Gerações inteiras de jovens estão sendo sequestradas pela educação do capital, afirma pesquisador
Por Vanessa Ramos
Especial para Caros Amigos
“Existe uma ofensiva absurdamente rigorosa articulada pelo movimento Todos Pela a Educação, em torno de uma pauta empresarial, que é a pauta da reforma gerencial de educação”, diz o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Rodrigo Lamosa, sobre o interesse privado no ensino público brasileiro, a fim de produzir uma pedagogia da hegemonia. Na entrevista, ele fala sobre as políticas públicas voltadas para a educação, o cenário atual no Brasil e a inserção de diferentes tipos tradicionais de representação por meio da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), nas escolas de Ribeirão Preto (SP).
No entanto, essa manobra dos setores privados sobre as relações sociais não é algo novo na história e nem regionalizado. Em sua tese de doutorado, intitulada “Estado, classe social e educação no Brasil: uma análise crítica da hegemonia da Associação Brasileira do Agronegócio”, Lamosa explica que os primeiros sinais da aproximação de certos setores do empresariado brasileiro do programa neoliberal foram as mudanças nas formas de mobilização e organização política deste segmento e a difusão dos novos parâmetros internacionais de cidadania, de participação e de sociedade civil nos anos 1990.
“A reunião das principais forças políticas organizadas através de seus intelectuais, denominada Consenso de Washington, definiu o receituário a ser aplicado nas economias dos países capitalistas, com especial preocupação para os países da periferia”, destaca. Mas na opinião do professor, a difusão do projeto neoliberal pelos empresários no Brasil começou a ocorrer bem antes do Consenso, ainda no início da década de 1980. A criação do Instituto Liberal, em 1982, integrou os empresários brasileiros em uma rede internacional formada em torno da Sociedade de Mon&”39;t Pèlerin. “Este aparelho privado de hegemonia teve importante ação político-educativa entre os anos 1980 e 1990”, afirma.
Segundo ele, o Instituto Liberal não representou uma única fração da classe dominante, mas serviu como aparelho organizador e difusor do programa neoliberal no Brasil, propondo políticas econômicas e sociais. Neste contexto, o Instituto desempenhou um importante trabalho de educação política através da disseminação de valores morais e de compreensões acerca de temas como cidadania, participação, Estado, competição, privatização, entre outros.
Disputa de hegemonia
Em 1993, Lamosa conta que a Abag, no mesmo sentido, lançou o livro “A metamorfose do Estado brasileiro”, escrito por Fernando Resende. Neste trabalho, a associação define o que seria necessário no ajuste a ser realizado no Estado. A análise realizada na tese de Lamosa sobre a ação da Abag demonstra que setores do empresariado brasileiro, no início da década de 1990, já agiam conscientemente na disputa pela hegemonia. A partir da segunda metade da década de 1990, alguns intelectuais passaram a ser responsáveis por conduzir a contrarreforma neoliberal no Brasil.
Embora o projeto neoliberal já fosse defendido por certos setores do empresariado, desde o início da década de 1990, Lamosa fala que foi somente com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, que este projeto teve conjuntura favorável para ser implantado. “Esta conjuntura foi traçada a partir da aliança entre o PSDB e o Partido da Frente Liberal (PFL) e formou um bloco político constituído por diferentes frações da burguesia, capaz de produzir as condições para a reorganização da sociabilidade dos empresários no Brasil”, disse.
E assinala que “quando se vê uma articulação privada com todos os setores da educação pública, você começa a compreender o porquê as políticas públicas para educação não têm, na construção de um projeto de sistema nacional, uma escola unitária que forma tanto com educação formal, geral, quanto técnico profissional. No Pátria Educadora, isso fica muito claro”, afirma Lamosa.
Confira a entrevista completa:
O Pátria Educadora vem com qual objetivo?
O Pátria Educadora foi lançado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, escrito pelo ministro Roberto Mangabeira Unger, que é um intelectual formado em Harvard, professor da universidade de Harvard, que tem uma compreensão completamente atrasada, tecnicista, dualista, preconceituosa em relação aos professores e à educação pública brasileira.
É um programa que não é feito pelo MEC. Embora escrito por um ministro que tem fortes articulações com o ex-ministro da Educação, Cid Gomes, ninguém sabe muito bem para aonde vai. A gente sabe perfeitamente que este programa funciona, historicamente, como uma misancene. Ele vem, a meu ver, com uma estratégia de marketing político de um governo que está numa encruzilhada. Aquele modelo que, por pouco tempo, conseguiu coexistir com o processo de expansão da economia brasileira na venda de commodities e com a expansão de crédito chegou ao fim.
Então, é um governo que vem tentando encontrar saídas, tendo no Mangabeira uma espécie de intelectual urbano, com pouca vinculação clara e que vem implementando, portanto, um projeto que, a princípio, não tem uma vinculação estreita e orgânica com as classes sociais. Não é a toa que a política do Pátria Educadora esteja sendo amplamente criticada em termos educacionais no país. Não consigo encontrar, com exceção do grupo Educafro, nenhum movimento social, nem inclusive empresarial, em defesa do Pátria Educadora.
Pátria Educadora inicia como declaração de que reconhece que a importação de práticas empresariais na educação, nos últimos anos, tem dado certo e que precisa, portanto, aprofundar e avançar. E é o que O Pátria Educadora propõe: um rígido controle nas escolas, sobre as redes de ensino, além de intervenção federal nas escolas. Em outras palavras, ele se pauta numa dualidade.
É uma política que valoriza a educação pública?
Não, de forma alguma. Ela serve, basicamente, para a constituição de interesses privatistas, comum na história da educação brasileira. No sentido de colocar a administração pública, no caso, a educação pública a serviço de interesses privados. Hoje, a gente pode ver isto com clareza ao analisar, por exemplo, o último Plano Nacional de Educação (PNE) e, mais recentemente, O Pátria Educadora. Você olha para o ensino superior e vê um processo rigoroso, primeiro, de internacionalização dos capitais e, segundo, de oligopolização do ensino superior.
Hoje, o Fies está calculado em algo de cerca de R$ 15 bilhões para o financiamento de crédito educativo nas universidades privadas. Se você pega o montante e analisa a distribuição dá mais ou menos 6 grandes mega grupos com articulação nacionais e internacionais, dentre eles, o Fundo Kroton e a Anhaguera. São fundos que hoje compõem um grupo de 5 ou 6 grandes agentes que dominam 90% da educação privada no Brasil. Aquela configuração que existia até a década de 1990, de instituições de cunho familiar, está dando lugar a uma composição extremamente oligopólica e internacional.
É interessante que ele surge no mesmo momento em que o Governo corta verba para a educação.
Chega a ser constrangedor e, de certa forma, de difícil compreensão. Porque O Pátria Educadora é lançado no dia 22 de abril. No mês seguinte, o Ministério da Fazenda anuncia um corte de R$ 9,5 bilhões para a educação, com cortes, inclusive, que vão atingir programas que são reivindicados pelo próprio Pátria Educadora, como é o caso do Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência).
Pibid é um programa que os alunos que estão se formando nas licenciaturas, ou seja, os futuros professores, fazem estágio nas escolas públicas, organizando projetos, parcerias entre as escolas, universidades e trabalhador. É um trabalho docente no interior das escolas.O Pátria Educadora reivindica isso como um dos programas bem sucedidos e é justamente um dos programas que, provavelmente, vai ser afetado com o corte de R$ 9,5 bilhões na educação. Então, é muita contradição.
O cenário hoje da educação é um cenário de guerra. Os professores fazem greve e são combatidos com violência. Como você vê isso?
A gente precisa sempre lembrar que, sem diminuir esses acontecimentos, que isso não é algo novo. Os trabalhadores de educação nunca foram tratados de forma diferente. Sempre que se organizaram em seus sindicatos e foram para as ruas em defesa da escola pública, em defesa do ensino público, por melhoria das condições de trabalho na escola pública, foram, pelos governos estaduais e municipais deste país, combatidos de forma violenta, de forma desrespeitosa.
São Paulo tem vários casos ao longo da historia. O Rio de Janeiro, durante o governo Moreira Franco (1987), também foi palco desta violência. O próprio governo Brizola. Foram governos que enfrentaram nas ruas com poderio militar as organizações dos trabalhadores da educação. Evidentemente, a história também nos permite identificar que este processo de violência contra os trabalhadores da educação se acirra em momentos como este, que são momentos de cortes de investimentos sociais, cortes nos investimentos da educação pública. Momentos em que os trabalhadores da educação reagem e a violência se efetiva e se consolida nas ruas. A educação pública, sobretudo quando estamos nos referindo às universidades, se tem um segundo problema, que agrava esse período de corte dos gastos públicos, que é o processo de precarização do trabalho no interior das nossas universidades.
A UFRJ, por exemplo, saltou de algo de cerca de 500 trabalhadores terceirizados para algo quase de 5 mil. O que implica isso?
O trabalhador concursado recebe seu salário pelo Tesouro Federal, já o terceirizado é pago pela própria universidade, com verba de contingenciamento. É a verba que serve para manter a universidade em condições de realização da pesquisa, do ensino e da extensão. Uma vez que você tem o crescimento enorme como esse, de profissionais com as verbas de contingenciamento da universidade, e essas verbas de contingenciamento não crescem na mesma proporção que os trabalhadores terceirizados, ocorre um asfixiamento da universidade.
Aquela verba que era para manter a universidade passa a deixar de existir. Hoje, as universidades públicas gastam uma porcentagem altíssima dos seus recursos de manutenção com pagamento de mão de obra terceirizada. São justamente os trabalhadores que menos recebem, são os trabalhadores com as condições mais precárias e são os que recebem o dinheiro que iria para contingenciamento da universidade pública.
Consequentemente, a pesquisa fica sucateada…
Tudo fica sucateado. As pesquisas, as orientações, as salas de aulas, o professor que passa dar uma quantidade maior de disciplina do que deveria dar, portanto, tem condições piores de preparar os seus cursos. Tudo isso impacta em todas as condições de funcionamento das universidades. Desde o banheiro, que falta papel, até a secretaria, onde também falta papel.
Como fica, então, o projeto Universidade para todos se eles incentivam as universidade expandirem e não tem verba para arcar com a expansão?
Você sabe o que é universidade para todos? É a universidade a distância, com pagamento de tutor, ganhando 700 reais, menos de um salário mínimo, com aluno mal preparado, sem material didático adequado. Essa que é a universidade para todos que existe no Brasil há 20 anos, que tá formando bilhões de professores, que vão atuar nas nossas salas de aula e boa parte dessa educação é privada.
Você acha que isso faz parte do ajuste neoliberal para a educação?
Não tenho nenhuma dúvida. É só a gente comparar o que está acontecendo com a educação superior no Brasil. O que aconteceu com o Pacto de Bolonha (1999), na Europa. É um projeto muito similar, de internacionalização do ensino superior, transformação do ensino superior em educação terciária, desvinculação de ensino e pesquisa e educação a distância da forma mais precarizada que for possível. É isso que está posto no Brasil.
Qual a consequência disso para a população?
Trabalhadores com formação altamente precarizada, com títulos que pouco valem no mercado de trabalho, trabalho a mercê de uma economia que subemprega, que paga mal, que retira os direitos trabalhistas. É esse trabalhador que a educação terciária quer formar para atuar no setor de serviços com título de ensino superior.
A Dilma disse, numa entrevista, que o Brasil precisa de técnicos, por isso, era necessário aumentar o número de cursos técnicos. o que você acha disso?
Eu acho que a formação técnica é indispensável para a formação unitária do ser humano. A formação como ela é dada no sistema burguês de educação, que separa do sistema educacional da formação geral propedêutica, definitivamente, não é o projeto que a tradição marxista, tradição crítica defende historicamente. A questão é o que está por trás do discurso da presidenta quando ela afirma que o país precisa construir uma mão de obra com formação técnica? Esta conclusão, que não é uma conclusão original, é um repeteco do que o Governo Federal tem tentado fazer desde a década de 1970. Só que, na época, com o governo Médici, em que ele dizia também que o Brasil precisava formar mais técnicos.
O que está por traz da afirmação da presidenta Dilma é a pressão que o sistema S (nome pelo qual ficou convencionado de se chamar ao conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais, estabelecidas pela Constituição brasileira: SENAR, SENAC, SESC, SESCOOP, SENAI, SESI, SEST, SENAT e SEBRAE), e dos setores ligados ao sistema S. O setor do agronegócio, por exemplo, vem demandando cursos técnicos pelo sistema S, formados pelo Senai, uma formação barata, modular e subsidiada pelo governo.
A sua tese trata do agronegócio na escola. Como é que isto se dá?
Por meio da pesquisa de mestrado, identifiquei que empresas, articuladas por um tipo novo de associação empresarial no Brasil que surge na década de 1990, que são formas de associação que reúnem diferentes frações do capital, se unem pra realizar ações de responsabilidade social, socioambiental nas escolas. Então, durante o doutorado, o primeiro exercício que eu fiz foi tentar mapear as frações das classes dominantes interessadas e empenhadas neste movimento de inserção nas escolas.
Quem eram os principais representantes dessas frações? Uma fração, em particular, que me chamou muito a atenção, foi a agrária. Eu percebi que existiam vários projetos do agronegócio no país sendo realizados no interior das escolas. Cada um com as suas particularidades de organização, de relação com as escolas, de autoria, muitos distintos. Uma delas me chamou muito a atenção, que foi o projeto da Abag. Por que me chamou atenção? Por várias razões.
Primeiro, a Associação Brasileira para o Agronegócio era um tipo de associação muito parecida em um aspecto com aquele tipo de associação que eu havia analisado no mestrado. Ou seja, a Abag também reúne, entre os seus sujeitos mobilizados, entre os seus associados, diferentes frações da classe dominante. Lá tem bancos, agroindústrias, produtores de agronegócio, instituições de pesquisa, instituições da mídia, ou seja, uma composição muito heterogênea, em se tratando das frações da classe dominante e apresentava também algumas diferenças com relação a essas frações Porque a Abag não tem como único objetivo a divulgação de projetos, responsabilidade social.
Ela é muito mais ampla do que isso, tem articulações institucionais, articulações no interior do governo, de diversas formas, incluindo articulações em projetos de responsabilidade socioambiental. E realiza determinada inserção na escola pública brasileira que, diferentes dos projetos que eu havia encontrado no mestrado, que eram projetos relâmpagos, em geral, com um ano de duração, o projeto da Abag, diferentes dessas características, já existia desde 2001.
Então, ele já existia há mais de dez anos, sendo realizado com material didático, com uma equipe pedagógica responsável e com uma fortíssima articulação com as secretarias de Educação. Isso me chamou muito a atenção e foi o que me levou a a realizar no doutorado este estudo sobre a inserção do agronegócio nas escolas.
É um projeto a nível nacional?
Não. É um projeto que acontece em Ribeirão Preto. Mas, existem projetos de inserção do agronegócio em vários lugares do país. Se você for ao Paraná, existe o “Agrinho”; se você for a Goiás, já existe outro. Então, existem vários projetos de associações do agronegócio espalhados pelo país. Eu estudei apenas uma delas, que é o projeto Programa Educacional na Escola, realizado pela Associação Brasileira do Agronegócio.
Passei o ano de 2013, praticamente todo, indo para São Paulo, rodando nas redes municipais, entrevista professores e no final de 2013, no final do ano letivo, este projeto realiza uma culminância. Por meio desta iniciativa, a Associação entrega os prêmios aos professores que tiveram os seus trabalhos premiados e para os alunos. Todos os trabalhos, maquetes, apresentações de teatro, todos eles entoavam dizeres elogiosos para o agronegócio. No evento, eu senti um clima muito pouco amistoso.
A assessoria de imprensa da Abag me fez várias perguntas sobre a pesquisa, mas, também foi neste dia que eu aproveitei para entrevista o Paulo Rodrigues, filho do Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e ex-presidente da Abag. Obviamente, depois da entrevista, ele já sabia para qual rumo a minha pesquisa apontava. Três dias depois, quando eu cheguei no Rio de Janeiro, recebi um email da Abag pedindo para eu enviar um artigo que eles haviam identificado como meu, produzido na Associação Nacional de Pos-graduação em Educação.
Mandei um email em resposta e o link do artigo. Consequentemente, nunca mais consegui ter nenhum contato com a Abag. Mas, a pesquisa de campo já havia sido concluída e eu já tinha bastante material, conseguido com a própria Abag. Um mês depois, a Secretaria Geral da Abag de Ribeirão Preto foi demitida. Até hoje não sei se foi por causa da abertura que me deram na Abag.
Quais foram as conclusões que você chegou?
Existiam muitas questões. Algumas delas foram respondidas de pronto e beneficiaram muito a minha continuidade da pesquisa. Apesar disso, muita gente falava assim: mas você, Rodrigo, não tá impondo um juízo de valor sobre as ações das empresas? será que não pode ser mesmo algo filantrópico? Em relação a Abag, isto já tinha sido descartado logo de cara, porque é a Abag quem diz que o primeiro programa do projeto é valorizar a imagem do agronegócio nas escolas, como primeiro ponto. Primeiro objetivo exposto, então, no programa é a valorização do agronegócio. Não é melhorar a alfabetização de jovens e adultos, por exemplo. Portanto, este problema de eu estar impondo um juízo de valor já estava limpo para início de conversa. Para mim, isto foi positivo.
A outra questão era o impacto disso nas escolas. Como era isto nas escolas? Quais eram os desdobramentos? Um dos momentos de tensão da pesquisa foi descobrir quem seriam os professores do projeto de poder da Abag. De fato, os professores aderem o projeto da Abag. Eles são até elogiosos, eles amam o projeto e ao mesmo tempo, as escolas são obrigadas a executar o projeto. As secretarias que assinam o convênio com a Abag levam o projeto para as escolas com a indicação de prioridade máxima.
Eu pude constatar isto em Ribeirão Preto, através de uma email, enviado pela Secretaria de Educação para as escolas. Eu tive acesso a esse e-mail e estava lá em caixa alta, prioridade alta, em vermelho, destacado em vermelho.Isto significa que o projeto, a ser realizado pelas escolas, não encontra muitas dificuldades para ser executado. Eles precisam de um único professor para realizar o projeto nas escolas. O professor é responsável por mobilizar a comunidade escolar e eles sempre acham um. Nos momentos em que a Abag não encontra um professor, acontece a coerção.
A diretora recorre aos professores que tem contratos precarizados de trabalho para a realização deste do programa. Tem um aspecto de imposição, mas, eu não pude comprovar isso em vários casos. Isso só acontece em última instância. Em geral, eles trabalham com consenso. A conclusão da pesquisa é que eles estão tendo êxito. Esta iniciativa da Abag, esse programa, já existe há 15 anos, com base no convencimento dos professores.
Este trabalho de manipulação na educação é feito com crianças a partir de que idade?
Eles, inicialmente, começaram a trabalhar na rede estadual de São Paulo, com alunos do ensino médio, entre 2001 e 2007. A partir de 2008, eles se voltaram para as redes municipais. Então, começaram a trabalhar com crianças do 1º , 2º e 3º ano do ensino médio, com alunos entre 15 e 17 anos. Depois, eles foram para a rede municipal para pegar alunos da 7ª e 8ª série. Atual 8º e 9º ano.Começaram a pegar alunos entre 13 e 15 anos.
Segundo as responsáveis pelo programa na Abag, porque houve um problema com a Secretaria de Educação do Estado. Mas eu não acredito nisso. Acho que o interesse pela faixa etária foi proposital. São idades muito mais fácil de se manipular. Hoje, entendo a Abag como um partido do agronegócio, no sentido de que ele forma aparelhos privados de hegemonia, forma intelectuais orgânicos e tem uma atuação muito grande tanto na sociedade civil quanto na sociedade política.
Para não se achar que tudo está perdido, existe um caminho para sair deste cenário?
Existe um caminho. Apesar da Abag ter tido êxito, nos últimos quase 20 anos, ela não consegue ter pleno êxito no projeto, porque as mesmas condições precárias de trabalho nas escolas que permitem que ela tenha facilidade para entrar nas escolas, em que os professores e diretores recebem este programa como uma novidade, como algo que deveria estar sendo ocupado por projetos públicos, são as condições que impõem limites para plena realização do projeto.
Para você ter uma ideia, o programa se inicia com mais de 80 professores inscritos, mas, no projeto final, defendido lá naquela culminância, lá no centro de pesquisa do agronegócio, quando muito chegam a dez projetos é muito. Os professores não conseguem realizar todas as etapas do programa porque chegam no final do ano atordoados de trabalhos e não conseguem dar conta deste programa. O trágico é que os professores se culpabilizam-se por isso.
Eu acho que a saída é a alto organização dos professores. Eu vi em São Paulo, uma carência organizativa muito grande, sobretudo, nas redes municipais de Educação. As sindicatos, quando existem, são aqueles cartéis, ligados as prefeituras, portanto, não realizam lutas, não realizam a auto organização, o que fragiliza a posição deles no campo de trabalho e fortalece ou facilita a apropriação desse intelectuais pelo agronegócio. Uma das conclusões que eu cheguei é que esses profissionais se tornam intelectuais orgânicos, não no sentido que formulam a consciência dos intelectuais. Mas, são intelectuais de baixa patente do agronegócio, a fim de realizar o projeto de valorização da imagem do agronegócio nas escolas.
A saída é disputar a consciência desses profissionais, desses trabalhadores. Eles não vão se tornar fazendeiros do agronegócio, não se tornarão intelectuais orgânicos de alta patente do agronegócio e, portanto, estão em condições de serem disputados também pela classe trabalhadora. O problema é como é que a gente faz essa disputa, num cenário onde perdemos muitas das nossas frentes de organização. Hoje, se nós não estamos como no Chile, onde todas as escolas públicas chilenas foram privatizadas, é por conta desses fóruns de educação que perdemos, infelizmente. Estamos num momento de tentar reconstituir esses espaços de organização da classe trabalhadora na educação.
Nós perdemos, historicamente, nos últimos 30 anos, a oportunidades de constituições dessa alto organização. A CUT, por exemplo, que na década de 80 tinha um projeto de criar um um setor de educação da CUT, não foi adiante e virou uma central com muita pouca capacidade de constituir-se como a central de enfrentamento ao ajuste neo liberal.
A essa ofensiva privatista da educação, quando muito, emite mensagens aos trabalhadores de educação sem nenhuma reverberação prática para a luta. Por outro lado, o projeto neoliberal está se esgotando. A capacidade de renovação do projeto conservador mostra limites e é em cima desses limites que eu acho que os educadores devem retomar as suas frentes de luta. Nós temos que retomar, que frear a ofensiva empresarial e construir um projeto socialista de educação pública tanto para o campo quanto para a cidade.
A ideia mesmo é que a educação do campo está para além do campo. A gente pensa na educação do campo para pensar na educação como um todo, que é a escola pública unitária. Este é o nosso papel. É para isso que realizamos as nossas pesquisas, para compreender como é que a classe dominante vem se articulando a fim de pensar numa ofensiva da classe trabalhadora. Qual é a ofensiva que a classe trabalhadora vai construir nos próximos dez anos? Quais são as bandeiras que nós vamos levantar? E precisamos fazer isso com a máxima urgência, porque gerações inteiras de jovens estão sendo sequestrados pelo Capital, sequestrados pelo agronegócio, sequestradas por uma reforma gerencial, que vem instituindo nas escolas públicas uma espécie de gestão privada da administração pública e não existe outra saída a não ser o enfrentamento a isso.