“As 80 pessoas mais ricas do mundo têm mais dinheiro do que 3,5 bilhões de pessoas”, diz pesquisadora
Por Luiz Felipe Albuquerque
Do Brasil de Fato
Nos últimos anos, notícias diárias retratam a grave crise econômica pela qual passa todo o mundo. Ao mesmo tempo, nos chegam notícias sobre recordes de lucratividade de alguns setores. O que explicaria algo que a princípio parece ser contraditório?
Para a pesquisadora Silvia Ribeiro, do Grupo ETC, não há nada paradoxal nesse processo. Ribeiro traz um cenário assustador ao demonstrar que nos últimos dez anos, apenas 1% da sociedade abocanharam 95% da riqueza gerada em todo o mundo.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Silvia Ribeiro explica quem são estes 1%, e afirma que estes mesmos setores são os principais responsáveis por uma das mais graves crises mundial: a mudança climática. O campeão dessa crise climática? Toda a cadeia produtiva do agronegócio.
Confira:
Muitos falam que estamos vivendo uma enorme crise econômica mundial, mas ao mesmo tempo vemos lucros cada vez maiores de determinadas empresas. O que explicaria esse paradoxo?
Temos muitas crises. A crise econômica de 2008, a crise ambiental, social e climática. Em relação à crise financeira, alguns grandes grupos econômicos perderam e instituições desaparecem, mas outras se fizeram mais fortes e poderosas comprando estas e outras empresas.
O resgate bancário que se faz com a crise favorece enormemente os bancos muito poderosos, que recebem cifras bilionárias de dinheiro público. Vivemos na maior desigualdade que se conhece na história.
1% da população mais rica do mundo tem 50% da riqueza mundial. Por outro lado, e mais impactante, é que as 80 pessoas mais ricas do planeta tem a mesma quantidade de dinheiro que as 3,5 bilhões de pessoas mais pobres, ou seja, a metade do mundo. 80% de toda humanidade só tem 5,5% da riqueza.
A crise foi manejada pelos Estados para salvar os ricos. Além de dar dinheiro, as empresas tem tudo a seu favor para manipular e capitar novas formas de lucro que são geradas depois da crise.
Ao contrário do que as pessoas pensam, a riqueza mundial cresceu 68% nos últimos 10 anos, mas 95% da riqueza gerada foram apropriadas por apenas 1% da sociedade. O resto da população ficou mais pobre, com trabalho mais precarizado e desempregados. As “pessoas comuns” vivem a crise, mas paradoxalmente a crise foi uma oportunidade para os mais ricos se apropriarem de mais dinheiro e de mais recursos, eliminando concorrências.
E quem são estes 1% mais ricos?
Dados da Revista Fortune mostram que das 100 maiores economias do planeta, 40 são empresas e 60 são países. Ou seja, 40 empresas tem mais dinheiro do que a maioria dos países.
Quando vemos quais são as maiores empresas do mundo, percebemos que a maioria são empresas de energia, sobretudo as petroleiras, de transporte e algumas exceções, como poucas empresas de tecnologia e alguns bancos.
As 12 principais empresas coincidem exatamente com os dados que tem provocado o maior desequilíbrio ambiental global, que é a mudança climática. Trata-se do sistema agroalimentar industrial, da geração e extração de energia e transporte. Esses três setores são os principais causadores da mudança climática.
Porém, das 12 principais empresas, a maior de todas é o supermercado Walmart. Isso nunca havia acontecido. É a primeira vez que o Walmart está em primeiro lugar. É uma empresa de serviços e o maior empregador privado do mundo. E isso tem uma série de significados.
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E quais seriam?
O capitalismo tende a concentrar, e um dos setores que mais tiveram concentração foram as empresas agroalimentar. Desapareceram as empresas de sementes, de processamento, e hoje em dia temos 20 empresas que controlam a maior parte do mercado de alimentos, desde a produção de sementes aos supermercados.
Desde 2009, o maior mercado do mundo é o agroalimentar industrial, passando o mercado de energia, que foi o maior durante todo o século 20.
Isso tem a ver com a industrialização da comida, o processo agro alimentar e a expulsão das pessoas do campo. Esse tipo de empreendimento só pode se concentrar em locais com grandes concentrações urbanas.
Além disso, o Walmart significa “Walmartização” do mercado de trabalho. O Walmart proibiu a sindicalização, e as pessoas que trabalham na empresa são sócias, e não empregadas. É uma das empresas que tem maior quantidade de demandas por motivos de discriminação trabalhista, físico, sexual, etc. Nos EUA, por exemplo, a empresa conseguiu baixar o salário de seus funcionários em quase 30%.
Porém, o Walmart tem a imagem do que se pretende o modelo capitalista de consumo, em que nada é fresco e tudo passa por um processamento, de embalagem, refrigeração, etc.
Entretanto, é muito significativo que o Walmart seja a primeira empresa do mundo, porque ele trabalha com algo de que não poderíamos abrir mão na nossa vida: a comida. Não é somente o maior mercado do mundo, mas é essencial por ser um mercado que não pode deixar de existir. Ele se apropria de um setor chave da sociedade, e está na ponta da cadeia agro alimentar.
Hoje em dia temos dois grandes paradigmas do modelo. Um é a Monsanto, e do outro lado está o Walmart. A Monsanto se apropria de todo o início da cadeia, como as sementes – e que agora está tentando comprar a Syngenta, a maior fabricante de agrotóxicos do mundo, o que daria a ela um controle quase total do início da cadeia -, e do outro está o Walmart, que é tão grande que pode colocar condições a todo o resto da cadeia.
Por ser um dos maiores setores do mundo, esse sistema agro alimentar também seria um dos maiores causadores dos problemas ambientais?
A mudança climática é um dos mais graves problemas ambientais do mundo. No último século, já aumentamos 1°C a temperatura média da terra, e a projeção é que aumente de 4°C a 5°C.
Isso é devastador do ponto de vista ambiental e dos impactos que terão sobre o ecossistema e na forma de subsistência da vida humana. Já há dezenas de milhares de migrantes climáticos no mundo, e a Organização Mundial da Migração já disse que a mudança climática será um dos fatores que fará crescer muito o número de migrantes.
A Terra levou bilhões de anos para equilibrar o clima para que existisse vida. Mas nosso sistema econômico e político desequilibrou o clima em apenas 100 anos, a um ponto difícil de controlar. E isso tem a ver, sobretudo, com a emissão de gases de efeito estufa.
Essas emissões são o ponto 1 para entender porque o clima é um paradigma tão importante. Conhece perfeitamente as causas das mudanças climáticas. O IPCC identifica três grandes setores que são os principais: 25% é a extração e produção de energia; o segundo, com 24%, é a agricultura industrial e toda a mudança do uso do solo e o desmatamento, e 14% o transporte.
Porém, a Via Campesina e Grupo ETC, fizemos um trabalho de analisar esses dados de outra maneira. Nos perguntamos: quem usa a energia, quem usa os transportes e porque se produz o desmatamento?
Quase 85% do desmatamento é para a expansão da fronteira agrícola. Ou seja, não se trata apenas de um problema de desmatamento, mas um problema que está vinculado à expansão da fronteira agrícola.
A maioria da emissão de metano, por exemplo, tem a ver com a comida agroindustrial. Na comida dos mercados locais não há embalagens como nos convencionais, ela não vai parar no lixo, mas num composto, se recicla, etc. 75% do corte de árvores no mundo se transforma em embalagens.
Quando começa a identificar quem usa os transportes, as embalagens, quem provoca a deflorestação, vemos que o que está por trás é o sistema alimentar agroindustrial. Da Monsanto ao Walmart. Este sistema provoca entre 44% a 57% dos gases de efeito estufa.
Mas ele não é essencial à vida humana?
O sistema alimentar agroindustrial alimenta apenas 30% da população mundial, mas se utiliza de 75% a 80% das terras agrícolas do mundo, de 70 a 80% da água e dos combustíveis de uso agrícola. Além disso, todas as sementes que se utilizam neste sistema são patenteadas e pertencem a uma empresa. Não há nenhum agrotóxico no planeta que não seja de uma empresa transnacional. As dez maiores empresas tem 95% de todo mercado mundial.
Do outro lado temos um dos melhores exemplos que são as redes de alimentação camponesa, que incluem pescadores, ribeirinhos, hortas urbanas, etc. Este sistema tem apenas 25% da terra agrícola no mundo e alimenta 70% da população mundial, com apenas 30% dos recursos hídricos e 20% dos combustíveis.
Ele não apenas oferece mais alimento, mas se tivesse mais terra – por isso a reforma agrária segue sendo um problema fundamental -, apoios mínimos, poderiam produzir muito mais, já que com as condições tão desfavoráveis, num processo quase de guerra contra os camponeses, se produz tanto.
E o que estas grandes corporações tem dito frente a estas questões?
A única propostas das grandes corporações para a saída da crise climática é o que chamamos de falsas soluções. São soluções tecnológicas muito negativas, como os transgênicos e os agrotóxicos, que eles chamam de “intensificação sustentável”.
São medidas tecnológicas extremamente perigosas e completamente falsas. Um exemplo é o mercado de carbono. Dizem que diminuirão as emissões, mas seguem aumentando o tempo todo. São apenas novos fatores especulativos, que permitem com que os capitalistas privatizem até mesmo o ar.
Ainda que pareça loucura, em lugar de ir às causas do problema, as empresas estão apresentando propostas sobre a manipulação do clima. O efeito estufa, por exemplo, é uma relação entre os gases que formam uma capa e não deixa os raios solares saírem. Para isso há a proposta de se criar nuvens vulcânicas artificiais para tapar os raios de sol para que não cheguem tanto no solo; fazer cultivos transgênicos brilhantes para que reflita o sol, ou branquear as nuvens para refletir o sol.
Se estas propostas forem efetivadas, mudaria os padrões de chuva e vento e a temperatura baixaria, mas as monções na Ásia, por exemplo, perderiam sua intensidade, e mudaria todo o sistema agrícola da região, e ao mudar a precipitação, mudaria os ventos na África.
Outra proposta é como sacar os gases que estão em excesso com meios tecnológicos. A indústria petroleira está propondo em retirar o dióxido de carbono e enterrá-lo a mais de 1.500 metros de profundidade em poços de petróleo e em minas esgotadas. Esse é um dos métodos que irão propor na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21), que irá acontecer em dezembro, em Paris.
Isso serve à indústria porque já é uma técnica petroleira. Os poços de petróleo têm 20% a 25% de reservas que não pode ser retirada por estarem tão profundas. Mas com o dióxido de carbono seria possível injetar e empurrar essa reserva para que ela saísse. Apenas não a usavam porque é muito cara.
Porém, poderiam vendê-la como uma solução para o clima. Isso significa que eles estão pedindo aos governos para que paguem as instalações. Os governos não só pagariam as instalações, como as empresas retirariam mais reservas de petróleo e cobrariam créditos de carbono para enterrarem os gases.
Isso levaria a uma nova onda de concentração de terra, e mesmo que fizessem isso em todos os poços do mundo, não seria suficiente para retirar os gases da atmosfera. Além disso, o dióxido de carbono teria que ficar ali para sempre, mas para a empresa não importa se ele sairá dentro de um, dez ou vinte anos. Isso é uma manobra para que eles tenham subsídios, retirem mais petróleo e depois diriam: com isso não foi possível, agora precisamos da Neo Engenharia, que é a manipulação do clima.
Diante desse quadro, quais seriam as alternativas?
Os movimentos sociais têm debatido soluções reais e possíveis a um dos problemas mais graves do planeta, que é a crise climática. Há dez anos a Via Campesina começou a dizer que os camponeses esfriam o planeta. Um dos maiores fatores de absorção do dióxido de carbono são os solos. Imediatamente, os empresários disseram: “vamos comprar solos para absorver o gás”.
Porém, para o que o solo absorva e retenha o dióxido de carbono é preciso que ele seja manejado, o que precisa de gente, e isso só os camponeses podem oferecer. Além do mais, são os camponeses que conhecem, literalmente, milhares variedades de sementes, espécies de plantas, árvores, etc, o que pode dar resposta às mudanças climáticas.
Os movimentos mais vivos da terra são os movimentos que tem a ver com a defesa da cultura, da comunidade, dos territórios e a luta pela terra. Não quero dizer sozinhos resolveriam tudo, claro que precisamos de uma articulação muito mais ampla.
A Via Campesina é o maior movimento da história do mundo, desde a quantidade de gente, números de países e que, ademais, tem um elemento fundamental: não tem apenas soluções, mas já a executam.
Um dos maiores desafios é derrubar mitos: o mito de que a agricultura industrial é quem nos alimenta, e que sem ela não seria possível alimentar o planeta. Não necessitamos de grandes desenvolvimentos industriais e fontes de energia para termos uma boa vida, inclusive a que temos agora, o problema é que não somos nós que estamos usando a maior parte dos recursos, mas sim uma minoria.