Reforma Política: As 10 armadilhas da ‘Emenda Vacarezza’
Por Maria Inês Nassif
Da Carta Maior
A maior armadilha da PEC 352, ou Emenda Vaccarezza, é a constitucionalização de medidas que agravam as distorções do sistema político brasileiro. O receio das forças que são contrárias à proposta é a de que soprem ventos favoráveis à sua aprovação, devido ao perfil conservador do novo Congresso e a condições políticas que favorecem a união de setores do PMDB com a oposição. Essas forças podem obter 3/5 dos votos dos deputados e senadores agora – e dificilmente, no futuro, os setores contrários a essas medidas consigam reunir apoio desta magnitude para derrubá-la.
Abaixo, as principais propostas da emenda assinada pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza:
1. O alistamento eleitoral é obrigatório, mas o voto torna-se facultativo
A crítica ao voto facultativo é que, num momento de grande descontentamento com a política, o interesse eleitoral se reduz. Isso aumenta o risco de distorção da vontade da maioria, já que os cidadão silenciosos, que abriram mão de seu voto, não estarão representados. O voto facultativo tenderia a hipervalorizar a vontade de militâncias políticas e cidadãos mais escolarizados.
2. A filiação partidária mínima exigida para os candidatos é de seis meses
São fartas as críticas à falta de lealdade partidária dos eleitos e à pouca organicidade dos partidos. A PEC 352, ao que tudo indica, não se importa com isso. Entre outras medidas – como a de reduzir o número de apoios para criar um novo partido –, a emenda reduziu de um ano para seis meses antes das eleições o prazo mínimo de filiação partidária para os candidatos. O pretexto para isso foi equiparar as exigências para todos os candidatos. A lei atual define que a filiação partidária é de um ano, à exceção de magistrados, cujo prazo mínimo para estar inscrito a um partido é de seis meses antes das eleições. Em vez de derrubar a exceção e definir para todos os candidatos uma filiação mínima de um ano, a emenda institui filiação mínima de seis meses para todos.
3. Fica proibida a reeleição para cargos executivos (prefeitos, governadores e presidente da República), mas mandato continua de 4 anos
No debate sobre reeleição, sempre prevaleceu a tese de que o mandato de 4 anos é muito reduzido para um presidente da República, ou governador, ou prefeito realizar um programa de governo. Existe um consenso de que se a reeleição for derrubada, será necessário aumentar o mandato para cargos executivos para, no mínimo, 5 anos. A PEC Vaccarezza acaba com a possibilidade de reeleição mas mantém o mandato de quatro anos.
4. As eleições municipais, estaduais e federal serão coincidentes: no mesmo dia, o país votará para presidente da República, deputados federais, senadores, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores.
Em vez de eleições de dois em dois anos, uma de quatro em quatro anos. A ideia de coincidência de mandatos tem um veio conservador do qual decorrem dois argumentos financeiros: a de que o país tem muitas eleições, e no ano de eleição o país para; e a de que eleições são caras para os contribuintes e, para o bem deles, devem ser reduzidas. Existe, contudo, também um sentido político nisso: a municipalização da escolha, o domínio da agenda eleitoral por uma agenda mais paroquial e menos política.
5. Pela proposta Vaccarezza, os prefeitos e vereadores eleitos em 2016 terão um “mandato-tampão” de dois anos. A partir de 2018, as eleições municipais acontecerão junto com as demais eleições.
Na história recente, eleições gerais foram convocadas em 1982, no governo militar. Foram as primeiras eleições diretas para governadores desde o Ato Institucional número 2, de 1966, e a coincidência com as eleições municipais pretendia despolitizar a campanha, dar protagonismo às lideranças municipais e aumentar a influência delas na escolha dos executivos estaduais. Foi uma campanha difícil, dado o enorme número de candidatos que o eleitor tinha de escolher, mas o cálculo dos estrategistas do governo Figueiredo deu errado: o PMDB, partido mais identificado com a luta institucional contra a ditadura, fez 10 governadores, Leonel Brizola, do PDT, inimigo número 1 do regime militar, foi eleito para o governo do Rio, e o PDS, partido do governo, fez 12 executivos estaduais. Os governadores oposicionistas foram fundamentais na articulação de massivas manifestações pelas eleições diretas para presidente da República, em 1983 e 1984.
6. Eleições gerais, coligações nem tanto
O partido participa de eleições gerais, mas os partidos estaduais e municipais não precisam fazer as mesmas coligações que o partido nacional.
7. Coligações proporcionais viram casamento
Apontadas como razão das grandes distorções de representação do Poder Legislativo brasileiro, as coligações proporcionais não apenas são mantidas nas eleições pela PEC 352, mas obrigatoriamente devem se tornar parte da coalizão governamental. Isto é: os partidos se coligam nas eleições e, depois delas, integram uma frente partidária no Congresso até o fim do mandato.
8. Sai o voto proporcional para o Legislativo, entra o distritão proporcional. Com referendo.
Somente este artigo da PEC da reforma política de Eduardo Cunha já explicaria o adjetivo de “monstrengo” a ele dado pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). Existe historicamente um embate entre os que defendem o voto proporcional para o Legislativo, e os que defendem o voto distrital puro ou misto. Para os adeptos do voto distrital, o que encarece eleição de parlamentares é eles serem obrigados a disputar votos em todo o território do Estado, e o pleito se tornaria mais barato, e mais inteligível para o eleitor, se ele pudesse votar em candidatos de um distrito específico, geograficamente delimitado.
Os partidários do voto proporcional defendem que o voto ideológico fica diluído na eleição distrital, e que as minorias perderiam representação nesse sistema. Uma terceira linha, que tem o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) como defensor, é o distritão, um sistema onde são eleitos no estado os mais votados, independentemente do resultado dos partidos na soma dos votos. A Emenda Vaccarezza mistura e manda, a pretexto de tentar o consenso: mantém o voto proporcional mas divide os Estados em distritos. Consegue, com isso, eliminar a virtude do voto proporcional tal como é hoje, de garantir a presença das linhas ideológicas minoritárias na sociedade pela soma de todos os votos que a legenda teve no Estado. A proposta sugere um referendo para o sistema eleitoral definido pelo Congresso.
9. Financiamento privado de campanha
A PEC 352 define que os partidos políticos podem usar recurso públicos, privados ou ambos nas eleições, e que o uso do dinheiro privado será definido pelo “órgão partidário competente”. Portanto, supõe que existirão partidos que usarão dinheiro privado e outros que não o usarão. É uma pegadinha: quando a Constituição passa a dizer que o partido pode pegar dinheiro de empresas para financiar campanhas, na verdade está constitucionalizando o financiamento empresarial.
Do ponto de vista do domínio do poder econômico sobre o voto, é trocar seis por meia dúzia: se existirem duas categorias de partidos, um que faz a opção por receber dinheiro privado e outro não, vai ter mais condições econômicas de eleger um candidato aquele que, além do fundo público de campanha, obtiver também dinheiro das empresas. Mantém-se a lógica do sistema atual, baseado na captura do poder político pelo poder econômico.
Na justificativa da proposta, afirma-se que “a liberdade dos partidos para escolher as fontes de financiamento de suas campanhas” (público, privado ou ambos) foi uma opção do grupo de trabalho por “sugerir a consagração constitucional (…) da autonomia partidária”. Piada pronta: não existe opção por financiamento público exclusivo se o concorrente por fortalecer seu caixa com dinheiro de empresas.
10. Para criar novos partidos serão necessários menos apoios. Talvez não precise de nenhum
Hoje, para se criar um partido, é necessário colher a assinatura de eleitores correspondentes a 0,5% dos votos válidos dados na eleição anterior para a Câmara dos Deputados (menos brancos e nulos), distribuídos por pelo menos um terço dos Estados, com no mínimo 0,1% do eleitorado que tenha votado em cada um deles. A Emenda Vaccarezza reduz a exigência de apoios para 0,4% do total nacional de eleitores e 0,1% em pelo menos um terço dos Estados e abre uma possibilidade que existia na lei orgânica anterior à democratização: o simples apoio de pelo menos 5% dos deputados federais torna possível o registro de um novo partido, independentemente da adesão dos eleitores à criação dos partidos.