Em festival, camponeses contam histórias de resistência e amor pela terra
Por José Eduardo Bernardes
Do Brasil de Fato
A ligação de Robson dos Santos Almeida, 31 anos, com a terra é longa. Desde os seis anos de idade, o militante se embreava pelos mangues de Sergipe para pegar caranguejos que teimavam em se esconder na lama. Mesmo sem abandonar os velhos ensinamentos, foi na agricultura, trabalho que se dedica há seis anos, que encontrou uma nova vida. “Consegui minha terra lutando com o movimento. Foi uma coisa muito especial que nós conseguimos. É na terra que crio meus filhos, meus animais, é onde tiro meu sustento”, conta.
O jovem agricutor é membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) há dez anos e vive no assentamento “17 de abril”. Ele viajou duas noites e um dia até chegar, nesta quarta-feira (20), a Belo Horizonte (MG), onde participa do Festival Nacional de Artes e Cultura da Reforma Agrária, organizado pelo MST.
Das terras sergipanas, ele chegou à capital mineira com muitos de sesu produtos: mamão, coco, feijão de corda, cará, abóbora, laranja, tangerina e até caranguejo para expor e comercializar durante os cinco dias de festival. “A feira é importante porque podemos apresentar nossos produtos, as coisas que a gente planta e colhe o ano todo”, destaca o agricultor.
Além de Almeida, cerca de 1.500 sem-terra participam do festival em Belo Horizonte. Júlia Farias, agricultora de 52 anos do Rio de Janeiro está entre eles. São 11 anos de militância no MST, nove deles vivendo no assentamento Roseli Nunes, no município de Piraí, no Sul Fluminense.
Júlia produz ervas medicinais e produtos fitoterápicos obtidos através da combinação de ervas. “A reforma agrária é muito mais do que arroz e milho. Esse é um trabalho muito importante de resgate de uma cultura. Os fitoterápicos são uma ligação com nossos ancestrais”, lembra.
A agricultora comemora a chance de mostrar seus produtos para tantas pessoas que participam da feira. “É um privilégio divulgar a reforma agrária, a nossa cultura, que é tão diferente em cada lugar, como no Sul e no Nordeste. Somos uma família espalhada por todo o Brasil”, disse.
Apesar de ser a referência para os tratamentos medicinais no assentamento, Júlia destaca que ainda existe uma barreira para que os medicamentos fitoterápicos se consolidem no país. “As ervas demoram para fazer efeito e as pessoas querem remédios de ação imediata. O fitoterápico tem um caminho mais demorado, mas tem um efeito muito melhor”, afirma.
“Nossa luta não é só contra os medicamentos, mas contra os grandes laboratórios farmacêuticos. Geralmente os médicos receitam automaticamente esses medicamentos de laboratórios e nós lutamos para provar que nossos produtos também podem concorrer com esse mercado”, conclui Júlia.
Arte e luta no campo
A militante do setor de cultura do MST, Guel Oliveira, explica que estes cinco dias são importantes para mostrar que, além de arte, o movimento quer propor uma nova maneira de se viver. “O Festival é mais que uma ação de luta, de ocupação. É importante ocupar a terra, mas também mostrar um novo modelo de vida, como a produção de alimentos saudáveis, por exemplo. É mais uma trincheira do Movimento, que aponta novos caminhos, para um novo projeto de sociedade”, diz a militante.
A arte também está intrinsicamente ligada à luta camponesa, diz ela. “A cultura tem o cheiro da vida, que nos transforma e leva a quem visita a feira o nosso projeto de transformação. É uma reflexão que se traduz na prática”, aponta.
O momento político do país também trouxe à tona um importante movimento de artistas, que se posicionaram politicamente em seus shows e declarações públicas. E isso se reflete, segundo Guel, na formação do que é hoje o festival. Artistas como Xangai, Chico César, Aline Calixto e Titante, estão confirmados na programação. “A presença destes artistas aqui no Festival é uma possibilidade de organização desse posicionamento político”, diz. “Existe uma conjuntura de golpe no país e isso deixou em evidência essas ideias que convergem com nossa posição política”, pontua.
Guel revela ainda que o festival “espera deixar claro que o Movimento atua em diversas frentes, da ocupação de espaços, como a Praça da Estação [uma das sedes do evento] que é um local de luta, com integração entre os movimentos LGBT, negro e a juventude, como o Levante, por exemplo”.
Fotos internas: José Eduardo Bernardes
Edição: Simone Freire