Priorização da soja e outras commodities eleva preço do feijão

Investimento em produtos para exportação prejudica a oferta de alimentos básicos no Brasil.

 

Por Nadine Nascimento
Da Página do MST

O feijão, alimento básico dos brasileiros, vem pesando no orçamento nos últimos meses. O preço do grão subiu cerca de 40% até maio, e as principais causas são as condições climáticas adversas e a concorrência com outras culturas, como a soja, por exemplo. 

 

Só na passagem de maio para junho, período inicial do governo interino de Michel Temer, o preço do feijão-carioca aumentou 16,38%, segundo o IPCA-15. Para tentar reverter o quadro, o governo anunciou recentemente a importação de três países vizinhos: Argentina, Bolívia e Uruguai. Há também a possibilidade de importação do México e da China. 

A produção no Paraná foi a que mais comprometeu a oferta do grão. Responsável por quase um quarto da produção nas três safras, o estado é o principal produtor de feijão do país. A falta de chuva no plantio e depois seu excesso na colheita provocou a queda da primeira safra em 14% e da segunda em 21%. E a terceira safra, mesmo que bem sucedida, não será suficiente para conter o aumento dos preços pelos próximos meses. 

Para Sebastião Aranha, pequeno agricultor e assentado na região de Itapevi, São Paulo, a importação do feijão é uma medida paliativa que não resolve o problema da oferta no Brasil. Segundo ele, o governo não investe em medidas de incentivo à produção nacional do grão. 

“O feijão é uma cultura de alto risco e muita gente acha que não vale a pena investir em sua plantação. É um erro importar de outros países, pois isso desestimula quem produz o feijão aqui, que é a pequena agricultura, o agricultor familiar no assentamento. O governo esperou a crise chegar para criar paliativos. Os movimentos do campo deveriam ser chamados para a criação de incentivos à produção de feijão nacionalmente”, acredita o agricultor.

Segundo Aranha, os pequenos produtores estão preocupados com alta dos preços dos insumos de feijão, e não sabem como será o futuro da oferta do produto no país. “O preço da semente de feijão para a safra que vem está em torno de R$14,00 o quilo. Nenhum agricultor vai conseguir desembolsar esse valor. Nós não sabemos como será o futuro se o governo não nos ajudar com incentivos, como a liberação de recursos para a compra de insumos. Hoje esse casamento do feijão com arroz está difícil de se manter”, afirma. 

O agricultor assentado também critica a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a indicação de Blairo Maggi para o Ministério da Agricultura. “Hoje nós não temos com quem conversar no governo, pois o Temer acabou com o MDA, que era o Ministério que a gente tinha mais diálogo. Além disso, o Blairo Maggi é um grande produtor de soja que não vai pensar no feijão na panela do pobre”, lamenta. 

Commodities 

Na mesma linha, o engenheiro agrônomo e especialista em desenvolvimento agrícola, Gerson Teixeira, destaca a falta de regulamentação do agronegócio como um dos motivos da baixa oferta de feijão nas prateleiras.

 

“Desde a década de 1990 assiste-se o fenômeno de expansão das áreas de commodities para exportação em substituição às áreas de culturas alimentares de base interna. No caso do feijão, a área plantada com a cultura em 2014 foi 2 milhões de hectares menor que a área plantada em 1995. Também não temos mais as políticas de estoques reguladores e estratégicos de alimentos”, afirma o especialista.

Segundo Teixeira, há também uma “debandada” dos agricultores familiares que migram da produção de alimentos básicos para a de commodities. A motivação seria os custeios oferecidos pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que, na safra 2015/2016, se concentraram nas culturas de soja, milho e cana, recebendo em conjunto 73% dos recursos. Enquanto isso, as culturas de arroz, mandioca e feijão, receberam apenas 5%.

 

Para o engenheiro agrônomo, “não há dúvidas que a eventual efetivação do governo Temer até o final do mandato conquistado pela presidenta Dilma tende a agravar esse quadro”. Para ele, a extinção do MDA e a revogação das chamadas públicas de assistência técnica aos pequenos agricultores “não permite qualquer ilusão sobre estratégias de reafirmação e fortalecimento das virtudes da agricultura familiar e camponesa”. 

Para ele, a expectativa “com o governo do golpe”, é uma perda ainda maior de um “projeto de soberania alimentar no Brasil”.

Posição 

 

Em nota, o Ministério da Agricultura afirma que o 9º levantamento de safra da Conab divulgado no último dia 09, estima a safra 2015/16 de feijão em 2,9 milhões de toneladas, 6,1% inferior a anterior. As principais razões seriam as “condições climáticas adversas no plantio e na colheita e também pela concorrência da soja”.

“Essa é uma das menores safras dos últimos anos que adicionada a um “estoque de passagem” de pouco mais de 100 mil tonelada (1/3 do consumo mensal), reduziu significativamente a oferta, o que ocasionou, por via de consequência, a elevação dos preços”, diz a nota. 

Outro fator determinante para a elevação dos preços seria a inexistência de um estoque do governo, o que garantiria a oferta de produto no caso de baixa produção. Hoje, segundo o Ministério, o estoque não chega a 500 toneladas, quantidade considerada irrisória.