Juventude Sem Terra reconstrói ocupação da Fazenda Annoni
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Fotos: Levante Popular da Juventude/MST-RS
Em mística, os 800 jovens que participaram do Acampamento Estadual da Juventude Sem Terra, realizado de 29 de outubro a 1º de novembro, na região Norte do Rio Grande do Sul, reconstruíram a ocupação da Fazenda Annoni, protagonizada por 7.500 trabalhadores rurais Sem Terra no dia 29 de outubro de 1985. O objetivo foi resgatar o marco histórico e incentivar a continuidade dos jovens do MST na luta pela terra no Brasil.
Ainda era madrugada de domingo (1º) quando os filhos de assentados e acampados levantaram de suas barracas e se reuniram em frente ao ginásio de esportes do Assentamento Novo Sarandi, em Sarandi, onde ocorreram as atividades do acampamento estadual. Às 5h30, após reunião de organização, uma marcha foi iniciada.
Acompanhados de bandeiras, foices, enxadas e gritos de ordem, como “Ocupar, resistir, produzir”, a juventude Sem Terra, distribuída em três longas fileiras, precorreu 4,5 quilômetros em estrada de chão e asfalto até chegar à Área 10, local em que, há 30 anos, centenas de famílias fizeram a ocupação da antiga Fazenda Annoni, um latifúndio de 9.300 hectares.
Durante o trajeto, os jovens escutavam por meio de carro de som parte da história da ocupação e acampamento. Já no local, às margens da ERS-324, reviveram a história por meio de relatos do assentado Isaías Vedovatto, um dos coordenadores da ocupação da Fazenda Annoi, sobre a organização das famílias e estratégias utilizadas para a conquista daquela área.
Vedovatto tinha 19 anos quando cortou os cinco fios de arames lisos que continham o sonho dos Sem Terra de ter uma vida digna e um pedaço de terra para morar e produzir.
“29 de outubro de 1985 era uma terça-feira, noite de lua cheia. A estrada, molhada por causa da chuva, era de terra vermelha e reluzia com o luar daquela madrugada. As pessoas se silenciavam, rezavam, cochichavam, choravam. É importante recuperar a história de um povo que lutou e dizer que todos que lutam chegam às suas conquistas. Todas as famílias que aqui estiveram acampadas e persistiram na luta foram assentadas, ou na Annoni, ou em outro lugar”, disse o assentado.
Ainda na Área 10 foi inaugurada uma placa alusiva ao marco histórico da ocupação do latifúndio e à luta pela Reforma Agrária no país. “Ela simboliza a vitória de um povo que há 30 anos se organiza trabalhando, produzindo vida e alimentos”, destacou Vedovatto. Ele também anunciou que será construído naquele local um espaço de referência da luta pela terra.
Ao final do ato, os jovens retornaram ao acampamento em cima de caminhões, semelhantes aos utilizados naquela madrugada de 1985 para levar famílias Sem Terra até a Fazenda Annoni. Foram cinco viagens até que todos chegassem novamente ao Assentamento Novo Sarandi, onde no mesmo dia foram encerradas as atividades do acampamento da juventude, que teve como lema “Somos filhos e filhas de uma história de lutas”.
O acampamento da juventude Sem Terra
De acordo com Danieli Cazarotto, do Coletivo Estadual da Juventude do MST, o acampamento teve como características a formação, a organização e a animação dos jovens. Neste sentido foram trabalhadas temáticas como a Reforma Agrária Popular, o papel das mulheres e da juventude no Movimento e na sociedade, e as suas inserções em assentamentos e acampamentos.
“O acampamento nos trouxe muitos desafios, mas também muito ânimo e coragem para seguirmos firmes na luta e na construção do nosso Movimento, tendo claro que 30 anos de organização se passaram e que quem a comandou no início também foram os jovens. Agora temos o compromisso de continuar essa luta”, explica Danieli.
O evento contou com a participação de jovens de todas as regiões do RS, além de representações do Paraná, Santa Catarina e de outros países. Na ocasião, ocorreram atividades culturais, oficinas, maratona, jornada internacionalista e várias mesas de debates.
Para reafirmar a identidade Sem Terra e a importância da cooperação e da permanência no campo, o acampamento também propiciou relatos de experiências vivenciadas por jovens do MST, como a história de Gustavo Ariel de Bortoli, 19 anos.
Há dois anos Gustavo é sócio da Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata (Cooptar), na qual trabalha com a sua família e outras assentadas em Pontão, também no Norte do RS. Segundo o jovem, é da cooperativa e da organização do MST que recebe todo o apoio para permanecer morando, estudando e tendo renda no campo.
“Um dos princípios fundamentais do MST é o trabalho em cooperação. Nos acampamentos já temos essa visão de começar a trabalhar desta forma para que depois de assentados os jovens possam permanecer trabalhando, estudando e obtendo renda no campo. Isso também se dá através da oportunidade que temos dentro do MST de estudar em diversas áreas, seja no ensino médio, técnico ou em universidades, e ainda nos desenvolvendo como pessoas e agentes políticos”, argumentou.
Gustavo é formado no curso Técnico em Agropecuária com Habilitação em Agroecologia. Em março deste ano ele ingressou no curso de Agronomia, ambos oferecidos pelo Instituto Educar, uma das conquistas das famílias do Assentamento Fazenda Annoni. Conforme Gustavo, todo o seu histórico escolar se deu em escolas do assentamento.
Juventude protagonista
Para o dirigente nacional do MST, Cedenir de Oliveira, a juventude deve ser protagonista da construção da sua própria história e estar organizada para enfrentar o modelo hegemônico do capital na agricultura e outros elementos da vida humana nos assentamentos, cumprindo também um papel político.
Ele defendeu ainda maior participação e protagonismo das mulheres, já que elas, assim como a juventude, “tem muito mais coisas a conquistar que apenas questões econômicas”.
“A juventude é o vigor de qualquer processo histórico. A partir dessa energia juvenil é que nós conseguimos construir processos importantes da nossa história, inclusive o próprio nascimento do MST ocorreu com os jovens. O acampamento serve para que eles se encontrem, se identifiquem e reafirmem a identidade dos Sem Terra, e sobretudo para que carreguem consigo a responsabilidade com a luta geral, seja com o Movimento no tema da reforma agrária, ou com os problemas da sociedade brasileira”, conclui Oliveira.