Festival debate o papel dos meios de comunicação e a ameaça à democracia
Por Maria Aparecida
Da Página do MST
Fotos: Leandro Taques
O que seria, de fato, a democracia? E será que ela existe mesmo no Brasil? Estes foram os questionamentos que Ana Cláudia, do Coletivo Intervozes, trouxe no seminário “Comunicação: mídia e a ameaça à democracia”, nesta sexta-feira (22), realizado durante o Festival de Arte e Cultura da Reforma Agrária, que acontece entre os dias 20 a 24 de julho, em Belo Horizonte (MG).
Para ela, ainda é bem difícil falar em democracia no país, já que todo o processo de democratização é ainda muito recente. “O que entendemos de democracia vem sendo confrontada constantemente na atual conjuntura, isso que nem chegamos construir, consolidar uma. Por isso, a primeira questão é se vivemos mesmo numa democracia”.
Em seguida, entrou no debate sobre os meios de comunicação em relação ao processo democrático brasileiro, lançando mão de outra questão: “é possível viver num ambiente democrático em que as pessoas não têm voz ou acesso aos meios porque apenas uma pequena parcela os detêm?”
Para ela, os meios de comunicação de massa no Brasil assumem completamente a posição de grandes grupos econômicos, que dominam a economia e os meios de produção. “Nesses momentos de polarização política, a gente percebe mais como os meios de comunicação se comportam, para onde vão. O exemplo mais claro disso é quando a Rede Globo toma posição a favor do impeachment da Dilma e passa a funcionar como mobilizadora desse processo, escancarando essa opção muitas vezes”, relata.
Enquanto isso, poucos são os processos em que os meios de comunicação populares conseguem contrapor estas ideias. “Em 2013, a Mídia Ninja conseguiu isso, produzindo diversos materiais de questionamento aos grandes veículos de comunicação, mostrando o outro lado, de violação de direitos humanos, entre outros. Foi um momento importante para os meios de comunicação populares”, acredita.
Cláudia comentou a inexistência de formas de regulação dos grandes meios de comunicação no Brasil, já existente em vários outros países, e por isso muitos são os direitos cerceados dos trabalhadores. Um exemplo de uma democratização destes meios seria a regulação econômica, que impediria a propriedade cruzada dos meios de comunicação, além da regulação de conteúdo da programação, que garantiria uma punição quando houvesse uma violação de direitos humanos.
“Por enquanto, o que temos é apenas a discussão sobre Classificação Indicativa. Mesmo assim, quem determina se assiste ou o que assiste é a família. Os programas policiais são outro exemplo, que não conseguimos criar meios de controle porque são considerados jornalísticos, e nesses não se pode mexer”, comentou Cláudia.
Educação, Cultura e Cidadania
Em contrapartida, Elias Santos, da Rádio Inconfidência, trouxe a experiência da emissora pública que está no ar há mais de 80 anos, e que busca trabalhar com três principais pilares: educação, cultura e cidadania.
Para ele, “a comunicação é algo inerente ao ser humano, mas é também algo de poder. Por isso, precisamos trabalhar a legislação para que mais rádios comunitárias e públicas possam ser criadas e se desenvolverem”.
Elias acredita que a apropriação dos meios de comunicação é algo fundamental para que seja construído um projeto para a classe trabalhadora. “Vimos nos últimos três anos um crescimento da ofensiva do sistema conservador. Há que se construir caminhos não apenas relacionados às questões técnicas, mas também de conteúdo e político”, disse.
Para ele, “a comunicação é algo que deve ser discutido nas escolas. Tem que botar os meninos para colocar a mão na massa. Conhecendo o processo, a criança e o adolescente passam a ser mais críticos com o produto final”, pontuou.
Mayrá Lima, do setor de comunicação do MST, fechou o seminário trazendo questões sobre a importância da construção de narrativas contra hegemônicas, e como elas impactam no nosso fazer cotidiano.
Para ela, é fundamental “a disputa de hegemonia na promoção de cidadania, na disputa ideológica e para uma maior intervenção na esfera pública, numa perspectiva de atuação, produção e reprodução da cultura criada pela classe trabalhadora. Porque é através da mídia que subjetividades coletivas são criadas”.
Segundo Mayrá, a determinação do que é e do que não é notícia não são decididos apenas por opções ou técnicas jornalísticas, mas, principalmente, por questões políticas, do “pequeno grupo que comanda e controla os meios”.
Neste sentido que os movimentos populares precisariam pensar a comunicação como processo fundamental de formação e desenvolvimento.
Legislação
Sobre a legislação de rádios comunitárias, Mayrá enfatizou a necessidade de repensar o modelo atual, a partir da divisão territorial dos assentamentos. “A legislação atual não pensa a vida no campo, não leva em conta que o raio de 1 km exigido para a liberação de uma rádio comunitária pode nem chegar no seu próximo vizinho”.
Por fim, Mayrá lembrou que temos poucos materiais produzidos sobre os impactos econômicos dos meios de comunicação de massa nas comunidades. “Temos vários sobre os impactos ideológicos, mas não sobre os econômicos. Talvez seja interessante pensarmos e fazermos mais coisas sobre isso. Temos que avançar no debate, ele não pode ser renegado a segundo plano”.