“A História tem a dinâmica de ascenso e descenso para a classe trabalhadora”, aponta liderança
Por Lizely Borges
Da Página do MST
A presença de cerca de 2 mil pessoas na manhã desta segunda-feira (29), em frente ao Senado Federal, em Brasília-DF, não teve como objetivo único o acolhimento a Dilma Rousseff na ida da presidenta à casa legislativa para fazer a autodefesa no processo de julgamento do impeachment no qual é ré. Representantes de movimentos populares, centrais sindicais, organizações de defesa dos direitos humanos e manifestantes em geral afirmam que estavam ali também em defesa da democracia, independentemente do resultado do julgamento.
O ato organizado pela Frente Brasil Popular é parte do conjunto de mobilizações realizadas por todo o país desde o aceite, em 02/12, ao pedido de impeachment elaborado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal pelo então presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha (PMDB).
“Estamos fechando um ciclo de lutas intensas pela democracia. Esperamos que a votação seja favorável à manutenção da democracia, e se assim não for cabe a nós, movimentos populares, seguir com a luta histórica pelos direitos da classe trabalhadora contra um governo ilegítimo. Para nós, sobretudo a luta pela Reforma Agrária Popular”, aponta Alexandre Conceição, membro da coordenação nacional do MST.
Vindas de várias regiões do país, em movimento crescente, e alojadas desde domingo no Acampamento Nacional pela Democracia, localizado ao lado do Estádio Nilson Nelson, as e os participantes do ato, concentrados ao lado esquerdo do Congresso Nacional, buscavam alternativas à falta de uma infraestrutura adequada, como um telão, para acompanhamento da sessão em tempo real. Em rodas, cercavam caixas de som improvisadas ou celulares mais potentes. Reagiam com choro, gritos de guerra ou silencio às falas feitas pelos julgadores do processo.
Compreensão do cenário adverso
Dilma é acusada de assinatura, em 2015, de três decretos de abertura de créditos suplementares e atraso de pagamento de parcelas ao Banco do Brasil referente à subsídios do Plano Safra, as mencionadas pedaladas. Segundo argumentos da acusação, a presidenta feriu a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Em julho, o Ministério Público Federal (MPF) concluiu que o não pagamento das parcelas não se configuram como operação de crédito, ou seja, não significa um empréstimo não pago e pediu o arquivamento deste processo. Sobre a assinatura dos decretos a defesa da presidenta argumenta que revisão em outubro da prática pelo Tribunal de Contas (TCU) foi realizada posteriormente à data de assinatura dos decretos, nos meses de julho e agosto. Com a manifestação pelo Tribunal o governo passou a adotar outra postura e não emitir mais decretos. A regra do TCU não pode, então, ser aplicada de forma retroativa. A defesa também argumenta que a ação não impactou na meta fiscal porque houve remanejamento de despesas para orçamento já aprovado pelo Congresso. Mesmo com manifestação pelo MPF, por organizamos internacionais, chefes de nação, o processo de impedimento seguiu adiante no Congresso.
Diante do ação de seguimento ao processo pelo governo federal e base aliada, há, por parte dos movimentos populares presentes, o reconhecimento do cenário adverso para o resultado final do processo de julgamento. Conforme estabelece a Lei de Impeachment (1.079/1950), para a destituição da presidenta é necessário somar 54 votos favoráveis entre os 81 senadores. Ou seja, dois terços do Senado. Na votação realizada em 11 de maio pelo Senado para análise da abertura do processo de impeachment pela Casa, 55 senadores manifestaram voto favorável e 22 votos contrários.
As lideranças de organizações pontuam que, mesmo com a ação dos movimentos populares para ampliação do debate público, após a votação de maio, sobre as motivações do impedimento e impactos do ascenso ao poder de um governo sem legitimidade nas urnas, como também as articulações realizadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) na tentativa de reverter em votos contrários ao impeachment os parlamentares indecisos, dada a composição das bancadas no Congresso e seu alinhamento ao programa apresentado pelo presidente em exercício, Michel Temer (PMDB), o quadro é de difícil reversão.
“Apesar de termos um cenário que não é favorável, extremamente difícil porque metade dos senadores são indiciados, em processo de investigação avançada, pessoas que estão julgando alguém que comprovadamente não cometeu crime, eles querem a garantia para seguir impunes”, destaca Anderson Amaro, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
Ascensos e descenso nos direitos sociais
Os movimentos populares têm denunciado, em atos e à imprensa, os retrocessos no campo dos direitos sociais resultado das medidas adotadas nos últimos três meses pelo presidente em exercício. Nesta crítica, citam a extinção de Ministérios e de programas, como Ciência sem Fronteiras, o desmonte da política agrária, a apresentação de propostas que fragilizam as políticas sociais básicas, como a Proposta de Emenda Constitucional 241/2016, proposta por Temer em maio deste ano no qual estabelece um novo regime fiscal para gastos com saúde e educação.
Embora o cenário seja de preocupação para os movimentos, não apenas com o presente, mas o que ele diz sobre o futuro, Anderson destaca que a história é intercalada por fases de avanços e retrocessos no campo dos direitos das e dos trabalhadores. “A história tem a dinâmica de ascenso e decesso para a classe trabalhadora, sempre tivemos capacidade de resiliência e não será agora que não teremos caso se consolide o golpe, como é a probabilidade maior que aconteça”, diz.
Ele cita a história recente de luta pela efetivação dos direitos de camponeses, com importante papel desempenhado pelos movimentos populares: “Quando se constituiu as Ligas Camponesas para luta pelo acesso à terra, logo depois você tem a repressão aos camponeses. E mesmo na ditadura militar, no momento de maior repressão, surgem forças importantes de resistência como o próprio MST, CUT e PT”.
Opinião semelhante é a da militante da coordenação nacional do Movimento de Mulheres Campesinas (MMC), Iridiane Seibert: “a luta é permanente e o nosso lado na história sempre vai ser ao lado da defesa da democracia e da classe trabalhadora. É preferível estar ao lado de uma derrota temporária do que estar ao lado de uma vitória que não nos represente, que não é o lado que traz direitos. Nossa luta, a do campo, se fortaleceu num período muito duro que foi a ditadura, a gente vai continuar mobilizados para defender a democracia”, comenta.
Para a liderança um exemplo que sinaliza o avanço da pauta de direitos sociais em contexto adverso é a efetivação da previdência rural, pauta importante para a trabalhadora e o trabalhador do campo. “No início dos anos 90, no período de homologação da previdência como lei, no governo de Fernando Henrique (PSDB), já veio a primeira proposta de reforma da previdência que impactava direitos ainda nem efetivados. Houve acampamentos nacionais e os movimentos não permitiram a reforma”, recorda.
Por fim, Iridiane destaca o retorno desta pauta no discurso de Temer: “Vem com a mesma perspectiva que teve no início dos anos 90 e 2000. O que se coloca para gente é a necessidade de resistência para não permitir retirada de direitos fundamental ao trabalhadora e trabalhador rural”, destaca.
Anderson relembra a greve dos petroleiros em 1995 em oposição à política neoliberal do governo FHC. Com forte discurso de desprestígio da Petrobras e ameaça de falência, mais de 90% da categoria paralisou as atividades por todo o pais na maior greve de sua história. Uma parcela significativa de trabalhadores foi demitida e a categoria sofreu intensa repressão e criminalização pública. A resistência da categoria impediu a privatização e fortalecimento da estatal e os trabalhadores demitidos foram reintegrados.
*Editado por Rafael Soriano