“Esse golpe não é só contra o mandato de Dilma, mas contra a classe trabalhadora”

Em entrevista, membro da coordenação nacional do MST reforça a importância da mobilização popular.
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Alexandre Conceição da coordenação nacional do MST/ Foto: Allan Sampaio

 

Por Lizely Borges
Da Página do MST

 

Em entrevista o membro da coordenação nacional do MST, Alexandre Conceição, aponta o conjunto de medidas adotadas pelo presidente interino Temer que afetam o povo e reforça a importância de debate e mobilização popular para a construção da resistência.

Qual é a posição do MST diante do governo do presidente interino Michel Temer, um governo que chegou ao poder por meio de golpe parlamentar e não pelo voto?

Depois da admissibilidade do impeachment aceita pelo Senado, o MST reforça seu posicionamento já manifestado em nota: nós não reconhecemos o governo usurpador, ilegítimo e golpista de Michel Temer (PMDB), e seguiremos a luta política junto aos movimentos sociais e Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Buscaremos denunciar nacional e internacionalmente o golpe em curso no Brasil, fazer pressão ao Supremo Tribunal Federal que se mostra a favor do golpe e pressionar senadores para reverter esta situação. Este é um golpe orquestrado pela mídia, pelo Poder Judiciário e pelo grupo coordenado pelo Eduardo Cunha (PMDB). Cunha possui mais poder que Temer. Ele nomeou vários ministros, está com a presidência da Câmara no seu poder.

O MST vem a público para manifestar que não reconhece este governo e para reafirmar que fará luta política para que nos próximos 120 dias de defesa a presidente Dilma possa retornar, mas retornar com nova política econômica, a que a gente elegeu em 2014, uma política que seja de desenvolvimento com distribuição de renda, com as reformas agrária, dos meios de comunicação e política – as grandes reformas que o Brasil precisa. Nós sabemos que teremos dificuldades pela existência de um Congresso liderado por Cunha, mas manteremos a luta em defesa de democracia e do governo Dilma, mas um governo que venha com mudanças profundas.
 

Quais ações adotadas neste curto tempo do governo interino impactam diretamente a classe trabalhadora?

Em menos de sete dias este governo nos levou para os anos 80, quase na ditadura militar, com uso de repressão e perda de direitos conquistados nos últimos vinte anos. Ele rasgou a Constituição de 1988 e diminui, cada vez mais, os direitos dos trabalhadores. Este governo e sua pauta não se elegeriam, por isso tiveram que dar o golpe, para implementar uma política recessiva e repressora. Esse golpe não é só contra o mandato de Dilma, mas contra a classe trabalhadora. Por isso o esforço em reduzir o custo do trabalho, reduzindo os salários, terceirizar para que trabalhadores não tenham direitos a seguro desemprego, FGTS e garantias constitucionais conquistadas desde os anos cinquenta.

Outras ações são as privatizações para que transacionais se apoderem das nossas empresas e riquezas. A privatização da saúde, através do SUS, uma grande conquista da classe trabalhadora. Tentam acabar com o Programa Mais Médico que tem levado médico para as pessoas, sobretudo para os lugares mais distantes, no campo, na cidade, nos morros.  

Na educação tentam acabar com Piso Nacional dos professores e programas como Pronatec, acabar com bolsas de auxílio aos estudantes, avançar na privatização do ensino superior. Um ato recente foi cancelar a aprovação da criação de cinco novas universidades, um dos últimos atos de Dilma antes do afastamento. A previdência social proposta por eles é devastadora, coloca teto de 75 anos para aposentadoria. Após anos sofrendo no cabo de enxada, a trabalhadora e o trabalhador rural precisam esperar até os 75 anos para se aposentar. Um governo que é contra o trabalhador na educação, na saúde, na previdência social.

Também estão em curso as privatizações das estatais, como Eletronorte e Petrobrás, e a entrega do Pré-Sal, com impacto direto na destinação dos royalties do Pré-Sal para educação e saúde [75% destinado para educação e 25% para a saúde].  

Outra questão importante é a relação entre este novo governo, a extinção da Controladoria Geral da União (CGU) e o fim das investigações da Lava-Jato. A GCU passa a integrar o Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle e o ministro é nomeado pelo Temer. O CGU perde independência no trabalho de investigação e combate à corrupção, aquela CGU investigativa acabou. A Lava Jato esfriou e os processos contra Aécio Neves, contra a direita estão sendo arquivados.

E seguindo nos desmontes do governo o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) significa o fim da própria política de reforma agrária, com corte no orçamento e instituições responsáveis pelo ordenamento da terra no Brasil, transformando o MDA numa secretaria nacional que não resolverá o problema da reforma agrária no país. Junto a isso o fim do Ministério da Cultura que vinha fazendo ações importantes na manutenção da cultura camponesa.

Ao fechar estes dois Ministérios, e o das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, este governo deixa claro que tipo de governo quer fazer: machista, autoritário, usurpador e ilegítimo. Nos seus Ministérios não há a representação do povo. Eles querem destruir a identidade cultural do povo brasileiro para implementar uma política entreguista e de interesse de apenas 1% da população.
 

Diante de retrocessos sociais a direitos conquistados pela luta popular, que ações o MST realizará nos próximos meses para se contrapor às medidas adotadas pelo novo governo?

Como movimento, estamos convocando o campo unitário para a construção de novas ações. O MST seguirá fazendo mobilizações principalmente no latifúndio, ocupar e denunciar o golpe que está acontecendo no Brasil, sobretudo para o povo do campo.  Ocupar terras públicas, de golpistas, do presidente usurpador, de ministros que roubaram a nação, o MST fará ocupações denunciando o latifúndio, o golpe, e retomando a pauta da reforma agrária.

Nós tivemos uma super concentração de terra nos últimos dez anos, mais de 100 milhões de hectares foram reconcentrados nas mãos do latifúndio, fruto de uma fraca política da gestão Dilma em combater a concentração de terra, mas vamos retomar a luta pela reforma agrária.

Sabemos que a repressão no campo virá com força, temos ações de despejo no Paraná, onde o povo nos assentamentos e acampamentos está sitiado pela polícia do governador Beto Richa (PSDB), no Pará, no Goiás, em Minas Gerais que sofreu um recente despejo violento sem ordem judicial para reintegração de posse. Vivemos um momento no campo em que, depois do golpe, a bancada do boi, da bala e bíblia se sente a vontade para atuar, alinhada ao Ministério da Justiça e Cidadania, de Alexandre de Moraes, das polícias militares de estados governados por partidos golpista, das milícias contratadas para enfrentar o MST e da CPI do Incra e da Funai que tentam criminalizar os movimentos sociais, indígenas, quilombolas.

Nós enfrentaremos todas as CPIs e a repressão, e venceremos com muita luta e mobilização da classe trabalhadora, construindo no interior do Brasil a Frente Brasil Popular para que a gente possa discutir com a população as contradições e maldades deste governo Temer, e construir junto um projeto popular para o Brasil.