Ignacio Ramonet: o dia histórico em que o Papa se reuniu com os movimentos
Por Ignacio Ramonet
A terça-feira, 28 de outubro, foi um dia histórico.
Por Ignacio Ramonet
A terça-feira, 28 de outubro, foi um dia histórico.
Primeiro, porque não é frequente que o Papa convoque, no Vaticano, um Encontro Mundial de Movimentos Populares do qual participam organizações de excluídos e de pessoas marginalizadas dos cinco continentes, e de todas as origens étnicas e religiosas: camponeses sem terra, trabalhadores informais urbanos, recicladores, carrinheiros, povos originários em luta, mulheres reclamando direitos, etc. Muitos dos dirigentes presentes estão ameaçados de morte por esquadrões da morte… Em suma, uma assembleia mundial dos povos da Terra. Mas dos povos em luta e que não se resignam.
Segundo, é menos frequente ainda que o Papa se dirija diretamente a eles, no Vaticano, dizendo-lhes que quer “escutar a voz dos povos” porque “os pobres não se contentam mais em sofrer as injustiças, mas que lutam contra elas” e que ele (o Papa) “quer acompanhá-los nessa luta”. Francisco também disse que “os pobres já não esperam de braços cruzados por soluções que nunca chegam; agora os pobres querem ser protagonistas para encontrar, eles mesmos, uma solução para os seus problemas”, pois “os pobres não são seres resignados, mas sabem protestar e se revoltar”. Disse que espera que “o vento dos protestos se converta em vendaval de esperança”.
O Papa também afirmou: “A solidariedade é uma forma de fazer história”. E por isso se une ao pedido dos pobres que reclamam “terra, teto e trabalho”. E acrescentou: “Quando peço terra, teto e trabalho para os necessitados alguns me acusam dizendo que ‘o Papa é comunista’! Não entendem que a solidariedade com os pobres é a base mesma do Evangelho”.
Francisco lembrou que “a reforma agrária é uma necessidade não apenas política, mas moral”. E acusou (sem nomeá-lo) o neoliberalismo de ser a causa de muitos dos males atuais: “Tudo isto ocorre – afirmou – quando se tira o ser humano do centro do sistema e em seu lugar se coloca o dinheiro”. “Por isso, é preciso levantar a voz”, repetiu. E recordou que “os cristãos têm um programa que me atreveria a qualificar de revolucionário: as bem-aventuranças do Sermão da Montanha do Evangelho Segundo São Mateus”.
Um discurso forte, corajoso, que se inscreve no fio direto da Doutrina Social da Igreja que o Papa reivindicou explicitamente. E na opção preferencial pelos pobres. Fazia muito tempo que um Papa não pronunciava um discurso tão social, tão “progressista” sobre um tema, os pobres, que constitui uma das bases fundamentais da doutrina cristã.
Terceiro. Tudo isto foi tanto mais importante quanto que este discurso, o Papa o pronunciou na presença do presidente da Bolívia, Evo Morales, ícone dos movimentos sociais e líder dos povos originários. Logo depois, o presidente Morales, muito aplaudido, tomou a palavra diante do mesmo auditório de movimentos populares na luta para explicar, com muitos exemplos, que “o capitalismo, que tudo compra e tudo vende, criou uma civilização esbanjadora”. Insistiu em que “é preciso refundar a democracia e a política, porque a democracia é o governo do povo e não o governo do capital e dos banqueiros”. Também acentuou que “é preciso respeitar a Mãe Terra” e “mobilizar-se contra a privatização dos serviços públicos”. Sugeriu a todos os movimentos populares reunidos por ocasião deste encontro para que criem “uma grande aliança dos excluídos” para defender os “direitos coletivos” que completem, segundo ele, os direitos humanos.
O sentimento geral dos participantes deste inédito encontro é que estas duas intervenções confirmam a enorme liderança política e moral, em escala internacional, do presidente Evo Morales, e o novo papel histórico do Papa Francisco, como porta-voz das lutas dos pobres da América Latina e de todos os excluídos do mundo.