Com a Brigada Dessalines, Sem Terra ajudam movimentos sociais no Haiti

Por Marsílea Gombata
Da Carta Capital

Por Marsílea Gombata
Da Carta Capital

Com foco na educação voltada para a agroecologia e na articulação de movimentos camponeses, membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e de outros movimentos sociais da América Latina auxiliam agricultores haitianos e lideranças políticas através da Brigada Dessalines. O grupo, batizado em homenagem ao libertador haitiano Jean-Jacques Dessalines, está no Haiti desde 2009 e surgiu como uma espécie de resposta à proposta de cooperação militar por meio da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah).

Em 2004, quando foi anunciada a vinda de tropas estrangeiras ao Haiti, movimentos sociais haitianos fizeram um apelo a companheiros da América Latina, para que ali fizessem um outro tipo de cooperação, que não fosse o militar.

“A compreensão que todos tinham do Haiti era a de que isso aqui era um caos, e a melhor forma de ajudar era enviar os militares”, explica o cearense Flavio Barbosa, membro do MST que compõe a brigada há dois anos, sobre a “ideia paternalista” de o país precisar de uma intervenção para caminhar com as próprias pernas. “De imediato, então, houve esse rechaço pelos movimentos sociais, levando a Via Campesina a pensar em uma ajuda alternativa em resposta à Minustah”.

Articulada pela Via Campesina Brasil, a Brigada começou a ser idealizada no mesmo ano em que as tropas estrangeiras chegaram ao país. Antes de se instalarem em solo haitiano em janeiro de 2009, os membros do projeto passaram por dois meses de treinamento na Escola Nacional Florestan Fernandes, fundada pelo MST. O grupo, que inicialmente tinha dez membros, passou a ter 76 quando do terremoto de 2010. Hoje conta com dois brasileiros, um cubano e uma argentina.

Dentre seus principais aliados estão os movimentos camponeses Tet Kole, MPP, MPNKP e KROS, que formam a Via Campesina Haiti. O setor agrícola haitiano está carente de investimentos do Estado há décadas e hoje encontre-se praticamente voltado à subsistência, mas mais de 40% da população tem na produção agrícola sua principal atividade.


Hoje, com os quatro membros vivendo na região rizicultora de Artibonite, a brigada mantém reuniões semanais em escolas ou comunidades locais, onde há aulas de educação ambiental e agroecologia, na formação de agentes comunitários para a produção de alimentos, além de trabalhar para a capacitação de novas lideranças políticas. 

Um dos maiores objetivos da brigada, no entanto, é fortalecer um programa de cooperação de produção agrícola local (como mostra a foto abaixo). No ano de 2010, por exemplo, o grupo conseguiu instalar 150 cisternas em casas de camponeses, com doação do governo da Bahia. Cada uma delas é hoje utilizada em média por cinco famílias.

Ao longo desses anos no país, o movimento vem trabalhando a recuperação do solo, instalou centros de reprodução de sementes de legumes, a fim de combater a dependência do produto importado, assim como viveiros de reflorestamento no país onde a atividade de extração é contínua e o carvão vegetal, a principal fonte de renda alternativa do camponês.

Desafios

No campo político, o trabalho desenvolvido pela Brigada Dessalines é o de ajudar na articulação dos movimentos sociais locais para que possam reivindicar suas demandas – como a atual luta dos rizicultores contra o aumento dos preços do adubo. “O grande problema do Haiti, no entanto, é que aqui os movimentos dependem muitos das ONGs. Seria preciso uma liderança forte para uni-los”, observa Ramiro Cuesta, 47 anos, membro da brigada que vem do Centro Martin Luther King, de Cuba.

Para a argentina Victoria Marinelli, da Frente Popular Darío Santillán (FPDS), a falta de unidade entre os movimentos é hoje um problema pelo qual passam muitos países da América Latina e não apenas o Haiti. “A nossa missão, portanto, é fortalecer essas articulações para que possam caminhar rumo a uma mudança social que busca a soberania alimentar”.

Um dos caminhos para isso, lembra Barbosa, é cobrar do governo brasileiro a retirada das tropas do Haiti para que os gastos militares (R$ 2,1 bilhões de 2004 a 2013) sejam convertidos em um ouro tipo de ajuda, que possa responder às demandas na área social do país mais pobre das Américas.