“Poucas redes ditam o que vamos comer”, afirma presidente do Conselho Federal de Nutricionistas
Por Maíra Gomes
Do Brasil de Fato
A Conferência Municipal de Segurança Alimentar de Belo Horizonte, realizada no dia 23 de maio, deflagrou a realização de debates públicos sobre o tema. A conferência leva o mote “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”.
Élido Bonomo, presidente do Conselho Federal de Nutricionistas, é belo-horizontino e ajudou a fundar o conselho regional na cidade. Ele explica que o consumo elevado de alimentos “não verdadeiros” tem gerado más condições de saúde e nutrição para a população. Para Élido, a agricultura camponesa se apresenta como melhor opção ao agronegócio.
O que é Segurança Alimentar? Qual a importância desse debate para a sociedade?
O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) está sempre em construção. Entretanto, desde a II Conferência Nacional tem-se adotado no Brasil que SAN é a realização do direito de toda e qualquer pessoa ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
Uma boa alimentação deve promover saúde e respeitar a diversidade cultural e ser sustentável. A SAN deve estar na agenda nacional para que possamos ter um amplo diagnóstico da situação alimentar e nutricional da população brasileira. Devem ser identificados quais grupos e regiões estão mais vulneráveis à insegurança alimentar e definir políticas, programas e planos buscando a superação dessa realidade.
Qual é a situação atual da segurança alimentar em Minas Gerais? O que existe e onde é preciso avançar?
Em termos de marcos legais estamos bem avançados. Há uma lei que estabelece a política estadual de SAN, o plano estadual de SAN e o conselho de segurança alimentar e nutricional sustentável, o Consea. Mas falta ainda orçamento público suficiente para que as ações necessárias à política sejam implementadas. É preciso uma reformulação com revigoramento do papel do Consea no estado; as populações e comunidades mais vulneráveis e menos assistidas devem ter prioridade nas ações de SAN.
E por onde tem se dado a luta pela garantia dessa “outra forma de alimentação”? Qual tem sido a resistência no estado?
A alimentação que desejamos é adequada em qualidade e quantidade para todos, no entanto o acesso ainda é restritivo para determinadas comunidades e grupos populacionais, que precisam ser prioridade nas ações de governo. Há um monopólio no abastecimento alimentar de massa, que está centrado em poucas redes transnacionais que ditam o que devemos comer em função do que disponibilizam em suas gôndolas de supermercados.
Com um forte investimento na propaganda e no marketing, quase sempre induzindo ao consumo de produtos de baixo valor nutritivo, têm conduzido a população às más condições de saúde e nutrição. A luta passa por outro sistema alimentar mundial que revise o modelo de produção, distribuição e consumo de alimentar, que deve ser fortemente baseado na agricultura camponesa, variada e diversificada que permita uma transição para modelos agroecológicos de convivência com o meio ambiente.
Nesse cenário, o Estado tem ficado refém da sua política macroeconômica e, por conseguinte ao empresariado do setor supermercadista e do agronegócio. Embora existam ótimas conquistas dos movimentos sociais neste campo, os maiores investimentos do Estado ainda pendem para o agronegócio.
Qual é o papel da Conferência de Segurança Alimentar? O que deve fazer a sociedade civil organizada na Conferência?
A conferência nacional é precedida por conferências estaduais, e estas por regionais e municipais. É espaço fundamental onde governo e sociedade civil podem debater a situação no município e estado, mas com olhar nacional e internacional do problema alimentar, fazer um bom diagnóstico com deliberações de proposições que possam nortear ações nacionais e ações estaduais.
Portanto, é um espaço para discutir e deliberar propostas que irão para as próximas conferências, mas também para se dedicar àquelas que deverão ser levadas ao governo do estado e aos municípios mineiros. Estamos debatendo sistema, produção de alimentos e, sobretudo, o consumo de alimentos. O que estamos comendo é alimento? Queremos comida de verdade e pra isso é necessário rever o modelo de produção e de consumo no país.