Uma agenda prioritária de defesa dos direitos sociais para 2016
Por Jacques Távora Alfonsin*
A “agenda latino-americana 2016″ renova uma publicação de todos os anos da Comissão dominicana de justiça e paz do Brasil, escolheu como tema deste ano “Desigualdade e propriedade”.
Em meio aos espaços destinados a previsão e registro de compromissos diários das/os suas/seus leitoras/es, como toda a agenda faz, artigos de conhecidas/os pensadoras/es, de diversas áreas do conhecimento, no Brasil e no mundo, abordam o tema sob o conhecido método de ver, julgar e agir.
Dos nove artigos sobre o ver, o que mais impressiona são os dados estatísticos relacionados com a desigualdade social em todos os países.
Frei José Fernandes Alves analisando a situação brasileira, com base em um documento da CNBB (Pensando o Brasil: a desigualdade social no Brasil. Vol. 2, Brasilia. Edições CNBB, 2015), revela:
“Quinze famílias mais ricas do país detêm um patrimônio equivalente a 270 bilhões de reais, o que representa o dobro dos recursos destinados a 40 milhões de pessoas atendidas pelo programa Bolsa Família, com um investimento de 127,3 bilhões, nos últimos 11 anos.”
Comparando-se esses números com os do Portal Brasil, disponíveis também na internet, esses 40 milhões integram quase 14 milhões de famílias pobres ou miseráveis, e isso, é bom que se diga, num país que, nas últimas décadas, até diminuiu o grau de desigualdade social aqui ainda persistindo.
Quem são essas pessoas? No artigo “A pobreza na América Latina”, assinado na mesma Agenda por Guillermo Fernández Maillo e Monica G. Morán, elas são identificadas pelo próprio Banco Mundial?
“O Banco Mundial, em 2005, definiu o limite de 1,5 dólares por dia para a pobreza extrema e 2 dólares por dia para o risco de pobreza, convertidos para a moeda e os preços locais, ajustando esse limite à moeda correspondente e considerando os bens de primeira necessidade em cada país.
A linha de pobreza de 1dólar corresponde à média das linhas nacionais de pobreza adotadas pelos países com baixos níveis de renda per capita do mundo.” (grifos do autor e da autora).
Prosseguir-se acreditando que uma injustiça social a esse grau de necessidade e carência, deva-se ao próprio ser humano vivendo em condição subumana, constitui-se em juízo suficiente não só para conservá-la como para incrementá-la.
Quem defende direitos humanos fundamentais sociais, portanto, tem muito o que fazer neste novo ano de 2016. Se ficar só comparando a chamada correlação de forças políticas, de defesa e de luta contrária a esses direitos, não vai se mexer.
Só vai reforçar a legião das/os desanimadas/os ou até indiferentes diante do drama vivido por quantas famílias extremamente pobres continuam vítimas das extremamente ricas.
Não faltará quem cobre de uma afirmação dessas a acusação de ser injusta com gente rica, na velha e desmoralizada tese de que toda a sua opulência é fruto do direito de propriedade sobre o dinheiro que ganhou, ganha e ganhará, resultante do seu exclusivo mérito e trabalho.
A desigualdade social, a pobreza e a miséria consequentes, não passariam de uma fatalidade devida à capacidade empreendedora de poucas pessoas frente à incapacidade da maioria.
Não importa o quanto contribuiu para todo esse acúmulo de riqueza o direito sucessório, a exploração do trabalho alheio, quase sempre superexplorado e desvalorizado, a apropriação da mais valia daí resultante, o poder de barganha de vantagens administrativas e ou tributárias, conquistadas por leis previamente garantidas pelo financiamento de campanhas eleitorais em favor de legisladoras/es cúmplices, a sonegação de impostos, a compra de atos normativos na administração pública, a peita de sentenças, editoriais, silêncios oportunos sobre negócios capazes de violar direitos alheios, o estardalhaço moralista de gritos de escândalo ao mínimo risco da própria segurança de privilégios inconstitucionais, o cartel e o dumping, o envenenamento e o esgotamento da vida na e da terra, entre outras muitas formas de preservação da injusta e vergonhosa desigualdade.
Taxa Tobin ou imposto sobre grandes fortunas, nem pensar. O fato de Bancos ganharem mais dinheiro durante crises econômicas, como a do presente brasileiro, segundo economistas de visão mais crítica e aguda, idem.
Em matéria de terra, então, um espaço comprovadamente limitado mas necessário para todas/os, não dá mais para a propriedade privada absolver-se de sua concentração criminosa contra a vida de quem está privado também, mas, aí, do acesso à ela.
Na contracapa desta agenda Latino Americana 2016, Dom Pedro Casaldaliga e José Maria Vigil oferecem resposta àquele tipo de argumentação que não consegue lavar a jato as muitas mazelas inerentes ao próprio sistema socioeconômico brasileiro que a operação policial de mesmo nome tenta limpar.
O problema é de todas/os, não exclusivamente nosso:
“85 pessoas têm uma riqueza equivalene ao patrimônio da metade mais pobre da humanidade. E neste ano de 2016, o 1% mais rico da população superará seu próprio recorde patrimonial, ultrapassando a barreira psicológica de 50% da riqueza do mundo.
Sua fatia continuará crescendo! A que percentagem do bolo teremos que reduzir a riqueza extrema para que despertemos e decidamos acabar com esta situação indigna da humanidade? Quando tomaremos consciência de que somos a esmagadora maioria, os 99%.”
Se o ver e o julgar ficaram bem sintetizados aí, a defesa dos direitos humanos fundamentais sociais melhor se desenhou, inspirada na urgente necessidade de agir:
“É hora de despertar e mudar as regras. As três últimas décadas demonstraram que esta situação é insustentável; e está nos levando à exploração social e à crise planetária. É urgente um trabalho de conscientização, de pensamento crítico, de resistência. É urgente quebrar o feitiço dessa hegemonia, infringi-lo com práticas cidadãs alternativas e sermos coerentes com uma participação política responsável, para caminhar rumo a uma sociedade igualitária e justa, que tanto a Humanidade e o planeta merecemos. Utopia pela qual vale a pena lutar e sonhar!”
* Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.