MST perde uma grande amiga feminista e revolucionária: Rose Marie Muraro
Por Luiz Alberto Gómez de Souza
Rose Marie Muraro partiu. Mulher fora de todos os parâmetros, lúcida, implacável e sempre atualizada, leitora incansável, superando as limitações de sua visão (“nasci quase cega”). Infatigavelmente acompanhando os temas emergentes e abrindo novos e surpreendentes horizontes.
Por Luiz Alberto Gómez de Souza
Rose Marie Muraro partiu. Mulher fora de todos os parâmetros, lúcida, implacável e sempre atualizada, leitora incansável, superando as limitações de sua visão (“nasci quase cega”). Infatigavelmente acompanhando os temas emergentes e abrindo novos e surpreendentes horizontes.
Nos anos sessenta reformulou , com Leonardo Boff, a Editora Vozes e transformou uma insossa revista franciscana, na então moderna Painel Brasileiro. Ali tive minha coluna internacional, com Alceu Amoroso Lima, Heloneida Studart e tantos outros. Durante anos lutara pelo feminismo, na sua Editora Rosa dos Tempos. Em Seis meses em que fui homem (Rosa dos Tempos, 1990), candidata a deputado, denunciava uma maneira de fazer política masculina e excludente. Com Leonardo Boff escreveu, Feminino e Masculino: uma nova maneira de entender as diferenças (Sextante, 2004).
Seu livro profético, Os avanços tecnológicos e o futuro da humanidade. Querendo ser Deus? (Vozes,2009), explorou os limites futuros de um pós-humano, pelos caminhos da física quântica,da engenharia genética, da nanotecnologia, até a fusão entre o homem e a máquina, num videogame quântico, com os novos e enormes problemas éticos que se colocam para a humanidade nas próximas décadas; “quando desistirmos de ser deuses poderemos ser plenamente humanos, o que ainda não sabemos o que é, mas já intuímos desde sempre” (p. 354). Imaginava uma governança mundial sustentável. Apostava em moedas complementares para superar o capital dinheiro.
Antes de tudo, acreditava no ser humano e em Gaia, a Mãe Terra, infinitamente maior do que todos nós. “A nossa espécie é tão vulnerável que homens e máquinas podem se extinguir ao menor suspiro da Mãe Terra” (p. 353). Temos Rose Marie de corpo inteiro em Memórias de uma mulher impossível (Rosa dos ventos, 1999). Ali indicava que trocara a felicidade pelo impossível. Traçou então um belíssimo itinerário, incansável e provocador. Nos últimos anos, com graves problemas de saúde, não parou um só instante, no Instituto Rose Marie Muraro, um dos espaços de enorme criatividade e valentia.
O Instituto Rose Marie Muraro enviou a seguinte mensagem no domingo 21 de junho, que reproduzo:
Rose Marie Muraro acaba de nos deixar e partir para outra dimensão. Lutou por sua vida até o ultimo fôlego e neste momento:
A família perde sua matriarca
As mulheres perdem uma amiga e
A sociedade brasileira perde uma grande aliada.
Os mais de sessenta anos de dedicação ao nosso Pais, sua luta e conquistas pelos direitos das mulheres, seu sonho de construir um mundo mais humano e solidário, o seu imensurável amor pela vida, nos revelam que Rose além de um exemplo de superação foi realmente Uma Mulher Impossível! Mas agora nos deixa na condição de órfãos de sua beleza, de sua cabeça fascinante, de sua capacidade de criar o impossível para uma realidade palatável, de onde sua sensibilidade e profundidade podiam vislumbrar a grande beleza neste planeta.
Os seus últimos quinze anos de vida foram preenchidos de muitas batalhas, mas também engrandecida com uma linda historia de Um Grande Amor. E nos deixou, mais este apaixonado e inedito poema:
O Pássaro de Fogo
Tu vieste como um pássaro
E pousaste no meu ombro
E eu fui habitada
Pela paixão da entrega.
Eu te amei antes que tu existisses
Como o deserto que tem sede de água
E as flores tem sede da luz
E te amei como a pedra ama a terra
Que lhe dá sua força.
Com teu bico colocaste na minha mão esquerda
A semente da morte
E na direita a semente da vida
Para que com as duas juntas
Eu fizesse a escolha de cada momento,
Ligando o instante à sua profundidade eterna.
Pássaro de fogo
Capaz de queimar sem consumir
Estás dentro de mim.
Pássaro de fogo
Irei onde tuas asas me conduzirem
E meu caminho se tornou incandescente
Como teus olhos.