Há 61 anos, Reforma Agrária foi motivo de golpe na Guatemala
Por Iris Pacheco e Rafael Soriano
Da Página do MST
O dia 27 de junho é uma data marcante para todo continente latino-americano. Esta data marca a queda do presidente eleito da Guatemala, Jacobo Arbénz, em 1954 sob golpe desferido desde o Departamento de Estado Norte-Americano.
Após forte campanha de propaganda, guerra econômica e, finalmente, movimentação militar, com uso da força aérea estadunidense e incitação à guerrilha mercenária, o governo que conduzia uma das mais intensas experiências de Reforma Agrária na América foi eliminado por Washington.
Nas palavras proferidas pelo próprio Arbénz em seu ato de renúncia: “têm divulgado que é um combate ao comunismo. A verdade é bem outra: temos que buscá-la nos interesses financeiros da companhia frutífera e dos outros monopólios norte-americanos, que têm investido grandes capitais na América Latina e temem que o exemplo da Guatemala se espalhe aos países irmãos americanos”.
“Nós temos indignado ante os ataques dos aviadores mercenários norte-americanos, que, sabendo que a Guatemala não conta com uma força aérea adequada para enfrentá-los, tem tratado de espalhar o pânico em todo o país, bombardeando as forças armadas que combatem no oriente da república, impedindo suas operações”, declarou o presidente deposto expondo o terrorismo de Estado a que o povo guatemalteco foi vítima.
Do exílio na Cidade do México, Arbénz testemunhou a derrocada de uma revolução que começara em 1944, da qual foi um dos protagonistas, junto com o então eleito Juan José Arévalo. Este levante popular se iniciou no intuito de derrubar a ditadura do General Ubico e teve um caráter prioritariamente urbano, com manifestações de estudantes, operários e professores, sempre duramente reprimidas.
O cenário se altera em favor da revolução com a movimentação dos militares nacionalistas, entre eles Arbénz, que mais tarde em 1950 seria eleito presidente. O discurso nacionalista colocava em questão os monopólios praticados pelo capital norte-americano nos setores de transporte ferroviário e de energia elétrica, mas ameaçava frontalmente o monopólio da United Fruit Company, detentora de uma parte considerável das terras da Guatemala.
Com a ascensão do professor Juan José Arévalo e, a seguir, com a continuidade da revolução democrática, na eleição de Jacobo Arbénz, diversas medidas começaram a favorecer o povo guatemalteco: a criação de um Banco Central, submetendo a suas regras os organismos financeiros privados presentes no país; o surgimento da previdência pública; a construção de estradas e, entre as medidas mais destacadas desta “Primavera Guatemalteca”, a Reforma Agrária executada pelo governo Arbénz.
Segundo o próprio Arbénz, a Reforma Agrária, regulamentada pelo Decreto 900 de 1952, tinha um caráter de ampliar o número de proprietários, um caráter capitalista, com visão estratégica de possibilitar o surgimento da indústria naquele país e fundar uma economia sólida e independente.
“ARTIGO 1º. A Reforma Agrária da Revolução de outubro tem por objetivo liquidar a propriedade feudal no campo e as relações de produção que a originam para desenvolver a forma de exploração e métodos capitalistas de produção na agricultura e preparar o caminho para a industrialização da Guatemala”, segundo o caput do Decreto.
Neste momento, a revolução ganha um novo caráter e a distribuição de milhões de hectares de terra aos camponeses pobres criava um novo momento, de apoio popular no campo e na cidade. Este cenário incomodou as oligarquias locais e também o Gabinete de Washington, que se posiciona então como fiel defensor do capital vinculado à United Fruit, empresa mais atingida no processo de expropriação e redistribuição de terras.
Diversas foram as ações tomadas por Washington na direção do golpe de Estado: a elaboração de violenta propaganda descaracterizando os avanços da revolução e associando o governo de Arbénz a uma suposta “ameaça comunista internacional”; guerra econômico-financeira; ações negativas de isolamento diplomático frente a Organização dos Estados Americanos (OEA) e, finalmente, a invasão militar em 18 de junho de 1954.
Entre 18 e 27 de junho, o país se viu devastado por bombardeios da força aérea norte americana e pelo pânico espalhado por mercenários nas comunidades favoráveis ao governo revolucionário, imolando e fuzilando anciãos e crianças. Finalmente, após traição dentro de seu próprio comando militar, Arbénz foi deposto e exilado em 27 de junho de 1954.
“Talvez o maior erro que cometi foi a confiança total que tinha no exército da Guatemala e ter transmitido esta confiança ao povo e às organizações populares. Mas nunca imaginei que, diante de um caso de agressão estrangeira, em que estava em jogo a liberdade de nossa pátria, sua honra e sua independência, o exército poderia nos trair”, proferiu o presidente deposto em 1955, do seu exílio no México.
A memória de passagens fatídicas como esta trazem à reflexão todos os países da América Latina, em nome da soberania e autodeterminação dos povos frente aos recorrentes casos de ingerência estadunidense que marcam a História deste continente. O alerta se mantém vivo, nos exemplos da Guatemala (operação PB-SUCCESS), do Brasil (operação Condor) e de diversas outras ações orquestradas pela CIA na América Latina.