Mais de 400 Sem Terrinha se reúnem durante encontro no Ceará
Por Elitiel Guedes e Amanda Sampaio
Da Página do MST
É no colorido do giz de cera e do lápis de cor que vai se desenhando um mundo mais vermelho pelas mãos dos Sem Terrinha.
Assim se mostrou o 10° Encontro Estadual dos Sem Terrinhas do estado do Ceará, que aconteceu entre os dias 10 à 12 de outubro em Fortaleza. Com o lema “A reforma agrária popular e a infância sem terra nos assentamentos e acampamentos”, o encontro contou com a participação de 400 crianças e educadores da Reforma Agrária de vários municípios do estado do Ceará.
A metodologia do espaço contou com a participação de todos os Sem Terrinhas das 15 brigadas do MST presentes no encontro. As crianças estavam participaram desde a coordenação dos momentos em plenárias, na construção das pautas de lutas para o próximo período e no ato político que foi marcado pelo grito de ordem “Brilha no Céu, a estrela do Che, nós somos os sem terrinha do MST”.
O Encontro se debruçou no debate sobre a Reforma Agrária Popular e a infância Sem Terra. Cada brigada de Sem Terrinha sistematizou as principais necessidades das áreas de reforma agrária onde vivem, e depois socializaram em plenária com os outros sem terrinhas.
As principais denúncias feitas pelas crianças são sobre a falta de água, o fechamento de escolas, a falta de postos de saúde, escolas funcionando em situação precária, muita reclamação sobre o transporte escolar – muitos se deslocam para a escola no chamado pau de arara, correndo risco de vida – a falta de espaço de lazer nos assentamentos, a falta de merenda escolar de qualidade, uma melhor qualificação dos professores e professoras, as escolas sem atividade esportivas, de arte e, por variadas vezes, o não cumprimento do horário das aulas por parte dos docentes.
A Sem Terrinha Raylla Dias, do município de Crateús, do assentamento Palmares, comentou que “muitas coisas que acontecem em outros lugares são iguais onde eu moro, todo mundo reclama da falta de água lá em Crateús e as crianças e os animais sofrem muito com isso, na minha escola a água é salgada e é muito ruim, não temos uma educação de qualidade no interior”.
Já Jorge Menezes, do assentamento Crisantemo, em Quixeramobim, conta sobre as dificuldades enfrentadas no dia a dia.
“Desde quando nasci que lá em Quixeramobim falta água. Meus pais não podem plantar e nem ter criações. É a primeira vez que venho em Fortaleza, e aqui onde estamos tem água na torneira e tem bebedouro, é muito difícil isso lá em Quixeramobim. Eu vou para a escola de ônibus, tenho que acordar cedo, e nem tem galo pra cantar, porque as galinhas nem água pra beber tem lá, e eu estudo em outra comunidade, porque lá onde eu moro tem escola, mas não tem espaço para as crianças, eu e meus amigos reclamamos porque isso não é bom”.
Fechar Escola é Crime
O encontro afirmou novamente a campanha “Fechar Escola é Crime”. Nos últimos cinco anos foram fechadas mais de 3.339 escolas no campo de ensino infantil, básico e fundamental no estado do Ceará, segundos dados no Inep de 2010 a 2015.
“O fechamento de escolas do campo é uma violência contra o povo camponês e ao mesmo tempo um projeto de governo para o agronegócio que visa a saída das pessoas do campo, e com isso se utiliza de estratégias políticas como o fechamento de escolas para avançar na produção de alimentos envenenados que causam diversas doenças a saúde da população e a destruição da natureza. E o Ceará é um dos estado que mais fechou escolas no Brasil”, afirma Maria de Jesus, do Setor de Educação do MST Ceará, durante a programação do encontro.
O encontro contou com debates sobre a infância sem terra, a escola que temos e a escola que queremos, diversas oficinas lúdicas, formativas e educativas para as crianças como as oficinas de mamulengos, construção de livro, dança, capoeira, contação de histórias, músicas infantis, construção de brinquedos, jogos e brincadeiras, mandala e hortas, pinturas de painéis e etc.
Durante todo o encontro as crianças sem terra puderam participar das atividades mostrando que seu direito de se expressar e ser respeitada. No encontro foram criados diversos gritos homenageando os sem terrinhas, um poema e a composição de uma música pelos sem terrinhas do munícipio de Quixeramobim. Várias intervenções aconteceram durante as plenárias, tendo as crianças a possibilidade de falar o que sentem e dar visibilidade aos seus direitos negados.
“É a primeira vez que venho para o encontro dos sem terrinhas. Eu e todos meus amigos lá do assentamento Maceió quase não conseguimos dormir quando soubemos que o encontro iria acontecer. O Ítalo e o Ícaro que são meus vizinhos, dormiram cedo e acordaram às cinco da manhã e foram logo para a sede da brigada. Estamos gostando muito do encontro, é bom conhecer outros sem terrinhas e saber que temos que lutar para ter nossos direitos garantidos”, afirmou o sem terrinha Lucas, do assentamento Maceió, no município de Itapipoca.
Um ato político foi realizado durante o evento pelas crianças como uma forma de denunciar a falta de políticas educacionais para a infância camponesa no Ceará.
Além disso, houve muita brincadeira, pipoca, algodão doce e muita animação para festejar o dia das crianças. Todos os sem terrinhas puderam se divertir com o grupo Solavanco comemorando a estreia de um ano da contação “Todo Bicho Tem Seu Canto”. Foram três dias de muito estudo, debate, brincadeira, luta e animação onde a bandeira vermelhinha tremulou para afirmar que a infância sem terra é construída a partir do presente de milhares de crianças camponesas.