PEC 241: Estado não indutor do desenvolvimento social, recurso público para quem menos precisa
Por Lizely Borges
Da Página do MST
Movimentos populares vinculados à luta pela terra, pelos direitos de povos quilombolas e indígenas apontam que a aprovação da PEC 241/2016 resultará na aceleração do desmonte da já frágil política agrária e reafirmação do compromisso governamental com o agronegócio. Para os movimentos e organizações, o congelamento do orçamento destinado à políticas básicas deve retardar o acesso à terra, dificultar as condições de permanência nas áreas e fragilizar a concepção do Estado como garantidor dos direitos sociais.
“A PEC 241 é o caminho do governo ilegítimo para desmontar os direitos e garantias dos trabalhadores. Na reforma agrária, com orçamento para 2017 de R$ 204 milhões para obtenção de terras, e com esse valor congelado por 20 anos, o governo assentará no máximo 300 famílias por ano”, denuncia o integrante da direção nacional MST, Alexandre Conceição.
Alexandre ainda destaca que a medida retardará o acesso à terra pela população campesina ao mesmo tempo em que haverá o aumento da demanda: “Com esse orçamento levará 20 anos para assentar seis mil famílias. Hoje somos mais de 120 mil famílias acampadas. Com o arrocho, o desemprego se intensificará e teremos maior procura e luta pela terra”.
De forma semelhante o coordenador nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), Denildo Rodrigues de Moraes, problematiza o orçamento destinado à titulação de terras quilombolas, uma das principais bandeiras dos povos originários. Com orçamento para 2016 de RS3 milhões, o valor está distante de atender à demanda que implica a destinação de R$ 400 milhões para atendimento às 5 mil comunidades quilombolas. Destas apenas 200 comunidades tem finalizado o processo de titulação.
Sobre a PEC 241
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, que fixa teto para gastos com despesas primárias, foi aprovada na noite desta segunda-feira (10) em 1ª sessão na Câmara de Deputados. Após um conjunto de articulações desenvolvidas desde a apresentação da Proposta, em maio desde ano, pelo presidente Michel Temer (PMDB) e base aliada a fim de garantir apoio à matéria e celeridade no processo de tramitação, a PEC foi aprovada com 308 votos favoráveis, 111 contrários e 02 abstenções. Por se tratar de uma emenda à Constituição Federal são necessárias duas votações favoráveis na Câmara e no Senado Federal.
Central ao projeto empreendido pelo novo governo e alinhada ao documento apresentado pelo PMDB em outubro de 2015, nomeado de Ponte para o Futuro, a PEC vale-se do argumento de necessidade de novo ajuste fiscal para equilíbrio das contas públicas. Para isto, o orçamento anual dos três poderes, além do Ministério Público da União, da Defensoria Pública da União e do Tribunal de Contas da União, é definido a partir das despesas do ano anterior, reajustado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA).
Na prática, resulta que a despesa com a execução das políticas públicas passa a ter um teto, com correção apenas pela inflação, independentemente de aumento das demandas sociais e melhora da situação econômica do país, pelo aumento da receita. Isto porque a PEC, válida por 20 anos, prevê que apenas no 10º ano o governo pode apresentar nova base de cálculo, e propor a desvinculação entre o aumento do orçamento e a inflação.
Por pressão da bancada de oposição ao governo e movimentos populares, a medida não incidirá sobre despesas em educação e saúde para orçamento de 2017. Estes dois setores só passam a obedecer ao limite a partir de 2018. Assim, a previsão constitucional de destinação de percentual mínimo de arrecadação da União para as áreas da educação (18% da arrecadação federal) e da saúde (aumento escalonado, de mínimo de 13,2% em 2016) deixa de valer.
A destinação do enxuto orçamento permanece como atribuição do Executivo e Legislativo Federal. Com reduzida bancada de defesa dos direitos humanos nas duas casas legislativas em oposição à numerosa bancada ruralista e religiosa, os movimentos campesinos manifestam preocupação com a diminuição do Estado nas políticas públicas e a destinação do recurso federal.
“O orçamento já está decidido pelos poderes que estão aí. Vai ser para quem menos precisa. (…) Com cortes em educação, saúde, aposentadoria, o Estado não vai ser indutor do desenvolvimento porque vamos ter menos investimento estatal. Nenhum país se desenvolveu adotando medidas como o corte em gastos sociais”, aponta o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Frei Sérgio Gorgen. “A gente sabe onde os recursos públicos serão reduzidos. Na camada mais pobre a população, na carne negra. Com o Congresso que temos, com maioria composta de latifundiário, ele decidir o uso do recurso público é como colocar raposa para tomar conta do galinheiro”, reforça Denildo.
O dirigente dos pequenos agricultores destaca que o fato do governo não buscar alternativas para aumento da receita, como taxação das grandes fortunas ou a auditoria da dívida pública, evidencia com quais setores a gestão está comprometida. “O setor de agrotóxico paga zero de impostos na comercialização, a Lei Kandir isenta de impostos os produtos voltados para a exportação. Quem ganha são as grandes exportadoras como Bunge, Cargil, Vale. Se taxassem estas empresas você já começaria a recuperar a economia. Com essa medida são os trabalhadores que vão trabalhar para garantir o lucro de banqueiros nos próximos anos”, complementa Sérgio.
Ofensiva progressiva contra o campo e floresta
As medidas adotadas pelo governo Temer desde o afastamento de Dilma Rousseff, em 12 de maio, já apontavam para o desmantelamento progressivo da política agrária. As políticas públicas que já viviam contexto de fragilidade foram ainda mais impactadas com a extinção, no mesmo mês, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o relocamento das políticas da pasta para a Casa Civil.
Sob mesma lógica estão em curso a aprovação de leis para flexibilização do uso de agrotóxicos (PL 3200/2015), de autoria de Covatti Filho (PP/RS), e retirada das restrições para aquisição de terras por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras. Esta última é um projeto de lei de autoria da Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento Rural da Câmara de Deputados.
A Comissão é composta por 52 membros, sendo ao menos 35 com ligações com setores conservadores. A CPI sobre o Incra e Funai, finalizada em agosto e reaberta neste mês por esforço da bancada ruralista, também atua para a intromissão do Congresso e fragilização das instâncias responsáveis pela reforma agrária e demarcação de terras indígenas.
No entanto, com aprovação da PEC 241 não apenas as pautas mais visíveis da luta pela terra e pela floresta são fortemente ameaçadas. O secretário executivo da Conselho Missionário Indígena (Cimi), Cléber Buzatto, ressalta que as políticas de atenção à saúde dos povos indígenas e à educação indígena se colocam em risco. “Uma vez que os recursos passam a ser limitados estas políticas sofrerão impactos negativos”.
Denildo também destaca as possíveis áreas ameaçadas com a medida. “Ainda que chegue com dificuldade às comunidades quilombolas os serviços de saúde, educação e ações voltadas à produção agrícola devem ser afetados. É prejuízo das conquistas de anos”, diz.
Eles apontam o aumento da violência na disputa pelas terras como consequência da diminuição do estado na garantia das políticas públicas básicas. “Com o estrangulamento do órgão indigenista responsável pela demarcação das terras, a Funai, e a inviabilização da gestão, pratica e qualquer avanço na demarcação de terras teremos uma potencialização dos conflitos e violência contra os povos indígenas. Já vimos observando esse cenário e com a PEC tende a aumentar”, problematiza Cléber.
Ausência do debate
Parlamentares de oposição, institutos de pesquisa e movimentos populares têm denunciado a tentativa da base governista em acelerar a tramitação do projeto de lei sem o devido debate público à altura da complexidade dos impactos sociais. Durante a votação em 1º turno na Câmara, o deputado federal Glauber Braga (Psol-DF) questionou as manobras regimentais do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na condução da sessão para anular os requerimentos apresentados pela minoria para que a Casa tivesse mais tempo para apreciação da matéria. “O que se quer é uma manobra regimental para garantir uma votação mais acelerada da PEC 241”, diz.
“A pressa em aprovar a PEC 241 já deixa pairar sobre ela a grave sombra da suspensão. Por que aprovar uma PEC que incide na Constituição e nas políticas públicas a toque de caixa? (…) É importante que a população brasileira compreenda a gravidade do que estamos discutindo”, complementa o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG).
O 2º turno para apreciação da PEC pela Câmara está marcado para dia 24 deste mês. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RJ) afirmou no dia seguinte à votação que a PEC terá tramitação rápida, com previsão de encerramento do trâmite legislativo em dezembro deste ano.
*Editado por Iris Pacheco