“Não temos terra nem para enterrar nossos familiares mortos pelos fazendeiros”, diz liderança indígena

Uma comitiva se reuniu com representantes de mais de 20 aldeias indígenas para verificar a real situação dos 45 mil Guarani-Kaiowá que vivem no MS.

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Por Fabrício Carbonel
Do Cimi

Não há como contar a história do Brasil sem dedicar vários capítulos aos povos indígenas do nosso país. Entretanto, a narrativa construída, ao longo dos séculos, não permitiu que os indígenas fossem os autores da sua própria biografia, elaborada, justamente, por aqueles que os enxergam como comunidades pouco civilizadas e, mais recentemente, como obstáculos à ganância infinita do agronegócio.

Para verificar a real situação dos 45 mil Guarani-Kaiowá, que vivem no Mato Grosso do Sul, uma comitiva formada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Funai e do Conselho Indigenista Missionário se reuniu com representantes de mais de 20 aldeias indígenas. Às autoridades, foram relatados os casos de indígenas assassinados por jagunços na região, ameaças de morte a lideranças, omissão das autoridades policiais civis e militares e do Poder Judiciário, e foram feitas reivindicações pela demarcação das terras e melhores condições para saúde, educação e segurança.

Nos últimos 11 anos, mais da metade de assassinatos de indígenas no Brasil ocorreram no Mato Grosso do Sul. Diante do quadro de violência, as lideranças clamam por justiça.  “Meu povo já tá cansado de esperar. Por que o assassino da nossa liderança não está na cadeia? questionou o cacique da Aldeia Potrero Guassu. Sobre a demarcação ele pediu o cumprimento da Constituição. “O homem branco fez a Constituição e não cumpre o que está escrito nela. Não fomos nós que escrevemos a Constituição”, cobrou.   

Os pontos mais críticos de violência são nas áreas de retomada, locais que, originalmente, pertenciam aos indígenas, e de onde eles foram expulsos pelo governo brasileiro entre a década de 1940 e a década de 1970. Enquanto aguardam a demarcação de suas terras, os indígenas convivem com a violência e as intimidações dos fazendeiros da região. Em todo estado Mato Grosso do Sul existem 33 áreas de retomada.

Segundo os indígenas, a demarcação das terras seria a solução para o fim da violência e para que as comunidades pudessem viver em paz. Mas, os processos de demarcação são demorados, como no caso da TI Taquara, que desde a década de 1990 tenta retomar os 9.700 hectares que possuíam quando foram expulsos pelo antigo órgão do Governo Federal, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), durante os anos de 1950. O conflito pela retomada acabou com a morte do cacique Guarani-Kaiowá Marco Veron, em 2003. O crime teve como mandante um fazendeiro.

Situação semelhante ocorre na Aldeia Guyraroká, que espera pela demarcação há mais de 16 anos. Cacique Guyraroká, Papito Vilhalba conta que, além da violência, há também problemas no atendimento da saúde da comunidade. “Tudo foi devastado pelos fazendeiros, os rios estão contaminados pelo veneno, prejudicando nossa caça e alimentação. Pra piorar, nossa Aldeia só recebe a visita de um médico a cada 30 dias”, lamenta.

Diante das condições verificadas, o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) afirmou que todos os assuntos que foram tratados nas reuniões terão desdobramentos em Brasília. “Não há escolas nas aldeias, e onde há os alunos estudam no escuro. Na saúde, temos a mesma situação de precariedade. Existem mais de R$ 1 bilhão em recursos por meio de convênio para garantir a saúde dos indígenas, e aonde nós chegamos, não tem saúde”, observou Pimenta.

O parlamentar afirmou que irá buscar com o Governo Federal ações que possam melhorar a infraestrutura dos Guarani-Kaiowá. “Nós vamos cobrar respostas do Governo. Vamos no Ministério da Educação saber por que não há escolas nas aldeias, vamos procurar o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça, o Supremo Tribunal Federal. Alguém tem que explicar o que está acontecendo”, comentou em tom de indignação o Presidente da CDHM.

Carta à Comissão

Durante a missão no Mato Grosso do Sul, foi apresentada a Carta dos Conselheiros da Aty Guasu ao Presidente da CDHM, deputado Paulo Pimenta. No texto, eles detalham a falta de infraestrutura e as condições precárias em que vivem, e fazem um apelo ao Governo pelo cumprimento da demarcação.

Eis alguns trechos da Carta

“Desde a invasão de nossos territórios, em 1500 temos enfrentado um desmonte permanente e continuo de nossos territórios tradicionais. No mato Grosso do Sul, para que o latifúndio pudesse prosperar, nos jogaram em Reservas apertadas, em reformatórios e campos de concentração indígena quando não mataram e destruíram povos e aldeias inteiras”.

“Com isso temos vivido aqui no Mato Grosso do Sul, um cerco permanente de violência. Nós lideranças somos caçados dia e noite e para lutar pelos nossos direitos temos, mesmo que nos mantendo vivos, desistir de nossas vidas. Não podemos ter acesso às cidades, ter tranquilidade, nem pensar em futuro com nossos filhos e família. O numero de Guarani e Kaiowá mortos pelos fazendeiros ou pelo Estado permite comparações com tempos de guerra”.

“Se o Governo cumprir a Constituição e demarcar nossos territórios tradicionais, resolverá a situação de massacre que estamos sofrendo, caso contrário só restará ao nosso povo a luta direta através de nossas retomadas e não recuaremos na luta pela nossa vida, mesmo sabendo que isso significa a morte de milhares de nosso povo”.