Crise na educação transforma salas de aulas em “escolas de latão”
Por Vanessa Ramos
Da Página do MST
O que é, o que é? Tem as paredes construídas em aço, alumínio ou fibra, pesa cerca de 12 mil quilos, tem aproximadamente 3 metros de altura, 12 de comprimento e 3,30 de largura e pode ser encontrado em diversas cores? Não descobriu? Trata-se de uma sala de aula. É isso mesmo. Pode parecer estranho, mas a alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estão tendo aulas dentro de um container.
Em janeiro de 2012, o professor Rodrigo Lamosa ministrava aulas dentro de uma dessas estruturas improvisadas, no Campus Praia Vermelha da UFRJ, na Urca. “Eu dei dois anos de aula na UFRJ dentro de container, escola de latão para formandos em História. E está lá pra quem quiser ver”, relembrou.
Lamosa disse que se sentia muito constrangido em ter que dar aulas dentro de “latas de sardinha”, como ele mesmo descreve. “Eu fui socializar isso com outros professores e eles disseram que era melhor dar aulas em containeres, com ar-condicionado, do que nas salas dos prédios [da universidade]” e finalizou: “Que situação chegamos!”
Este foi o tom dos debates que seguiram durante o Encontro Estadual de Educadores da Reforma Agrária do Estado do RJ (Enera), entre 12 e 14 de junho, realizado pelo MST em Campos dos Goytacazes, região norte do estado, que buscou discutir a educação em seus mais variados aspectos. Cerca de 100 pessoas participaram do evento.
O Enera reuniu pesquisadores, profissionais e estudantes de várias regiões do estado. Representantes de diversas organizações e institutos estiveram presentes, como UFRRJ, Fiocruz, UFRJ, Faetec, UFF, Universidade de Brasília (UnB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Programa de Educação Continuada (CPE).
Em meio ao debate caloroso sobre educação, Lamosa contou que a UFRJ encontra-se totalmente sem recursos e os prédios que compõem o Campus Universitário da Urca, por exemplo, possui muito problemas, inclusive goteiras no teto das salas de aula.
“Para sanar os problemas, a UFRJ colocou containeres onde funcionam tanto prédios de administração, quanto prédios de aula. Existem containeres de dois andares onde são realizadas as aulas”, completou.
Isso, porém, é apenas uma das pontas do iceberg da educação brasileira. Para compor um salário que garanta a subsistência, professores precisam trabalhar em mais de duas escolas.
Segundo Ivanete Conceição, do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), essa jornada de trabalho tira a oportunidade do professor de se especializar e de continuar os estudos. “O projeto da rede estadual é este: ter redução extrema do número de escolas e profissionais desqualificados”, afirma.
Ivanete também critica a prática de ensino como professor polivalente. Em outras palavras isso significa um professor que ministra várias disciplinas. Pode ser um professor de história, por exemplo, dando aula de matemática.
Na opinião dela, esse profissional trabalha, basicamente, com apostilas. “Isso tira toda a autonomia do professor, uma vez que impõe uma ação pedagógica da qual ele não tem domínio do conteúdo”, disse.
Outros temas também foram debatidos durante o evento, como o programa do governo federal Pátria Educadora; Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni); Sistema de Seleção Unificada (Sisu); Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); Currículo mínimo.
Na opinião de Ivanete, a retirada da autonomia do professor causa um adoecimento profundo nos profissionais. Segundo ela, o maior número de baixa de professores é causada por doenças psicológicas. “Os profissionais de educação estão doentes. Os que resistem são perseguidos e criminalizados. Este é o quadro que temos na educação brasileira”, concluiu.
Perseguição
Na manhã do dia 28 de maio deste ano, Cláudia Barreto, que atuava como diretor da Escola Municipal Claudia Almeida Pinto Oliveira, localizada numa área pesqueira de Campos dos Goytacazes, recebeu uma ligação em que informada de que havia sido exonerada do cargo. “Eu não sei porquê. Eles só disseram isso”, conta.
Amigas de trabalho de Cláudia desconfiam de que a causa do ocorrida seja o apoio dado aos profissionais que participaram de uma greve do setor. “Assumi o cargo por meio de um processo de eleição, que vencia em 2016. Mesmo assim, o edital não foi respeitado”, relata.
Após um abaixo-assinado puxado pelos alunos da escola para que Cláudia voltasse a assumir o cargo, ela acabou sendo readmitida.
Enera
A história do Enera começa no ano de 1997, em Brasília, e contou com a participação de profissionais de educação, convidados de universidades e outras instituições educacionais.
Ao longo do mês de junho e julho, estão sendo realizados diversos encontros estaduais entre os educadores da Reforma Agrária que desembocará no 2° ENERA, um encontro nacional que acontecerá entre os dias 21 a 25 de setembro, em Brasília.
Para Luana Carvalho, do setor de educação do MST, o evento no Rio de Janeiro foi importante para que os educadores se enxergassem enquanto educadores. “As discussões foram muito ricas e nos faz refletir sobre a consolidação de um coletivo de educadores no estado”, disse.
Luana ainda diz que o número de participantes não foi o esperado, mas, que este é um trabalho que exige paciência. “De fato é um trabalho de &”39;formiguinha&”39;. Mas, nos próximos anos, vamos continuar realizando o Enera”, afirmou.