Direito à alimentação: Entre a crise, os venenos e a Expointer
Por Jacques Távora Affonsin*
Como a mídia brasileira está praticamente voltada para notícias sobre escândalos políticos, corrupção, crise econômica, punitivismo exigido aos gritos, injúrias trocadas entre pessoas acusadas, muita coisa importante acontecendo no mundo e no país fica em segundo plano ou pouca gente toma conhecimento.
No sítio do IHU notícias de 20 deste agosto, entretanto, sob a manchete “Da mudança climática à crise alimentar”, fica-se sabendo de novos alertas sobre os nocivos efeitos que os agrotóxicos estão provocando na terra e no meio-ambiente, em prejuízo dos alimentos e, consequentemente, da saúde e da vida humanas. Contribuindo e se somando à crise climática, parece iminente um sério colapso na produção de alimentos no mundo todo.
Como o Rio Grande do Sul vai inaugurar neste sábado, 29 de agosto, mais uma Expointer, é de todo oportuna a advertência contida nesta notícia do IHU. Trata-se do relatório de uma “Força-Tarefa sobre Eventos Climáticos Extremos e Resiliência do Sistema Alimentar Global”, composta por cientistas dos Estados Unidos e do Reino Unido, informando estarmos sob o risco de “uma escassez mundial de alimentos” e uma “futura elevação potencialmente dramática dos preços agrícolas.”
O número de 7,3 bilhões de pessoas vivendo hoje no mundo vai subir para 9 bilhões em 2050, o que impõe um crescimento da produção de alimentos “em mais de 60%”: “Os pesquisadores dizem que a própria agricultura precisa mudar em resposta ao aquecimento global, à medida em que a demanda internacional já cresce mais rapidamente que as colheitas agrícolas e as mudanças globais irão pressionar ainda mais a produção.”
A “volatilidade do mercado ou picos de preços serão excepcionalmente altas até 2040, diz o documento.” “Nesse cenário, as quebras no mercado provocadas pelo clima poderiam levar a perturbações sociais” A produção de milho, soja, trigo e arroz, os alimentos mais consumidos no mundo e preferentemente na América do Sul, receberia o maior impacto dessa mudança.
Sobre o progressivo e alarmante desaparecimento das abelhas, como efeito nocivo, acrescentado a isso, a notícia fornece novos números. A FAO afirma que “das 100 espécies de lavouras que abastecem 90% dos alimentos em todo o mundo, 71% são polinizados por abelhas”. “Uma em cada três garfadas que comemos é de alimentos produzidos graças à contribuição de insetos polinizadores” denuncia Tiffany Finck-Haynes, uma ativista da Friends of the Earth, uma rede de organizações ambientais global com base nos EUA, cuja entrevista sobre o tema está publicada na mesma notícia.
Ela afirma estarem as abelhas em extinção por força de “pragas, doenças, perda de forragem e de habitat; as mudanças climáticas foram identificadas como possíveis fatores que contribuem para as insustentáveis perdas de abelhas. Um grupo cada vez maior de cientistas responsabiliza os pesticidas neonicotinoides – um dos tipos mais utilizados no mundo, fabricado pela Bayer e Syngenta – como um fator-chave.”
Certamente em decorrência dessa realidade, as mulheres trabalhadoras da via campesina organizaram um ato público na Assembleia legislativa do Rio Grande do Sul, em parceria com o deputado Edegar Pretto, “em defesa de alimentos saudáveis e da vida”. Ele é autor de um projeto de lei 44/2015 que obriga a rotulagem das embalagens de alimentos produzidos com agrotoxicos, bem ao contrário de outro atualmente tramitando na Câmara dos Deputados por iniciativa de um dos seus integrantes, o deputado gaúcho Luis Carlos Heinze.
Com mais de oitocentas mulheres agricultoras presentes no auditório do Poder Legislativo estadual, deram elas ciência de terem protocolado junto ao Ministério Público do Estado denúncias contrárias ao uso abusivo de agrotóxicos, analisando algumas estatísticas já estudadas em outros encontros promovidos por ONGs de defesa do meio ambiente, cujos números são realmente muito preocupantes. O de a Anvisa ter calculado, por exemplo, em 64% a quantidade dos alimentos contaminados que nós consumimos; um outro, de cada brasileira/o ingerir 7,3% de litros de agrotóxico por ano dão uma idéia da extensão do problema e do quanto é estranha e surpreendente a lerdeza e a fragilidade das providências públicas e privadas tendentes a enfrenta-lo e vencê-lo.
Mesmo assim, alguns exemplos de produção de alimentos pela agricultura familiar ou camponesa, como está sendo feita atualmente em alguns assentamentos conquistados pela reforma agrária, comprova a possibilidade de se caminhar noutra direção.
O boletim do deputado Edegar revela que, em março deste 2015, durante visita da presidenta Dilma a um desses assentamentos, situado em Eldorado do Sul, para a “12ª abertura da colheita do arroz ecológico”, uma tradição que está se firmando entre assentadas/os no sentido de valorizar uma agricultura livre de agrotóxicos, produtora de alimentos saudáveis, ela soube o seguinte: “O arroz orgânico produzido nos assentamentos de reforma agrária é industrializado e está na mesa de escolas do Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasilia, distribuídos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que compra mais de 70% da produção. A estimativa de produção por safra no RS é de 443 mil sacas de arroz orgânico, isso equivale a mais de 22 mil toneladas de grãos, com envolvimento de 453 famílias assentadas em 14 assentamentos no Estado. Ao todo são cultivados 5.526 hectares.”
Aí parece existir um sinal certo de não ser impossível produzir-se alimento farto, saudável, capaz de gerar emprego e renda, sem envenenar a terra, quem nela trabalha e quem consome seus frutos. Ao contrário do propalado pela maioria dos seus adversários, a reforma agrária dá certo, quando bem conduzida e administrada por quem deveu a ela o seu direito de acesso a terra. Ao lado da exposição de animais, gastronomia, espetáculos de arte ao ar livre, máquinas agrícolas, artesanato, oportunidades de negócios e shows oferecidos às/aos visitantes, espera-se que a Expointer de Esteio mostre isso também.
*Jacques Távora Affonsin é procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.