Chuva de veneno mata abelhas e destrói produção de mel no interior do RS
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Colaboração: Leandro Molina
Que desde 2009 o Brasil lidera o ranking dos países que mais consomem veneno no mundo já é de conhecimento de grande parte da população brasileira. A média nacional é de 7,5 litros por habitante. No Rio Grande do Sul o consumo estimado é de 8,5 litros por pessoa.
Dados apontam que o uso sem controle de agrotóxicos em lavouras, principalmente aplicados pela pulverização aérea, causa enormes danos para as abelhas.
Contrário ao que muitos pensam, esses produtos químicos e nocivos à saúde humana e ao meio ambiente também comprometem de forma significativa a produção de mel e de outros alimentos. O resultado é que colmeias inteiras estão morrendo, e isso pode afetar toda a população na produção mundial de alimento.
A partir de hoje, publicaremos a série “Tem veneno no seu mel”, que contém três reportagens que mostram os efeitos dos agrotóxicos e da soja transgênica na região da Campanha do Rio Grande do Sul, onde dezenas de apicultores se veem sem alternativas para combater o avanço do agronegócio em áreas de assentamentos da reforma agrária. Para esta primeira reportagem, conversamos com alguns assentados produtores de mel, que contam quando e como começaram a ser vítimas dos problemas oriundos do modelo de produção do agronegócio.
“Em três horas as abelhas estavam todas mortas”
A morte repentina e em massa, de abelhas, tem preocupado apicultores assentados da reforma agrária da região da Campanha. A fatalidade, que se intensificou nos últimos três anos, mostra que há fortes indícios de estar relacionada ao monocultivo de soja transgênica e ao uso abusivo de agrotóxicos.
Assentado no município de Hulha Negra, seu João Carlos Camargo, 55 anos, trabalha com produção de mel há mais de três décadas. Ele conta que, com o passar dos anos, perdeu algumas abelhas por questões naturais e climáticas, mas nada comparado ao ocorrido nos últimos três anos, quando se intensificou o plantio de soja transgênica em toda a região.
“Quando se trabalha com abelhas é normal ter alguma perda por ataques de insetos ou falta de alimentos, mas nos últimos anos tive perda total das colmeias e de forma diferente das outras situações, pois elas estavam em ótimas condições”, explica Camargo.
A primeira morte em massa das colmeias do assentado ocorreu em 2014, quando, em trabalho de monitoramento, percebeu que havia algo anormal com as abelhas. Naquele ano, ele perdeu suas 30 colmeias, o que correspondeu a cerca de 2 mil quilos de mel não colhidos.
“Estavam passando veneno aqui perto do lote, então fui até as colmeias e vi que as abelhas estavam morrendo. Em questão de duas ou três horas elas estavam todas mortas. E assim aconteceu em 2015, quando também tive perda total, não sobrou nada”, lamenta.
Seu João relata que na região, além de estar cercada pela soja transgênica, a aplicação de veneno de forma indiscriminada tem se tornado uma prática cada vez mais comum. “Não tenho dúvidas que a morte das colmeias é resultado do uso de coquetéis de veneno que aplicam sem critério algum em cima da terra, visando uma única cultura e acabando com a biodiversidade de abelhas, insetos, plantas e animais”, avalia.
Consequências do desaparecimento das abelhas
A polinização é o transporte de pólen de uma flor para outra. Este processo permite a que as flores sejam fecundadas, e a partir daí começa o desenvolvimento de frutos e sementes. Isso ocorre de várias formas, seja pelo vento, água ou borboletas, por exemplo. As abelhas têm uma grande capacidade de polinização. Este tipo de inseto é pequeno no tamanho, mas com uma eficiência e importância grande para a vida na Terra. Sem abelhas há prejuízo, não só na produção de mel, mas em toda a produção agrícola e vegetal, o que compromete de maneira grave a vida em geral.
Problema não é isolado
A mortandade de colmeias também atingiu o assentado Amarildo Zanovello, 48 anos, que tem na apicultura o carro-chefe de sua renda familiar. Ele também trabalha há mais de três décadas com a produção de mel, e hoje toca o cultivo junto a outras duas famílias do assentamento Roça Nova, no município de Candiota.
Ele lembra que em 1999, quando ainda não havia o avanço da soja transgênica na região, colhia em média 65 quilos de mel por colmeia, o que é considerado pelo assentado como altíssima produção. Segundo ele, a média de produção de cada colmeia no Brasil fica em torno de 25 quilos de mel.
“Não tínhamos problemas com venenos, os campos eram livres e tinham muita florada. Mas com a entrada da soja, a partir de 2008, o cenário mudou. Hoje, alcançamos a média de 40 quilos por colmeia, e ainda estamos acima da média nacional. Muitas abelhas acabam se contaminando com venenos quando saem para coletar néctar. Na maioria das vezes, ao voltar para as colmeias, elas contaminam e levam também à morte outras abelhas”, argumenta.
A primeira perda expressiva de abelhas do grupo de trabalho de Zanovello aconteceu entre 2012 e 2013, quando foram perdidas 50 colmeias, o equivalente a duas toneladas de mel. O prejuízo, à época, foi R$ 20 mil. “Fomos colher mel e as abelhas estavam todas mortas. Tenho certeza que foi por causa de veneno. Geralmente, quando acaba o ciclo de vida de uma abelha ela voa longe, não morre perto da colmeia. Tivemos que destruir tudo, pois não deu pra aproveitar o mel”, lembra.
O assentado Elio Francisco Anschau trabalha com produção de mel há mais de dez anos e também está na lista das vítimas dos venenos e da soja transgênica. Recentemente, ele perdeu dez caixas de abelhas. A produção perdida também servia para o consumo da família.
“As mortes são consequências do plantio da soja, que tem aumentado de forma alarmante nos últimos anos aqui na Campanha. As abelhas ainda convivem com os venenos contrabandeados, que são proibidos no Brasil, mas entram facilmente na região por estar localizada perto da fronteira. Por esses fatores, o cultivo de mel não é mais rentável e não dá mais retorno”, lamenta.
Leia na reportagem de amanhã:
Como está a situação das famílias que perderam as colmeias. Engenheiros explicam os prejuízos sociais e econômicos com a morte das abelhas. E ainda, assentados reclamam da falta de fiscalização e políticas públicas para combater o uso abusivo de agrotóxicos.