A Hora e a Vez de um Programa Camponês
Por Marcelo Leal e Frei Sérgio Görgen
A agricultura Camponesa não se reduz a um conceito econômico. É muito mais: é social, é territorial, cultural, antropológico. É uma forma de viver e existir, que também produz bens e serviços, principalmente, na forma de alimentos saudáveis e na preservação da natureza.
Mas o principal resultado desta forma de viver é um tecido social saudável, que vem sendo esgarçado e destruído nas últimas décadas no Brasil pelo avassalador avanço do agronegócio e das monoculturas. O êxodo rural, principalmente das novas gerações, é uma das mais brutais consequências desta realidade, comprometendo a produção de alimentos em futuro próximo.
O agravo da questão urbana e suas mazelas sociais é a outra consequência. Mas a destruição das comunidades camponesas com suas formas convivência, costumes, sistemas produtivos, lazer, esporte, educação, cultura é a face mais perversa do avanço do agronegócio sobre os territórios camponeses. Preservar, fortalecer, reconstruir (com acesso a conquistas civilizatórias contemporâneas, entre elas, a inclusão digital) as comunidades camponesas é o principal objetivo de um Programa Camponês.
Produzir alimentos saudáveis, com preservação ambiental e transição agroecológica, para o abastecimento nacional e exportação, é o segundo e não menos importante. Estes dois objetivos se completam e um não existe sem o outro. O PRONAF vive sua fase de esgotamento como política pública massiva de ascensão social, mudança do modelo tecnológico em direção da agroecologia e universalização do acesso. Nos últimos anos o Pronaf foi sequestrado pela lógica bancária, transformou-se em formas de transferência de lucros para as indústrias de tratores e máquinas agrícolas, de agrotóxicos, de adubos químicos e multinacionais das sementes transgênicas.
Afastou-se da lógica camponesa e fortalece o agronegócio da classe média rural e da indústria de venenos. Diante desta realidade, o Movimento dos Pequenos Agricultores elaborou, discutiu e consolidou uma proposta ampla e global para o desenvolvimento da agricultura camponesa, uma meta síntese e uma estratégia de transformação: O PLANO CAMPONÊS.
A formulação do plano se desdobrou em luta social e política. No Rio Grande do Sul, os movimentos da Via Campesina, operários metalúrgicos, movimentos populares e de juventude, abraçaram a proposta e a transformaram em uma reivindicação concreta e prática de ampla repercussão social e econômica. Um Programa Camponês como política de Estado, estruturante da produção e da vida camponesa. A exitosa experiência se traduz como reivindicação imediata ao Governo Federal.
Este Programa Camponês, entre outros elementos, consiste em: Estimulo a cooperação e ao cooperativismo: em cada grande região os movimentos sociais selecionam cooperativas ou associações camponesas para operar o programa.
Crédito desbancarizado e desburocratizado: ou seja, sem as regras bancárias convencionais dos acordos de Basileia, garantido o direito dos agricultores acessar recursos para produzir alimentos saudáveis. Transição agroecológica massiva: emprego de princípios, técnicas e métodos produtivos agroecológicas, compatíveis com a estratégia econômica, tecnológica e energética de autonomia camponesa.
Investimento nas Unidades de Produção Camponesas: criar condições de reestruturação produtiva para produzir alimentos, em especial, através de:
a) biomineralização do solo: recuperar a fertilidade dos solos com utilização de pó de rochas, adubos orgânicos, adubos verdes e biofertilizantes;
b) kit soberania alimentar: investimentos em diversificação da produção para abastecimento popular, como instalação de hortas, pomares de frutas, criação de pequenos animais e sementes;
c) introdução do Pastoreio Racional Voisin (PRV): viabilizar a introdução de pastagem permanente para ampliar a produção leiteira e de carnes;
d) resfriadores: qualificar a armazenagem do leite produzido através de resfriadores a granel;
e) fruticultura: formação de pomar familiar;
f) mudas: instalar viveiros de mudas florestais, frutícolas e de olerícolas;
g) sementes crioulas e varietais: autonomia na produção de sementes para o uso dos próprios agricultores;
h) máquinas e equipamentos agrícolas: proporcionar a mecanização das atividades agrícolas ampliando a produtividade do trabalho nas unidades camponesas;
i) irrigação: dispor de recursos para as famílias irrigarem suas roças, implicando em aquisição máquinas para construção de açudes, cisternas para produção e aquisição de equipamentos de irrigação.
Processamento e Agroindustrialização da Produção: formas de cooperação para a constituição de unidades agroindustriais cooperadas, de sucos, conservas, carnes e pescado, embutidos, laticínios, beneficiamento de grãos, entre outras.
Unidades de Beneficiamento de Sementes: de porte pequeno e médio, distribuídas e todo o território nacional, para produzir e beneficiar sementes visando a autonomia produtiva da agricultura camponesa e da produção agroecológica. Biofábricas de insumos: com o objetivo de produção massiva de insumos agroecológicos como fertilizantes e biofertilizantes, bem como produção de agentes biocontroladores de pragas e doenças. Armazenagem, logística e distribuição: construção de estruturas de secagem e armazenagem, aquisição de veículos para transporte dos alimentos. Instalação de centros logísticos de recolhimento e distribuição de alimentos em regiões estratégicas e centros urbanos.
Este é o Programa pelo qual lutamos e que terá a capacidade de unificar forças sociaiscamponesas e urbanas para seguir na luta pela construção de soberania alimentar, qualidade de vida e um Brasil democrático e justo.