Seminário aponta impactos dos agrotóxicos na educação e saúde pública
Por Júlio Carignano
Crédito: Júlio Carignano
Por Júlio Carignano
Crédito: Júlio Carignano
A Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Cascavel, sediou na noite desta quarta-feira (19/11) o Seminário ‘Escolas do Campo e Agrotóxicos’. Promovido pelo mandato do vereador Paulo Porto (PCdoB), o evento reuniu cerca de 120 pessoas, entre pesquisadores, profissionais da saúde, agricultores, movimentos sociais, professores e alunos das escolas do campo; todos preocupados com a escalada do uso de agrotóxicos e a contaminação de ambientes e das pessoas dela resultante, com severos impactos a saúde pública e a segurança alimentar.
O evento foi aberto com uma palestra da médica Lilimar Mori, chefe de Vigilância de Saúde da 10ª Regional do Governo do Estado. Ela apresentou dados sobre o uso de agrotóxicos na área de abrangência do órgão e das notificações de intoxicações e óbitos, entre os anos de 2007 e 2014. Enquanto a média de intoxicações no Paraná é de sete pessoas por 100 mil habitantes, na área da bacia do Paraná 2 (Oeste do Paraná) o índice chega a 53,5 por 100 mil.
Nos últimos sete anos, a 10ª Regional de Saúde registrou um total de 3.229 casos de intoxicação exógena, sendo a maior parte por medicamentos (45,9%). As intoxicações por agrotóxicos agrícolas, raticidas, agrotóxicos domésticos e de saúde pública resultaram em 645 notificações, cerca de 20%. A maior parte dos registros aconteceu em Cascavel, com 2.433 casos (75,3%), seguido de Boa Vista da Aparecida com 224 e Guaraniaçu com 109 casos. Vale lembrar que a 10ª Regional não abrange municípios da área de Toledo e Foz do Iguaçu.
A maior parte das notificações por agrotóxicos são de intoxicação por herbicida (41,7%) e inseticida (37,3). A pulverização aérea representa 25,5% dos casos de intoxicação por agrotóxicos, seguido da diluição com 13,4% e tratamento de sementes com 4%. Também foram registrados, entre 2007 e 2014, um total de 35 óbitos por intoxicação, sendo 12 deles em virtude dos agrotóxicos.
Segundo a especialista, mesmo que ingredientes ativos dos agrotóxicos, por seus efeitos agudos, possam ser classificados como medianamente ou pouco tóxicos, não pode se perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos, ou até décadas após a exposição, manifestando-se como várias doenças como cânceres, malformação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.
De acordo com Lilimar Mori, o problema dos agrotóxicos ainda é pouco pesquisado e com um escasso número de fontes oficiais de informação. Por isso, ela fez o alerta para os casos desconhecidos relativos ao tema. “Além das notificações de causas ignoradas de intoxicação temos aquelas situações que sequer chegam ao nosso conhecimento. Os casos registrados são um universo muito pequeno dentro do que a gente sabe que acontece aqui na região Oeste”, destacou a médica.
Recursos hídricos
Elaine Marchioro, coordenadora da Via Campesina do Paraná, apresentou dados do crescimento do uso do agrotóxico no Estado. O uso deste tipo de tipo de produto no Paraná cresceu 20%, entre 2008 e 2011, segundo o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). O Estado consome por ano 96,1 milhões de quilos de agrotóxicos, que representa mais de 9 quilos por hectare de área plantada, três vezes mais que a média nacional. “Esse dado é preocupante, uma vez que apesar do crescimento do uso de agrotóxicos, a produção neste período se manteve estável. Ou seja, está se utilizando mais veneno para produzir a mesma coisa”, alertou.
Esses números se acentuam nas regiões Central e Oeste do Estado. Em Cascavel, por exemplo, a quantidade de tóxicos nas plantações é de 23 kg/ha/ano. “Os agrotóxicos utilizados no Paraná, especialmente em nossa região, são classificados como perigosos e muito perigosos, em uma escala que vai de pouco a altamente perigosos. São altamente tóxicos, aqueles que chamamos de faixa vermelha”, relatou Elaine.
Além da contaminação direta dos alimentos, os agrotóxicos são a segunda maior causa de contaminação dos recursos hídricos no país, atrás somente do despejo do esgoto doméstico, alertou Elaine. A bacia hidrográfica do Alto Piquiri (Centro-Oeste e Oeste) utilizou no período pesquisado 19,3 milhões de quilos, mais de 20% do total de agrotóxicos aplicados no Estado. “Anteriormente a contaminação em alto grau estava restrita as águas rasas e poços artesianos, mas parte das águas profundas também já estão contaminadas”, aponta a militante.
Para coordenadora da Via Campesina, o desafio é contrapor esse atual modelo do agronegócio, que opta por uma produção baseada na expansão de fronteiras agrícolas para exportação de commodities e na monocultura cada vez mais dependente do veneno e de fertilizantes químicos. “É preciso um olhar diferenciado dos nossos agentes públicos e dos profissionais de saúde para o campo. Nossa tarefa, enquanto camponeses, é seguir fazendo a luta pela agroecologia, pela defesa do meio ambiente, da fauna, da flora e da biodiversidade”.
Educação do campo
Diretores, professores e alunos de educação do campo trouxeram relatos sobre o encaminhamento de crianças a postos de saúde em decorrência da exposição a aplicação do agrotóxico, especialmente pela pulverização aérea perto das escolas. Alunos do Colégio Aprendendo com a Terra e a Vida Zumbi dos Palmares, no assentamento Valmir Mota, e da comunidade Alto Alegre, no reassentamento São Francisco, decoraram o seminário com cartazes alertando para os riscos da aplicação de agrotóxicos e dizeres como “Não passe veneno perto de escolas, hospitais e casas”, “Não podemos aceitar o latifúndio passando veneno perto de nossa escola” e “Agrotóxico mata”.
Para o vereador Paulo Porto, idealizador do seminário, é preciso mobilizar os diferentes atores sociais para os danos causados pelo uso dos agrotóxicos. “Nosso desafio é criar políticas públicas de controle e regulação do uso, medidas legislativas e alternativas que dialoguem com os movimentos sociais e com o segmento da agricultura familiar e camponesa. Nosso mandato tem esse compromisso junto aos movimentos sociais de ampliarmos o debate sobre esse tema junto à sociedade. Não podemos continuar aceitando que o cidadão do Oeste do Paraná consuma 12 litros de agrotóxicos por ano, quase três vezes mais do que a média nacional”.