Agroecologia brasileira avança e faz história em encontro nacional
Por Najar Tubino
Da Carta Maior
Por Najar Tubino
Da Carta Maior
O semiárido brasileiro se transformou na capital nacional da agroecologia e da agricultura orgânica, reunindo duas mil pessoas de todas as regiões do país, sendo 70% agricultores e agricultoras e o restante ativistas de vários movimentos sociais, que lidam diretamente com a temática. O encontro se estenderá até o dia 19, e mudou totalmente o cotidiano dos cursos do campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Uma tenda imensa centraliza as atividades. Estandes da maioria dos estados brasileiros, onde os agricultores vendem seus produtos, repassam conhecimento, distribuem materiais e trocam informações, sementes e mudas.
No auditório central da Universidade serão realizados mais de 10 seminários, envolvendo assuntos como transgênicos, saúde e agrotóxicos, financiamento da agroecologia, comunicação, entre outros. Uma equipe do governo federal, encabeçada por Cássio Trovatto, coordenador do grupo interministerial do Plano de Agroecologia e Produção Orgânica(PLANAPO), Selvino Heck, secretário-executivo, Valter Bianchini, do MDA e do próprio ministro Gilberto Carvalho, que participará do encerramento.
O velho Chico
Nós estamos na margem direita do rio São Francisco. Da janela do hotel vejo o rio de frente. É o gigante da integração nacional, com seus 2.700km de extensão. Pau para toda obra, como diz o ditado popular. Tanto para produzir energia, e aqui estamos perto da Barragem Sobradinho, que tem o maior lago artificial da América Latina com 320 km de extensão, onde funciona uma hidrelétrica com mais de 1 mil megawatts. Onde também estão irrigados 80 mil hectares de terras nas suas margens. Do polo Petrolina/Juazeiro sai 30% da exportação de frutas do país – 5 milhões de caixas de uvas e 12 milhões de caixas de manga exportadas para os Estados Unidos, Alemanha e Japão. Um modelo de agronegócio na fruticultura, feito a base de agroquímicos.
Este polo concentra o maior aglomerado urbano do país- Juazeiro com de 214 mil habitantes e Petrolina com um pouco. Aqui vivem mais de 500 mil pessoas. O rio separa as duas cidades e os dois estados – Bahia e Pernambuco, e isso dificulta a comunicação, porque de um lado temos o DDD 74 e do outro o 87, e isso vira uma confusão.
A maldição das comunidades
Valério da Rocha é um descendente da comunidade de Areia Grande, no município de Casa Nova, a 120 km de Juazeiro. Ali vivem 360 famílias numa área de dunas e caatinga desde 1860, quando seu tataravô veio do Ceará como vaqueiro. A colonização do semiárido foi realizada pelas patas dos bois e conduzida por vaqueiros, que depois acabaram casando e ficando pelo caminho, criando centenas de comunidades do sertão. Eles chegavam até ao Piauí, depois de atravessar o São Francisco e entrar em Pernambuco. Formavam o que hoje é reconhecido como COMUNIDADES TRADICIONAIS de FUNDO DE PASTO. Uma forma de convivência que os agricultores familiares praticavam na Grã-Bretanha no século XIX. Trata-se de uma área coletiva para criação de animais e outra de vegetação para extrair frutos, fibras e mel. Na Bahia existem 400 associações cadastradas destas comunidades.
O coordenador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), José Moacir dos Santos, explica que na verdade eles calculam que existam em torno de 1 mil comunidades tradicionais praticando o Fundo de Pasto. São 50 mil pessoas envolvidas nesta atividade. Entretanto, desde a década de 1980 empresários locais tentaram se apropriar das terras – uma área de 27 mil hectares.
Um caso ficou conhecido como o escândalo da Mandioca, porque os tais empresários sulistas da empresa Camaragibe, cujo projeto maior era produzir álcool usando a mandioca como matéria-prima. Recentemente os ataques retornaram. O agricultor José Campos Braga foi assassinado em 2009 na sua roça. Encontraram o corpo quatro dias depois.
O resultado das caravanas agroecológicas
O III Encontro Nacional de Agroecologia começou a ser construído em 2011, depois de um evento em Salvador, quando a Articulação Nacional de Agroecologia, que reúne centenas de organizações e redes associadas, resolveu abrir o debate do tema a vários outros grupos sociais organizados, como os técnicos e pesquisadores da saúde pública, da ABRASCO, do pessoal do Movimento Justiça Ambiental e do Fórum de Segurança Alimentar, entre outros. Além da ASABRASIL, que congrega 700 organizações em todo o semiárido brasileiro.
Foram 13 caravanas catalogadas, com a participação de mais de 2.500 pessoas, de todas as regiões brasileiras. Um intercâmbio de agricultores e agricultoras, técnicos, pesquisadores e ativistas nunca antes realizado no Brasil. Uma forma inédita de buscar conhecimento, praticar o intercâmbio e organizar as pessoas em torno de uma causa comum. E mais: as caravanas percorreram rotas pelos grotões do país, registraram os problemas de terras, os conflitos com o agronegócio, a contaminações de agrotóxicos, a invasão da mineração e das carvoarias. Mas também mostrou aos produtores familiares as várias formas de produzir, armazenar, comercializar e se articular.
Tudo isso e mais muita música, teatro, debates, oficinas de todos os tipos acontecerá até a próxima segunda-feira, dia 19. É uma celebração da gente do campo que vive na terra, defende seus territórios, sua cultura e sua história.
Principalmente a gente do semiárido brasileiro, que tem uma forma de convivência invejável. Ontem sai cedo, para fugir do calor acima dos 30º, para visitar a feira livre de Juazeiro, um espaço físico onde se vende de tudo. A feira tradicional acontece neste sábado no mesmo espaço. Encontrei galinha ou galo vivo (ou já limpo), por R$35,00, feijão de corda por R$4,00 o maço, a dúzia de ovos caipiras por R$7,00. Se precisar fazer um transporte, ao invés de táxi, uma carroça aberta, puxada por um jegue, por R$20,00, dependendo da distância. Ao lado da feira está acontecendo a Rota da Integração da Agricultura Familiar da Bahia, promovida pelo governo do estado e pela União das Cooperativas da Agricultura Familiar e da Economia Solidária. Esqueci do preço da carne de bode: R$15,00 o quilo, mesmo preço da carne de sol.
Uma nota triste para encerrar: no último dia 6 de maio, dois trabalhadores sem-terra, da Chapada do Apodi foram assassinados quando voltavam para casa, depois de participar de um ato no acampamento Edivaldo Pinto, na cidade de Apodi.