Cultura Sem Terra conquista o interior de Minas Gerais
Por Geanini Hackbardt
Da Página do MST
Campo do Meio, uma cidadezinha de 12 mil habitantes no cantinho do sul de Minas Gerais, se encantou com a arte dos trabalhadores Sem Terra durante o 1º Festival de Cultura Campesina.
Realizado nos dias 22 e 23/10, o evento levou para a Praça da Matriz da cidade a diversidade de linguagens, expressões e cores que compõem a Reforma Agrária Popular. Por lá passaram cerca de 2 mil pessoas durante os shows, peças de teatros, mostra fotográfica, debates, feira de alimentos saudáveis, entre outras atividades.
“Traduzimos para os trabalhadores da cidade todos os elementos que compõem nosso projeto. Desde a luta pela terra, pela educação do campo e por dignidade, até a produção musical, poética e de alimentos saudáveis. Um canto por terra, arte e pão, entoado por cerca de 120 militantes que se envolveram na construção desses dois dias de festa”, avaliou Bruno Diogo, da direção estadual do setor de produção do MST. A Feira da Reforma Agrária e a Culinária da Terra entregaram mais de uma tonelada de alimentos direto das mãos dos produtores para o mercado local.
Toda a programação configurou num grande ato político que evidenciou o resultado da resistência dos trabalhadores que por 18 anos acamparam na Usina Ariadnópolis, e agora estão assentados na área de Primeiro do Sul e Santo Dias.
“Comemoramos as conquistas geradas pela ousadia dos trabalhadores Sem Terra nessa região de Minas Gerais, uma região historicamente dominada pelo latifúndio, que mais recentemente tem sido dominada pelas empresas do agronegócio”, explicou Silvio Netto, da direção estadual do MST.
O primeiro de muitos
O MST pretende realizar eventos semelhantes em pelo menos seis regiões das nove em que está presente em Minas Gerais.
“Nossa intenção é realizar muitos outros momentos como este. Estamos mostrando que o MST não apenas produz nas terras que o latifúndio abandonou, mas também tem o dever de ocupar as cidades, mostrar que sem a Reforma Agrária, agricultura camponesa e cultura popular não é possível que o povo tenha dignidade. Teremos muitos outros festivais nas praças, na roça, em Campo do Meio, em Alfenas e em Belo Horizonte”, projetou Silvio.
O Teatro conta a história
Diversas apresentações cênicas fizeram parte da programação, como o Grupo Máscaras, o Circo Amarelou e os Sapucaiaços, que uniram música e bom humor.
Durante a aula inaugural da Escola Estadual Eduardo Galeano, o Grupo Máscaras divertiu os estudantes com a peça A Cor Flicts, baseada no livro de Ziraldo. O diretor do grupo, Alberto Emiliano (conhecido como Preto) foi homenageado como um guardião da cultura caipira do sul de minas.
“Ele criou o Máscaras e trouxe até nós. O teatro não é novidade na vida do povo Sem Terra do sul de Minas. Preto foi o grande responsável por essa popularização, por isso a justa homenagem”, explica Silvio Netto.
Já as místicas realizadas pelos militantes do Movimento contaram a história do Quilombo Campo Grande, um processo de resistência negra que dominou uma extensão territorial maior que Palmares, entre as regiões do Alto São Francisco, Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro, Centro e Sudoeste de Minas. O quilombo, coordenado por um agricultor chamado de Pai Ambrósio, chegou a ter 15 mil habitantes em 25 vilas confederadas, nas quais além de negros, se refugiavam índios e brancos pobres.
“A nossa regional foi nomeada como Quilombo Campo Grande como forma de reescrever esta história apagada dos livros. A cultura também tem esse papel, de trazer ao povo a memória de luta que o capital esconde. Foram muitos os ataques da coroa àquelas comunidades e o povo enfrentou com muita garra, assim como os Sem Terra fazem em Ariadnópolis”, compara Maysa Mathias, militante do MST, negra e organizadora do festival.
Para Hadd Dalton, do Grupo Sapucaiaços, arte, vida e política não se dissociam. “Não tem como relacionar o teatro, a arte, com a vida/luta dos movimentos sociais sem pensar na frase do Bertolt Brecht, onde ele fala: todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver; e o que é viver, senão lutar.”
Segundo o contador, esses espaços são de grande aprendizado. “Foi nos movimentos populares, na luta e nas rodas, que encontrei as melhores histórias e causos, cantei as melhores bandeiras, e aprendi com ambos, que participação social é a arte de viver e que a partir da cultura eu faria política.”
Esperança
Apesar da festividade, o conflito de terra mais antigo de Minas Gerais – Ariadnópolis – ainda não foi solucionado. O Governo do Estado já deu prosseguimento no processo de desapropriação das terras da Antiga Usina. No entanto, ele está parado, aguardando decisão do judiciário. “O festival também vem no sentido de demarcar que nos despejar é despejar toda essa cultura”, assinalou Silvio Netto.
“Saímos da sede em um acordo, na esperança de que a justiça tivesse uma solução definitiva, mas essa demora é uma tortura para todos nós. Por quantos anos mais teremos que esperar e aguentar as provocações e ameaças dos jagunços, faltando apenas uma decisão de um juiz”, cobrou Fátima Meira, da direção regional do Movimeto.
Segundo a coordenadora, o Quilombo Campo Grande resiste, como seus antepassados o fizeram. Mas para fazer justiça a essa história, as terras precisam tomar o caminho que lhes é devido: a desapropriação.