas de um acréscimo que não vai alterar em nada o conteúdo da PEC, resolveu voltar atrás e aceitar o acolhimento da emenda. Na verdade, apenas será acrescida a expressão “definido em lei” no trecho em que se fala sobre o trabalho escravo.
A exigência foi feita por parlamentares diversos, principalmente integrantes do setor ruralista, com o argumento de que a ausência desse esclarecimento poderia “deixar brechas para que propriedades viessem a ser alvo de desapropriação, mediante laudos apresentados por fiscais trabalhistas”. “Isso não existe, o acréscimo deste item não modifica nada da PEC. Não iria incluí-lo na proposta porque não vi sentido nisso. Como não vai alterar o relatório, acatei a emenda, mas acho que é sinal de que não entenderam o que leram”, afirmou o senador, em tom de ironia.
“Persistiu a impressão errônea de que o fiscal do trabalho poderia confiscar a terra, mas a PEC 57A/1999 não é autoaplicável, em razão do artigo 5º da Constituição, que diz que ninguém poderá ser expropriado de bens senão em razão de lei”, explicou ainda Nunes Ferreira. A inclusão da emenda de redação foi sugerida pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator da matéria no início da tramitação no Senado. Segundo Jucá, foi uma forma de acalmar os ânimos sobre o tema. “Assim, a PEC dá maior segurança jurídica, ao enfatizar que a expropriação de terras onde haja exploração de trabalho escravo a ser definida só ocorrerá da forma estabelecida legalmente e acaba-se o temor”, apontou o senador.
Diante disso, o próximo round dos parlamentares é trabalhar pela inclusão da PEC no plenário.“Achamos que, finalmente, depois de tantos anos, estamos mais perto de ver a proposta aprovada. A resistência observada até hoje não foi provocada por falta de debate nesta casa e, sim, devido ao fato do Congresso sofrer pressão muito forte dos representantes do setor de agronegócio. Esclarecido esse item, vamos trabalhar pela votação”, ressaltou a senadora Ana Rita (PT-ES), que chegou a ir à tribuna pedir para o relator não mexer no texto – de modo a evitar que voltasse à Câmara.
Regulamentação
O Projeto de Lei que regulamenta a PEC 57A/1999 tramita em paralelo no Senado. Trata-se do Projeto de Lei do Senado (PLS) 432/2013, que tem o objetivo, justamente, de disciplinar a expropriação de propriedades rurais e urbanas envolvidas com exploração de trabalho escravo. Como o projeto recebeu 55 emendas no plenário em novembro passado, depois de concluída a fase de discussões, retornará para a Comissão Mista de Consolidação das Leis e Regulamentação da Constituição para que o relator senador Romero Jucá possa analisá-las.
Conforme dados do Ministério do Trabalho e do Ministério Público Federal (MPF), nos três últimos anos (período de 2010 a 2013), o número de investigações do MPF sobre trabalho escravo aumentou 800%. No mesmo período, foram ajuizadas 469 ações por esse tipo de crime. Outros 110 inquéritos por frustração dos direitos trabalhistas e 47 por aliciamento de trabalhadores de um local para outro dentro do território nacional, foram abertos, com pena prevista para os infratores de prisão de 2 a 8 anos, além de multa.
Porém o volume das denúncias e o número de flagrantes não resultou em nenhuma prisão ou condenação durante o mesmo período. O que mostra, de acordo com o MPF, a importância de ser observada uma legislação específica sobre o tema.
Como se não bastasse, existem no Brasil 2.232 investigações de crimes relacionados à prática de trabalho escravo pelo MPF – que incluem a frustração de direitos e aliciamento – que estão em andamento. O mais comum deles tem sido observado nas áreas rurais, em carvoarias, confecções de roupas, construção civil e para fins de exploração sexual. São Paulo lidera o número de investigações, com 492. Em segundo lugar, está o Pará (308), seguido por Minas Gerais (231) e Mato Grosso (140).
Punição econômica
A PEC 57-A/1999 tem como foco principal a desapropriação de propriedades e/ou instalações onde se explora o trabalho forçado, sem qualquer indenização aos proprietários. Com a aprovação, além de enfrentar o processo criminal, os exploradores dos trabalhadores passarão a sofrer punição econômica em termos equiparados a outros crimes considerados de alta gravidade, como a produção de drogas para o narcotráfico. As terras expropriadas seriam destinadas à reforma agrária ou a programas de habitação popular.
A matéria já enfrentou vários tipos de embate, tendo sido um dos últimos a mobilização feita ano passado pela bancada ruralista para desfigurar o teor do texto com o argumento de que a definição de trabalho escravo seria “muito vaga”, ainda que o conceito esteja claramente definido no artigo 149 do Código Penal. O artigo considera trabalho escravo condições degradantes de trabalho, situações que colocam em risco a saúde e a vida do trabalhador, jornada exaustiva, trabalho forçado e servidão por dívida.
Na época, Romero Jucá definiu que o simples descumprimento da legislação trabalhista não pode ser considerado trabalho escravo e retirou da definição de trabalho escravo a sujeição do trabalhador a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho, como prevê o Código Penal. O relatório de Jucá identifica que somente será considerado trabalho escravo quando houver coação para trabalhos forçados, restrição da liberdade ou coação por dívida ou apropriação de objetos pessoais.