Escolas do MST viram alvo da Seduc, que tenta desconstruir conquistas dos Sem Terra
Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST
Nas últimas semanas, a Secretaria estadual de Educação (Seduc) do estado de Mato Grosso está direcionando uma série de ataques às escolas das áreas de assentamentos do estado.
O secretário da pasta, Permínio Pinto (PSDB), pediu que o Ministério Público Estadual (MPE) tomasse providências para evitar que as escolas da rede pública ligadas ao MST adotassem a “orientação ideológica” do Movimento.
Em entrevista ao Rdnews, Pinto alegou que “o ensino é público e o sistema da Seduc tem que ser obedecido. As bandeiras de movimentos não voltados ao ensino têm que ser banidas. As escolas não podem ter viés ideológico”, declarou.
Entretanto, muitos setores da sociedade contestaram o próprio direcionamento ideológico do secretário ao tomar tal atitude.
O professor doutor na área de Ciências Humanas: Filosofia da Educação da PUC/SP, Dermeval Saviani, defende a ideia de que “não existe conhecimento desinteressado, o que indica que ciência e ideologia não se excluem, mas se relacionam dialeticamente”.
Neste sentido, para o professor, o que estaria em jogo seriam duas perspectivas quanto a concepção e a intencionalidade da educação, e independente do viés, o caráter ideológico sempre está presente.
De um lado, os interesses que o secretário Pinto representaria, que “se opõem ao conhecimento objetivo da realidade”, buscando “falsear a realidade para preservar seus interesses”, nas palavras do professor.
No caso, os setores representados pelo secretário não teriam, por exemplo, “interesse algum em desvendar as condições de exploração em que se apoia; já os trabalhadores, que sofrem a exploração, têm todo interesse em desvendar os mecanismos dessa situação, que é objetiva”.
Lucinéia Freitas, da direção estadual do MST, discorre no mesmo sentido que Saviani. “Ao fazer o ataque, o secretário também demonstra sua posição ideológica, ao questionar nossos métodos e defender a ofensiva do agronegócio nas escolas do campo, com cartilhas mostrando as crianças como utilizar os venenos agrícolas”, critica.
Lucinéia faz referência a penetração do agronegócio nas escolas do campo pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), que em parceria com Secretarias Municipais de Educação, distribuem cartilhas, como a “Cartilha do Professor” e “Agronegócio – Sua vida depende dele”, uma cartilha na forma de revista em quadrinhos para os alunos. “Isso não é assédio ideológico?”, questiona.
Os nomes das escolas nas áreas de Reforma Agrária, como Ernesto Che Guevara e Florestan Fernandes, também são apontados pelo secretário como exemplos de uma ideologização destes espaços.
“Esse debate explicita que há sim um caráter classista por trás de todas as posições. Por que o secretaria não questiona, por exemplo, outras escolas que levam nomes de ditadores, como uma chamada Presidente Médici na capital do estado?”, indaga Lucinéia.
Neste sentido, Saviani observa que o fato de quererem que os Sem Terra deixem “de adotar sua orientação ideológica nas escolas do campo” é almejar que eles não sejam eles mesmos, e impor uma consonância com interesses contrários aos seus, “vale dizer, contra o conhecimento das condições objetivas que pesam sobre os trabalhadores. É a posição da Seduc que é ideológica no segundo sentido, enquanto falseamento ou ocultação da realidade”, defende Saviani.
Ofensiva sobre a educação
Para Lucinéia, o ataque à educação no estado não se restringe apenas ao MST, mas ao sistema educacional como um todo.
Para ela, essa realidade se explicita desde o não reajuste salarial dos professores acordado por lei em 2013, cortes no orçamento do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), até as diversas reclamações de professores de que a Seduc estaria questionando conteúdos e métodos trabalhados pelos professores.
“Isso faz parte de uma política do PSDB, que tenta desconstruir o trabalho dos movimentos populares”, acredita.
Outra explicação seria uma resposta por parte dos setores conservadores em relação à retomada da luta dos Sem Terra no estado, com o aumento de novas mobilizações e ocupações de terra nos últimos meses.
“Assédios ideológicos”
Em paralelo a estes acontecimentos, diversos Projetos de Lei apresentados nos âmbitos municipais, estaduais e federal tentam limitar o que chamam de “abuso da liberdade de ensinar” nas escolas.
Um deles é o PL 1.411/2015, do deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), que prevê pena de cerca de três meses a um ano, e multa ao professor que “assediar ideologicamente” os estudantes.
Para Saviani, estas iniciativas tentam impor “a censura às atividades do professor, restringindo a ‘liberdade de expressão do pensamento’, a ‘liberdade de ensino’ e a ‘liberdade de cátedra’, proclamadas pela própria ideologia liberal”.
O professor acredita que o enunciado ‘assediar ideologicamente’ é impreciso e ambíguo podendo dar margem a atitudes arbitrárias. Na sua avaliação, essas proposições são dirigidas apenas aos setores situados à esquerda no espectro político.
“No entanto, como explicitei anteriormente, esses setores não têm necessidade de assediar ou de fazer aliciamento. Como temos constatado, o aliciamento, o ‘assédio ideológico’ ou a chamada ‘lavagem cerebral’ tem sido apanágio das forças de extrema direita identificadas com o fascismo ou nazismo”, coloca.
Para ele, portanto, esses projetos são uma “excrescência”, e deveriam “ser retirados de pauta não merecendo sequer ser discutido no parlamento”.