“Cortar ministérios é tirar da agenda do governo a maioria do povo brasileiro”, afirma dirigente do MST
Por Luiz Felipe Albuquerque
Do Brasil de Fato
A reforma administrativa anunciada pelo governo federal vem preocupando os movimentos populares. A queda de braço entre setores do PMDB deixam encurralado o governo do PT, que pode não eliminar os dez ministérios, como havia anunciado, na tentativa contemplar todos os aliados.
O anúncio, prometido para esta semana, pode apontar qual será a linha assumida pelo Planalto, e indicar que ele irá ceder às “pressões das forças neoliberais” e que os “ministérios que atuam nas áreas sociais serão os sacrificados”.
Para o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alexandre Conceição, por exemplo, “acabar com o Ministério de Desenvolvimento Agrário é enterrar a reforma agrária e a agricultura familiar”.
O indicativo de mudança no Ministério da Saúde também é criticado por Conceição. “Caso este ministério vá para as mãos do PMDB, o governo Dilma pode estar decretando o fim do Mais Médicos e a privatização dos SUS”, afirma.
O coordenador diz ainda que o MST está apostando na construção da Frente Brasil Popular, para a construção de um novo projeto para o país. “Não aceitamos esse ajuste fiscal, que joga a crise sobre os ombros dos trabalhadores, e não aceitamos o golpismo daqueles que não admitem a derrota nas urnas”, finaliza.
Confira a entrevista
Uma das propostas do governo federal para sair da crise política e econômica é a diminuição de Ministérios. Como você avalia essa proposta?
O governo está cedendo às pressões das forças neoliberais, que se aproveitam da crise política e econômica para impor seu programa econômico, que é de corte de gastos para blindar o superávit primário.
Na semana passada, o governo apresentou um pacote de corte de R$ 26 bilhões, que joga a conta da crise no funcionalismo público e nos investimentos em saúde e habitação popular. Nos próximos dias, deve ser anunciada a reforma administrativa, com corte de dez ministérios. As informações divulgadas na imprensa apontam que ministérios que atuam nas áreas sociais serão os sacrificados.
Os ministérios que tratam da questão das mulheres e dos negros devem ser extintos, o que representa um retrocesso, porque a criação dessas pastas durante o Governo Lula teve uma simbologia muito grande.
Cortar esses ministérios representa tirar da agenda do governo a maioria do povo brasileiro. O pior é que é pura propaganda enganosa, porque cortar ministério não garante a economia de R$ 1. Se o governo quiser cortar gastos, precisa é mudar essa política econômica, diminuindo a taxa Selic do Banco Central, que desvia os recursos dos investimentos sociais para o pagamento de juros da dívida pública.
Nessa reforma administrativa, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) pode ser extinto. O que está por trás de tudo isso? Como, por que e para quem interessa tirar a força política do MDA?
No Brasil, há uma disputa por terras, crédito e tecnologia entre dois modelos agrícolas. De um lado, o modelo do agronegócio, caracterizado pelo aporte de capital financeiro nos fazendeiros capitalistas, que concentra terra, recursos e tecnologia, produz apenas commodities para o mercado externo, utiliza grandes quantidades de venenos e expulsa as famílias do meio rural.
Do outro lado, a agricultura familiar e a reforma agrária, que ocupam milhares de trabalhadores rurais para produção em pequenas e médias propriedades, que cultiva prioritariamente alimentos para o povo brasileiro e pode superar a utilização dos agrotóxicos com o desenvolvimento de uma nova matriz tecnológica, por meio da cooperação e da agroindustrialização, consolidando o modelo da agroecologia.
Essa disputa de modelos agrícolas está expressa no governo. O MDA foi criado pelo [ex-presidente Fernando Henrique Cardoso] FHC depois do Massacre de Carajás [em 1999], para atender os pobres do campo. O Ministério da Agricultura passou a servir apenas ao agronegócio. Foi o governo que fez essa divisão, que relegou um papel secundário para a agricultura familiar e a reforma agrária.
Por isso, temos muitas críticas ao MDA, que tem um orçamento pequeno, uma estrutura insuficiente e programas que atendem um contingente pequeno de camponeses. No entanto, é o único ministério preocupado com políticas para o desenvolvimento da pequena agricultura.
Por isso, acabar com o MDA é enterrar a reforma agrária e a agricultura familiar. É um recado aos povos do campo, trabalhadores rurais, pequenos agricultores, camponeses de que não há mais espaço nesse governo para a nossa proposta para a agricultura brasileira. Com isso, não teremos mais uma mediação com o governo e teremos que bater na porta da Presidência da República para resolver nossa pauta.
Outra grande ameaça no campo brasileiro é a mudança no Ministério da Saúde, no qual temos o atual ministro como um grande articulador e promotor do melhor programa de médicos já criado no Brasil, o “Mais Médicos”.
Caso este ministério vá para as mãos do PMDB, que tem seus compromissos com empresas de planos de saúde e de grandes laboratórios internacionais, que financiam suas campanhas eleitoras, o governo Dilma pode estar decretando o fim do Mais Médicos e a privatização dos SUS em nome de uma governabilidade perdida.
Em sua análise qual deveria ser o papel do MDA enquanto política de desenvolvimento agrário?
Os povos do campo têm uma proposta para a agricultura brasileira, que foi apresentada à sociedade em um grande encontro que reuniu sem-terras, camponeses, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, pescadores e comunidades tradicionais. Nessa proposta, defendemos a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento, a soberania territorial, soberania alimentar, agroecologia, agricultura familiar e camponesa, educação do campo.
Para implementar a nossa proposta, o governo precisa assumir que as soberanias alimentar, territorial e energética são prioridades para o desenvolvimento social, e utilizar todos os seus instrumentos para mudar o modelo agrícola. Além de fazer uma reforma administrativa para alinhar a política fundiária, agrícola, de assistência técnica, de compra de alimentos, de crédito para a produção, de investimentos em agroindustrialização.
A partir disso, defendemos a ampliação e fortalecimento do MDA, inclusive assumindo a responsabilidade e controle de estruturas do Ministério da Agricultura, como os instrumentos de política de preços, a Anater [Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural], a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] e as centrais de abastecimento e armazéns, colocando a organização da produção, comercialização, tecnologia, ciência, a serviço desse novo modelo agrícola.
Em contrapartida o governo está para apresentar o programa nacional de reforma agrária. Como você avalia esse programa?
O programa atende a nossa pauta, que é assentar as 120 mil famílias acampadas no país. No entanto, esse ajuste fiscal ameaça o aporte de recursos para a implementação do programa. Se o governo não garantir o orçamento, mais um programa vai para a gaveta, enquanto milhares de famílias permanecem na beira de estradas. Outro problema é de estrutura, porque até agora foram indicados apenas cinco superintendentes do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que ficarão em compasso de espera até a definição do governo.
Além disso, nos preocupa de decisão do governo de voltar atrás em relação à Instrução Normativa 83, do Incra, com novas diretrizes para as ações de obtenção de terras para assentamentos. Mais uma vez, o governo desautoriza o Incra e o MDA para atender a pressão dos ruralistas.
Por outro lado, o MST permanece massificando a luta pela terra, porém, diante desse cenário político atual, isso não significa necessariamente o fortalecimento da reforma agrária. O que explica isso?
As políticas do governo dão prioridade para o agronegócio, o que aumenta as contradições no campo, porque aumenta a desigualdade e a pobreza. Estamos fazendo o nosso papel que é organizar os trabalhadores pobres para fazer a luta pela reforma agrária.
Com a crise econômica e crescimento do desemprego, a demanda por terra aumenta e massifica os nossos acampamentos. Estamos organizando mais uma jornada de lutas em outubro e novembro para cobrar do governo o assentamento das famílias acampadas e as políticas de desenvolvimento dos assentamentos. Avançamos também na organização dos assentamentos, para desenvolver a produção, gerar renda para as famílias e produzir alimentos de qualidade e saudáveis para o povo brasileiro.
Como consideraria o próximo período de articulação do MST? Quais desafios estão impostos para a classe trabalhadora rural?
As forças neoliberais fazem uma ofensiva para impor o seu programa econômico em todo o mundo, em busca de uma solução para resolver seus problemas com a crise do capitalismo. No Brasil, o grande capital financeiro internacional pressiona para que o governo aplique o programa que foi derrotado nas urnas em outubro de 2014.
Por isso, cobram o aprofundamento do ajuste fiscal, com cortes em áreas sociais, retirada de direitos dos trabalhadores, entrega dos nossos recursos naturais, como o petróleo e os minérios, e a privatização de empresas públicas.
Ao mesmo tempo, os setores conservadores aproveitam a crise para fragilizar o governo, inclusive com aspirações golpistas. Diante disso, o governo tem cedido às pressões e está cada vez mais fraco.
Nesse quadro, estamos articulando a construção da Frente Brasil Popular, que reúne os setores populares, democráticos, nacionalistas para resistir. No começo de outubro, reunimos 1500 militantes de todo o país em Belo Horizonte e lançamos a Frente, em torno da defesa da democracia e pela mudança da política econômica.
Não aceitamos esse ajuste fiscal, que joga a crise sobre os ombros dos trabalhadores, e não aceitamos o golpismo daqueles que não admitem a derrota nas urnas. Acreditamos que essa crise que vivemos não será resolvida no curto prazo e precisamos nos preparar e nos reorganizar com uma perspectiva estratégica, tendo como perspectiva a realização das grandes reformas estruturais.
Estamos atuando em todo o país para construir a Frente, avançar no debate programático e articular as lutas para colocar em disputa na sociedade o projeto histórico da classe trabalhadora.