João Pedro Stédile comenta encontro dos movimentos populares com Papa Francisco
Por Geraldine Colotti/jornal Il Manifesto
Teve início nesta quarta-feira (03) e segue até o próximo sábado, no Vaticano o terceiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares, convocado pelo Papa Francisco sobre os temas: Tierra, Techo y Trabajo – terra, casa e trabalho.
Em entrevista, o dirigente nacional do MST, João Pedro Stédile, fala sobre a expectativa dos movimentos populares com o encontro.
Stédile conta que, desde que assumiu o pontificado, Francisco manifestou “a vontade de construir uma ponte com os movimentos populares, os trabalhadores excluídos, os povos nativos, os indígenas, e pessoas de todas as etnias e religiões para analisar os graves problemas da humanidade que afligem a maioria da população”.
Para ele, o encontro é importante porque vai permitir aprofundar o debate sobre o tema da falsa democracia e o fracasso dos Estados nacionais, que se impõe com o avanço do neoliberalismo, o poder das empresas e do capital financeiro. Bem como, ajudar no debate político e na construção de saídas pelos movimentos populares para enfrentar os graves problemas enfrentados no mundo.
Leia entrevista a seguir:
Quais são as expectativas dos movimentos populares?
Desde que o Papa Francisco assumiu o pontificado, ele manifestou de diferentes formas a vontade de construir uma ponte com os movimentos populares, os trabalhadores excluídos, os povos nativos, os indígenas, com as pessoas de todas as etnias e religiões para analisar os graves problemas da humanidade que afligem a maioria da população. Assim, construímos um caminho permanente de diálogo. Realizamos um primeiro encontro em 2014, depois um encontro mais latino-americano e, em seguida, um encontro de massa na Bolívia, em agosto de 2015. E, agora, continuamos com este terceiro encontro, que reúne mais de 200 companheiros de todos os continentes.
Avançaremos na discussão sobre questões candentes da humanidade, que dizem respeito a todos: a democracia burguesa hipócrita que não respeita a vontade da população; a apropriação privada dos bens comuns da natureza, e os temas que são levantados pelos refugiados em todo o mundo. A partir desse diálogo frutífero, sempre tiramos conclusões e sínteses coletivas, que nos ajudam, depois, no debate político com as nossas bases sociais sobre os graves problemas que temos no mundo, infelizmente os mesmos por toda parte, sobre quais são as suas causas e o que devemos fazer para enfrentá-los.
Mas, enquanto isso continuam os homicídios de ambientalistas, daqueles que defendem os territórios e os recursos, de Honduras à Colômbia. A deputada indígena Milagro Sala ainda está presa na Argentina, e, no Brasil, Michel Temer escancara as portas para as multinacionais dos transgênicos.
Sim, infelizmente. No primeiro encontro, em Roma, tivemos a presença de Berta Cáceres, que entregou um longo documento ao papa sobre as agressões do capital ao ambiente e aos povos indígenas em toda a América Central. Neste encontro, ela não estará. Foi assassinada. E muitos outros, ameaçados pelo capital e pelos seus governos em diversos países, não virão a este encontro. Por isso, certamente, discutiremos com mais profundidade os crimes contra ambientalistas que aumentam em todo o mundo.
E por que aumentam? Porque, em tempos de crise estrutural do capitalismo, as grandes corporações aumentam a pressão pela apropriação rápida e privada dos bens da natureza, porque é a forma mais veloz de obter lucros extraordinários, por causa da enorme diferença entre o custo de extração (o valor do trabalho) e o preço de mercado, de bens que são raros. Nesse sentido, desde o primeiro encontro, fomos muito longe no debate.
A encíclica Laudato si&”39; recolhe essas reflexões comuns na doutrina cristã, mas também as divulga entre os ambientalistas e os movimentos populares. Essa encíclica é o nosso principal instrumento para aumentar a consciência e o debate em todo o mundo. Francisco conseguiu fazer uma síntese do problema ambiental que nenhum pensador de esquerda tinha feito antes.
Muitas coisas, infelizmente, mudaram desde o segundo encontro: no Brasil, na Argentina…
E aqui deve ser aprofundado o tema da falsa democracia e do fracasso dos Estados. Não se trata apenas de uma onda ofensiva da direita. É o fracasso do velho Estado burguês, criado pela burguesia industrial na Europa no século XVIII, que agora não funciona: nem mesmo mais para os interesses do capital financeiro. Os Estados nacionais não servem mais ao capital financeiro e às corporações internacionais, que fazem aquilo que querem. E as eleições não respeitam mais a vontade popular, porque o voto é manipulado pela televisão, pelo dinheiro das empresas, pela corrupção, e essa situação provoca descontentamento e ceticismo entre as massas.
Temos pela frente um longo caminho, mas, certamente, devemos pensar em outro tipo de Estado, em outras formas de democracia participativa, popular. Por isso, também convidamos a esposa de Bernie Sanders [Jane Sanders], dos Estados Unidos, e Pepe Mujica, do Uruguai, para discutir conosco neste terceiro encontro.
Para o Bicentenário da Independência da Argentina, o papa enviou uma mensagem abertamente “bolivariana”. Como se evidencia o tema da Pátria Grande neste encontro? E o que você pensa sobre o diálogo entre Maduro e a oposição, assumido pelo Vaticano na Venezuela?
O Papa Francisco conhece muito bem toda a América Latina, desde os tempos em que ajudava a coordenar os encontros do Conselho Episcopal Latino-Americano. No último, realizado no Brasil, ele coordenou a redação do documento final. Eu acho que ele assumiu um compromisso profundo com todos os pobres, os trabalhadores, que provém do Evangelho. E sabe que a maioria em todo o continente continua sendo explorada por uma minoria, 1% dos capitalistas, agora subordinados aos interesses das empresas transnacionais e dos bancos estrangeiros. Por isso, ele sempre se coloca ao lado dos trabalhadores e contra as grandes corporações.
Acredito que, para além das contradições do Estado do Vaticano, que deve manter uma diplomacia de boa vizinhança com todos os outros Estados, o papa sabe o que está acontecendo na Venezuela. Lá, está se desenvolvendo um confronto pelo controle da renda petrolífera: para decidir se ela continuará sendo empregada para os investimentos sociais para todo o povo, ou se voltará a servir aos interesses de uma minoria. É claro que o país vive uma grave crise econômica, como, aliás, todo o continente, do México ao Chile. E todos os modelos econômicos adotados nas últimas décadas estão em crise. É positivo que o papa tenha mantido uma atitude de negociação no caso da Venezuela, porque a direita quer a guerra, quer afundar o governo, como já fez em Honduras, Paraguai e Brasil, com golpes institucionais. Ou com a manipulação midiática, como faz no México, Guatemala, Panamá, Peru, Colômbia, Argentina, Chile, para citar alguns.
E em que ponto estão as lutas dos movimentos populares no Brasil e na América Latina?
O Brasil passa por uma grave crise econômica, política, social e ambiental, como todo o continente. Diante disso, os governos subordinados aos interesses dos Estados Unidos e das suas empresas estão implementando políticas neoliberais cada vez mais selvagens: o que significa tirar direitos dos trabalhadores, conquistados ao longo de séculos, apropriar-se dos recursos públicos e do orçamento, reduzindo ao mínimo as despesas sociais de educação, saúde etc., apropriar-se dos recursos naturais e impor medidas repressivas contra as manifestações.
Porém, no Brasil e em toda a parte, há reações, mobilizações populares. Embora estejamos resistindo, estamos em uma situação de refluxo do movimento de massa em geral, em todo o continente. Mas acredito que, por causa das condições objetivas e da situação política, os problemas vão se agravar, e, muito em breve, a classe trabalhadora e a juventude vão sair às ruas: não só para protestar, mas para exigir novos modelos de política econômica, novos programas, novos governos.
Estamos nesse ponto, tentamos aumentar a conscientização, organizar os movimentos populares para lutar e tentar levantar o movimento de massas, num futuro próximo. Tanto no Brasil quanto em vários países do continente atingidos pelo neoliberalismo. E há sinais nesse sentido, porque a juventude começa a se mover. Já temos mais de 1.000 escolas secundárias ocupadas pelos estudantes, e agora as universidades também começaram. Já são dez, incluindo os estudantes da Universidade de Brasília, que ocuparam a universidade até a última terça-feira (02).
*Editado por Solange Engelmann