“Jamais percam sua fé revolucionária”, diz Papa Francisco aos movimentos populares
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Saudado por centenas de militantes de movimentos sociais de 40 países, o Papa Francisco encerrou nesta quinta-feira (9) o 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia.
O pontífice esteve reunido na Feira Exposição de Santa Cruz, com o presidente Evo Morales e as delegações, por aproximadamente 3 horas, período em que falou sobre questões envolvendo o capitalismo, defesa da mãe terra e da natureza, entre outros assuntos.
Ele declarou que há necessidade de mudanças estruturais profundas na sociedade, que sejam capazes de combater o modelo capitalista, pois ainda há muitos “camponeses sem terra, famílias sem teto, trabalhadores sem direitos e pessoas feridas em sua dignidade”.
Como líder máximo dos católicos, o Papa Francisco consolidou sua identificação com as demandas dos movimentos sociais.
“Quando o capital se torna um ídolo e direciona as escolhas dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina o sistema socioeconômico, ele arruína a sociedade, condena o homem, tornando-o escravo, e destrói a fraternidade entre os povos”, disse o Papa.
Ele afirmou ainda que todos tem direito à terra, habitação e trabalho, considerando-os “direitos sagrados”, pelos quais “vale a pena lutar”.
“Precisamos e queremos uma mudança que atinja o mundo inteiro porque hoje a interdependência global exige respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença”, explicou.
O pontífice também comentou que “a comunidade científica têm produzindo danos irreversíveis ao ecossistema, castigando os povos, poluindo o solo, a água e o ar, e colocando os seres vivos em constante ameaça”. “Cuidem bem da mãe terra’, pediu.
“O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos da elite e dos poderosos. Ele está fundamentalmente nas mãos dos povos e na sua capacidade de se organizar e promover alternativas criativas na busca diária por trabalho, moradia, terra”, apontou o papa.
Ao fim do seu pronunciamento, Papa Francisco disse aos participantes que “jamais percam sua fé revolucionária”, e que eles estarão em suas orações. Também pediu para que fizessem o mesmo por ele. “Rezem por mim e, se alguém não puder rezar me mande boas vibrações,” concluiu.
Novo capítulo
Em seu discurso, o presidente Evo Morales saudou o fortalecimento do diálogo aberto com a Igreja, após um passado turbulento. “Em muitos momentos históricos, a Igreja foi utilizada para a dominação, subjugação e opressão. Recebemos o Papa com alegria e esperança em apoio à libertação de nosso povo boliviano”, declarou.
Encerrando a atividade, o Papa Francisco recebeu a Carta de Santa Cruz, elaborada pelos delegados do encontro, que foi realizado nos últimos dias 7, 8 e 9.
Avaliações
O 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares com o Papa Francisco aconteceu em 2014, em Roma, e abriu caminhos para uma aproximação histórica da Igreja Católica com as organizações sociais.
Essa relação foi fortalecida com o lançamento, em junho deste ano, da Encíclica Laudato Si, de autoria de Francisco, que atende demandas dos movimentos, faz duras críticas ao sistema capitalista e defende a terra e o meio ambiente como um bem comum, abrindo um diálogo da igreja com a sociedade.
A segunda edição do encontro, que reforçou debates em torno de terra, moradia e trabalho, esteve representada por centenas de militantes e foi avaliado com positivo aos avanços populares.
O executivo da Central de Trabalhadores de Santa Cruz de La Sierra, Rolando Borda Padilha, definiu o encontro como um momento ímpar, que valorizou a troca de experiências e debates em torno de vários assuntos pautados na sociedade.
Ele também reconheceu o empenho do presidente Evo Morales para atender as demandas do povo boliviano. “Estamos orgulhosos de ter um presidente que trouxe estabilidade democrática e está fazendo avançar os direitos dos trabalhadores. Esse processo foi intensificado com a vinda do Papa, que representa os pobres e defende interesses em favor da natureza, moradia e trabalho”, argumentou.
Segundo a dirigente nacional do MST, Silvia Reis Marquez, o encontro fortaleceu a unidade da classe trabalhadora do campo e da cidade para a conquista e manutenção de seus direitos.
“Para o MST e demais organizações foi um momento histórico, pois a declaração do Papa Francisco de que todos têm direito à terra, moradia e trabalho impulsiona nossa luta”, explicou.
Rosângela Piovezani, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), afirmou que a luta das mulheres sai fortalecida do encontro.
“O nosso espaço esteve garantido e a nossa luta está sendo respeitada e assumida no conjunto das organizações. Esse processo é muito importante, pois temos que assumir todas as particularidades para que haja o avanço social. Saímos daqui fortalecidas, com mais energia e a certeza de que estamos no caminho certo”, disse.
Para o bispo da diocese de Santillo, no México, José Paul Vera Lopez, o encontro serviu como ponto de encontro para os movimentos demonstraram a força que tem na defesa de seus direitos.
“A união dos povos pode duplicar o debate em torno do modelo econômico que está no mundo, onde o capitalismo se apodera de tudo e não representa o pensamento dos trabalhadores.”
Ele afirmou ainda que o Papa Francisco tem intensificado o diálogo com os movimentos, principalmente em defesa da mãe terra. “Temos que ampliar e diversificar essa luta e a igreja está junto com essa força conjunta”, declarou.
Rodrigo Suñe, do Levante Popular da Juventude, diz que o encontro representa um espaço de discussão coletiva para os problemas enfrentados pela juventude e outros setores da sociedade, além de fortalecer a relação que a Igreja Católica está estabelecendo com os movimentos.
“O diálogo do Papa com militantes sociais é central para superarmos a crise que vivemos nesse sistema capitalista. Esse é um posicionamento corajoso de Francisco.”
Representante dos povos indígenas, o cacique José Vergueiro afirma que os três dias de atividades foram essenciais para dar visibilidade e colocar em pauta as questões indígenas, como reivindicações nas áreas de saúde, educação, cultura, além da demarcação de terras. “Queremos que o papa continue apoiando a nossa causa e cobre dos órgãos responsáveis os nossos direitos. Precisamos dessa força e saímos otimistas neste sentido”, disse.