“Existe uma rebelião popular em curso na Palestina”



Por José Coutinho Junior, José Francisco Neto e Maura Silva
Da Página do MST



Há um mês, três soldados israelenses foram sequestrados e mortos. O governo de Israel acusou, sem provas, o Hamas –partido político que controla a Faixa de Gaza. Foi o suficiente para que a operação “Margem Protetora” fosse colocada em curso pelo exército israelense.

Por José Coutinho Junior, José Francisco Neto e Maura Silva
Da Página do MST

Há um mês, três soldados israelenses foram sequestrados e mortos. O governo de Israel acusou, sem provas, o Hamas –partido político que controla a Faixa de Gaza. Foi o suficiente para que a operação “Margem Protetora” fosse colocada em curso pelo exército israelense.

Com ataques indiscriminados a hospitais, escolas, igrejas e até áreas protegidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), impedidos de entrar em Israel e com a fronteira do Egito fechada, os moradores de Gaza estão vivendo em um verdadeiro campo de concentração a céu aberto.

Até o momento, cerca de 1.800 palestinos foram mortos, a maioria civis. Esse número tende a aumentar, já que os feridos ultrapassam os 9 mil, e os hospitais que ainda restam sofrem com a falta de água, luz e medicamentos.

Há sete anos a Faixa de Gaza está submetida a um bloqueio terrestre, aéreo e naval, que dilacerou a economia do território e aumentou as taxas de pobreza e de insegurança alimentar. Mesmo assim, Israel segue impune com sua prática genocida, acabando com o que resta do território.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Marcelo Buzzeto, membro do setor de relações internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e doutor em ciências políticas analisou a origem do conflito e a atual posição do Brasil nesse cenário.

“Não existe nenhum convênio de cooperação entre o governo brasileiro com partidos políticos palestinos. Existe uma relação com a ANP (Autoridade Nacional da Palestina), mas o governo brasileiro não explicita essa relação porque não quer criar problema com o lobby sionista que existe dentro do PT”, enfatiza ele.

Brasil de Fato – Qual a origem dos ataques de Israel à Palestina?

Marcelo Buzzeto – Para entender o que está acontecendo hoje é preciso entender que a criação do Estado de Israel, em 1948, é a origem do conflito atual. Quando Israel foi criado, nos braços do movimento sionista, que é um movimento nacionalista, judaico, conservador, antidemocrático e racista, não houve um referendo direcionado à população palestina.

Na divisão da ONU, 56% do território tornou-se o Estado de Israel, 42% ficou para a Palestina e 2% para Jerusalém, que seria uma cidade neutra, sendo Jerusalém Oriental a capital do Estado palestino. Mas nesses 50 anos o movimento sionista construiu uma economia, uma sociedade, um modo de vida e criou um exército dentro da Palestina.

Por que os ataques à Gaza?

Israel usou como pretexto para iniciar essa nova operação militar o sequestro, desaparecimento e morte de três jovens soldados que davam proteção ilegal aos assentamentos de judeus sionistas na cidade velha de Hebron. Esses jovens já haviam cometido violências contra palestinos, mas isso a mídia não mostrou.

Os palestinos divulgaram imagens desses soldados participando de prisões, torturas e humilhações. Não se pode negar que eles eram parte direta nos conflitos. Israel, então, culpou o Hamas, que negou autoria dos assassinatos.

Duas semanas após a morte desses jovens, cerca de 600 prisões foram realizadas pelo exército israelense na Cisjordânia antes do início dos bombardeios à Gaza.

Parte da população israelense é contra os ataques, não?

Até mesmo entre as forças armadas de Israel e o governo há contradições. Existem declarações de oficiais israelenses criticando a operação por terra em Gaza. Um movimento de soldados israelense se nega a combater em território palestino.

Dentro do governo, alguns sustentam a ideia de que foi o Hamas o autor dos sequestros, em contrapartida, alguns setores declaram que nenhuma investigação comprova que o partido realizou a operação.

E sobre os diretos dos palestinos firmados nos acordos de Oslo?

A avaliação de muitos que estão acompanhando o conflito é que houve um fracasso dos acordos de Oslo – acordo firmado na cidade de Oslo na Noruega em 1993, entre Palestina e Israel com o objetivo de estabelecer a paz na região.

O fracasso dos acordos obriga os palestinos a procurarem outros caminhos para conquistar seus direitos, o que levou a criação da Unidade Nacional Palestina. Forças dentro da OLP, principalmente a esquerda Palestina, como a Frente Popular pela Libertação da Palestina e a Frente Democrática pela Libertação da Palestina, vem conversando com o Hamas e o Fatah no sentido de combater Israel.

Desde então, houve uma tentativa nos últimos anos de criar uma coalizão nacional desde o Fatah, que governa a Cisjordânia e é o partido que comanda a OLP, ao Hamas, que governa Gaza desde 2005. Essas conversas entre o Fatah e o Hamas no sentido de construir um governo fizeram com que Israel tentasse criar uma situação para impedir essa união.

Os ataques estão se concentrando em Gaza, mas nos últimos dias têm se espalhando por outras regiões, inclusive pela Cisjordânia. Você acredita que pode acontecer na Cisjordânia o que está ocorrendo em Gaza? E de que maneira o povo de mobiliza nessas áreas?

A resistência palestina atua de diferentes maneiras. Ali na Cisjordânia existe um movimento de libertação nacional, que combina diversas formas de luta e de organização. Em Gaza, a situação difere da Cisjordânia e dos territórios ocupados em 1948.

Por exemplo, os palestinos que vivem em território israelense se mobilizam, fazem manifestações. Mas é mais difícil para eles se organizarem, há mais repressão. As organizações palestinas que estão lutando em Gaza são aquelas que na Cisjordânia estão mobilizando suas bases para um enfrentamento contra o exército de Israel.

A unidade política e militar que existe em Gaza está influenciando os palestinos na Cisjordânia e os de Jerusalém contra Israel e contra os setores da Autoridade Palestina. Há também um sentimento de indignação por parte dos palestinos em relação ao seu próprio governo.

Existe uma rebelião popular na Palestina, que tem como alvo principal o governo e o exército de Israel, mas que também tem duras críticas à Autoridade Palestina. É um movimento que está denunciando o governo palestino como um gerente da ocupação.

Qual a posição da Autoridade Nacional da Palestina (ANP) em relação à ofensiva em Gaza?

A ANP está cada vez mais parecida com um administrador da ocupação colonial israelense. Eu penso que o que está acontecendo hoje em Gaza e na Cisjordânia pode mudar a luta de classes e política na Palestina, enfraquecendo a ANP, que quer sempre negociar com Israel. O Egito propôs recentemente uma negociação, e a ANP logo se dispôs. Mas não é isso que a população quer.

A população quer o cessar-fogo, mas não abre mão de algumas de suas reivindicações. Se a ANP não se juntar ao povo na luta contra Israel, eles também vão cair. É de causar indignação o silêncio em relação aos ataques à Gaza e a falta de iniciativa dos embaixadores palestinos no mundo inteiro diante dos massacres.

A resistência palestina em Gaza atende o seu próprio povo e não faz nenhum acordo com Israel enquanto não se garantir o fim do bloqueio. Os palestinos querem um porto, um aeroporto e o direito de construir um exército.

Eles se prepararam para a possibilidade de um dia Israel voltar atacar Gaza por terra. É por isso que a quantidade soldados mortos está assustando o governo israelense. Já morreram quase 100 e um deles foi capturado.

Vale lembrar que em 2009 o Hamas capturou um soldado israelense em Gaza, e em 2011 ele foi trocado pela libertação de 1027 presos políticos palestinos. Israel está numa operação difícil do ponto de vista político e militar.

O que pode ser feito do ponto de vista internacional para impedir os ataques de Israel em Gaza?

Israel é uma potência. Mas a campanha de boicote ainda é a melhor alternativa. Alguns países já romperam acordos econômicos e sociais com Israel, mas ainda não é o suficiente. Vários países da América Latina convocaram os seus embaixadores para pedir explicações.

E dentro da Palestina?

Dentro da Palestina, os movimentos de libertação estão crescendo na Cisjordânia. Temos uma situação favorável de fortalecimento da mobilização popular, seja através de movimentos, sindicatos ou outras organizações.

E isso chegará a Gaza. Hoje, o que a maioria dos palestinos quer é um Estado único onde todos possam conviver. A separação é a origem do conflito. Uma série de intelectuais progressistas israelenses e palestinos corrobora a ideia de um Estado único.

Como você avalia, até o momento, o posicionamento do governo brasileiro em relação aos ataques?

Embora a postura de condenação brasileira tenha sido um avanço, ainda é uma posição tímida. O governo brasileiro é contraditório. Eu não confio que condene e leve Israel para os tribunais internacionais. A base de sustentação do governo brasileiro é pró-Israel.

O Brasil diz que foi um ataque desproporcional, mas politicamente não rompe nenhum acordo econômico com o governo israelense. Israel nunca ganhou tanto dinheiro com o Brasil como agora. O Lula, que é visto como alguém que aproximou o Brasil do mundo árabe, também aproximou o país de Israel.

Em entrevista, Dilma foi perguntada se o que está acontecendo em Gaza é um genocídio, ela respondeu que é um massacre. Sabemos que o que acontece ali é uma limpeza étnica, mas a Dilma preserva Israel.

Ela não quer condenar o governo israelense por práticas genocidas, pois o nível de influência da comunidade sionista no Brasil é imenso. Parte considerável do governo do Rio Grande do Sul é formada por sionistas.

Existe um complexo industrial sendo construído em Poá, e o protagonista principal desse acordo é o governador Tarso Genro, ex-ministro da justiça do governo Lula. Quem faz a agenda do Lula é uma sionista, uma senhora chamada Clara Ant, conhecida no Brasil como a maior apoiadora do governo de Israel. Quem quiser fazer uma reunião com o Lula, tem que passar por ela.

O PT tem relação com o partido trabalhista israelense, mas não tem nenhuma relação com partidos políticos palestinos. Também não tem relações com o partido comunista de Israel, que é o único partido anti-sionista.

Não existe nenhum convênio de cooperação com partidos políticos palestinos. Existe uma relação com a ANP, mas o governo brasileiro não explicita essa relação porque não quer criar problema com o lobby sionista que existe dentro do PT.

E quando há alguma cooperação, os aliados de Israel no Brasil criam entraves. Um exemplo foi quando o governo brasileiro aprovou no Ministério da Pesca uma verba para ajudar os pescadores palestinos de Gaza.

Mas o dinheiro não chega. Primeiro porque Israel bloqueia todas as transações financeiras em Gaza, e segundo porque à época, o Ministério da Pesca foi entregue para o Marcelo Crivella, pastor da Igreja Universal e aliado de Israel.

A Palestina recebe apoio dos países da Liga Árabe?

Existe uma divisão muito grande entre os países árabes que dificulta a luta do povo palestino. A revolução palestina é parte da revolução que deve acontecer no mundo árabe. Mas vários desses países são aliados do sionismo e do imperialismo.

As monarquias árabes têm relações econômicas com os EUA, Israel e a União Europeia. Por isso, não existe a perspectiva de montar uma coalizão contra Israel. Se os países árabes se unem à resistência interna palestina, Israel já era.

De uma maneira prática como fazer com que a população brasileira entenda o que de fato está acontecendo em Gaza?

Israel nos ajuda a explicar de maneira fácil o conflito. Quando o povo brasileiro vê o bombardeio de casas de civis, escolas e igrejas, ele consegue entender que ali tem um genocídio acontecendo. São crianças, mulheres, idosos. As mortes do lado israelense são de soldados.

O que os movimentos sociais brasileiros podem fazer para demonstrar apoio à luta do povo palestino?

Os movimentos devem fortalecer a campanha pela liberação dos presos políticos palestinos, apoiar o boicote contra Israel, BDS, investigar e denunciar os acordos políticos e econômicos brasileiros com o governo Israelense. Temos que mostrar como essas empresas que atuam no Brasil financiam a ocupação ilegal, e denunciar as violações de direitos humanos cometidas por Israel.

As grandes mobilizações de apoio, que acontecem no mundo inteiro, têm que continuar até que cessem os bombardeios e o bloqueio à Gaza por mar, ar e terra. Os movimentos também podem pressionar os países árabes pelo apoio ao povo palestino e esperar que a ANP se junte ao seu povo contra Israel e não o contrário, como vem acontecendo.