Escolas do campo: “fechá-las é engrossar o cinturão de miséria das grandes cidades”

Tema é pauta de audiência pública em Comissão da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul

 

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Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Fotos: Leandro Molina

Segundo informações do Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (CEED), em média, 4 mil escolas do campo são fechadas anualmente no Brasil.

Ainda em nível nacional, ocorreu o fechamento de 40 mil instituições de ensino nos últimos anos – em 1990 eram 225 mil escolas, hoje são 185 mil, conforme dados do Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep). Já no estado gaúcho, desde 1995 foram fechadas 780 escolas no meio rural, passando de 3.350 para 2.570 instituições.

Estes números foram apresentados nesta segunda-feira (29), em audiência pública da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa (AL/RS), para debater a atual situação das escolas do campo. O evento coordenado pelos deputados Adão Villaverde e Zé Nunes, ambos do PT, com o apoio de outros parlamentares, reuniu comitivas da comunidade escolar de todas as regiões do estado, além de representações dos povos indígenas e de movimentos populares.

Na audiência, o educador e integrante do Coletivo Estadual de Educação do MST, Ivori de Moraes, relatou a preocupação dos trabalhadores Sem Terra em relação ao futuro das escolas localizadas em áreas de assentamentos, que também sofrem com a falta de infraestrutura e correm risco de serem fechadas.

“Se há menos de 50 alunos, as escolas já começaram a entrar nesse processo de não receberem mais recursos, não terem mais biblioteca, nem setores. Ainda há a ameaça de junção de turmas. E se não abrirmos novas turmas, a médio prazo, mais escolas do campo serão fechadas”, alertou.

Moraes reforçou ainda a necessidade de uma educação diferenciada, que incentive os alunos, desde a educação infantil, a permanecerem no campo. “Queremos uma agricultura que produza alimentos saudáveis, que o agricultor tenha uma outra postura de vida e outro modo de se relacionar com as pessoas e a natureza. Mas esse novo agricultor precisa ser formado desde a infância”, completou.

Seguindo o posicionamento de Moraes, foram feitas inúmeras denúncias de precariedade das escolas do estado e sucateamento da Educação Pública. Esses fatores, segundo os participantes, acabam prejudicando toda a comunidade escolar, mas principalmente os alunos, e o futuro da agricultura familiar e camponesa, uma vez que a atual situação motiva o fechamento das instituições e, consequentemente, a evasão rural.

“As escolas são importantíssimas para assegurar os jovens no campo, por isso devem ser muito valorizadas. Fechá-las é sinônimo de engrossar o cinturão de miséria das grandes cidades, é tirar o alimento da mesa daqueles que mais precisam. E se a educação é um direito de todos, temos, sim, que sair às ruas e exigir a fiscalização da Assembleia Legislativa, para que o governo estadual cumpra a Constituição”, apontou Helenir Schürer, presidente do Sindicato dos Professores dos RS.

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Além de receberem seus salários parcelados pelo nono mês consecutivo do governador José Ivo Sartori (PMDB), os educadores da rede estadual de ensino também relataram a insegurança que sentem em sala de aula.

“Não sabemos qual colega será transferido ou perderá a sua função amanhã. Vivemos na insegurança e um sucateamento que acaba interferindo diretamente na relação pedagógica dos professores e em nossos alunos. Quando isso acontece, nos perguntamos como será o futuro”, comentou José Alfeu, filósofo e diretor de escola do campo em Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte gaúcho.

Esta é a mesma preocupação do estudante Léo Richert, de 14 anos, também de Santo Antônio da Patrulha. “Há coisas que o governo Sartori está fazendo e que não são corretas, como o parcelamento do salário dos professores. Se não fossem eles, não existiriam as outras profissões. Eles trabalham o dia inteiro e quando chega o final do mês ainda recebem parcelado”, destacou o educando.

Escola Sem Partido

O fechamento das instituições de ensino e o sucateamento da Educação foram apenas algumas das preocupações socializadas pelos representantes da comunidade escolar. Durante a audiência, também foi criticada a proposta &”39;Escola Sem Partido&”39;, que está sendo analisada em Comissão Especial na Câmara dos Deputados e envolve pelo menos cinco Projetos de Lei. Entre eles está o PL 876, de autoria do deputado Izalci (PSDB-DF), que proíbe professores de propagarem ideias políticas ou religiosas em sala de aula.

“Me sinto atacado ao ver que a filosofia parece ser a causa do mal das escolas, segundo a Lei da Mordaça, por meio da qual querem calar os professores e estudantes ao criarem uma Escola Sem Partido”, desabafou Alfeu.

Contraponto

Atualmente, o RS tem 657 escolas no campo que pertencem à rede estadual de ensino e atendem mais de 57 mil alunos. O secretário de estadual de Educação, Luís Antônio Alcoba de Freitas, também participou da audiência e disse que o Estado tem se esforçado para melhorar os espaços físicos das instituições. Além disso, reforçou que não há uma política de fechamento das escolas.

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Segundo Freitas, a orientação repassada pela Seduc às Coordenadorias Regionais de Educação é que, se houver algum tipo de intervenção nesse sentido, que seja dialogado com as comunidades e os educadores. Ele afirmou ainda que é “constrangedor não conseguir, sequer, pagar o salário dos professores em dia”, e atribui essa medida do governo à situação financeira do Estado. “Lamentamos o parcelamento dos salários, situação extremamente constrangedora, mas é a realidade que nós estamos vivemos”, complementou.

Encaminhamento da audiência

O deputado Villaverde sugeriu a participação da comunidade escolar, do Sindicato dos Professores do RS e da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs) em uma comissão emergencial para tratar a situações das escolas do campo com a Secretaria Estadual de Educação. Entre as pautas a serem debatidas está a criação de um Departamento de Escolas do Campo, no âmbito da Seduc.