“Agitprop: cultura política” é lançado na UnB em dia de ocupações contra a PEC do Fim do Mundo
Por Rafael Villas Bôas
Da Página do MST
Fotos: Viviane C. Pinto
O dia começou cedo na Universidade de Brasília, no último 31 de outubro de 2016. Pela madrugada, o campus de Planaltina foi ocupado pelos estudantes. Era o primeiro campus da UnB a ser ocupado na onda de protestos que já contava com 89 campi de universidades e institutos paralisados no Brasil e mais de mil escolas ocupadas em todo o país, em protesto contra a Medida Provisória do Ensino Médio, a PEC 241 na Câmara e PEC 55 no Senado, que estabelece o bloqueio de investimentos públicos por duas décadas, e contra os retrocessos à democracia brasileira, acelerados com o golpe parlamentar-jurídico-midiático.
Após ter participado da maior assembleia já realizada no campus de Planaltina, que reuniu os três segmentos da comunidade acadêmica, além de professores do GDF, que se solidarizavam à ocupação, o Coletivo Terra em Cena se dirigiu ao campus Darcy Ribeiro para lançar, em Brasília, o livro “Agitprop: cultura política” (Expressão Popular, 2015).
O lançamento ocorreu no auditório Pompeu de Souza da Faculdade de Comunicação. Sinal dos tempos: silenciado, ou depreciado por décadas a fio, como a agitação e propaganda (agitprop) – muito em conta da tradição stalinista que suprimiu o rico momento de experimentação da primeira década da revolução soviética, e impôs o sentido rebaixado de agitprop como sinônimo de panfletagem –, o tema passou a ser alvo de interesse de pesquisadores abertos para outras formas de comunicação popular, considerando a correlação desigual de forças na esfera da produção dos bens simbólicos.
O professor Felipe Canova, da Faculdade UnB Planaltina, iniciou a sessão exibindo parte de um documentário sobre a experiência de uma brigada de agitação e propaganda do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e do Levante Popular da Juventude que atuou em Brasília entre março e abril de 2016, período de grandes mobilizações populares contra o impeachment da presidente Dilma Roussef.
O intuito era evidenciar o caráter contemporâneo do agitprop, seja pela necessidade de se contrapor à manipulação sistemática da mídia empresarial, seja pela pesquisa de formas estéticas necessárias para tornar o ato comunicativo eficaz no diálogo com a classe trabalhadora. Nas imagens do documentário pode-se ver a ênfase nas formas acrobáticas, as paródias musicais, os adereços produzidos para as marchas, as faixas, o treinamento de retórica, treinamento de corpo, tal qual as experiências soviéticas e alemãs relatadas nos textos traduzidos que integram o volume “Agitprop: cultura política”.
O Diretor da Faculdade de Comunicação, professor Dr. Fernando Paulino, demarcou a importância de ampliação das pesquisas sobre outras formas de comunicação, que foram vigorosas no passado e que podem ser de muito interesse no futuro. Levantou ainda importantes reflexões sobre o sentido da agitação e propaganda na era do SMS e do WhatsApp que, segundo ele, podem intensificar uma espécie de forma reversa de “desagitpropização”: um ativismo solitário de repasse de informações pelas redes sociais que, no entanto, não se configura como forma de confronto com as representações midiáticas hegemônicas.
A professora Dra. Elen Geraldes, de Políticas de Comunicação, da Faculdade de Comunicação da UnB, iniciou sua fala ressaltando reflexão de Hannah Arendt a respeito da importância da esfera política como espaço de luta e forma de acabar com os tempos sombrios. Destacou as diversas formas de atuação da agitação e propaganda, enfatizando o caráter político do trabalho com as diversas linguagens artísticas empenhado na busca eficaz de formas de comunicação com a população, em contraposição à função redutora que a mídia empresarial impõe às lutas populares. Finalizou sua intervenção lançando questões ao debate: “Como resistir apesar da mídia? Como resistir na mídia?”
A atriz e radialista Sheila Campos, da rádio pública Cultura FM, de Brasília, falou a partir de sua experiência como atriz que integrou grupos de teatro de agitprop na década de 1990, no período de luta contra as privatizações impostas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, e atestou a eficácia das formas do teatro político, no sentido estético e na relação com a qualificação do debate político. À semelhança do que descreve a obra “Agitprop: cultura política”, uma suposta oposição entre “apuro estético” e engajamento político é falaciosa. O amadurecimento e múltiplos recursos das técnicas teatrais, bem como das musicais, plásticas, audiovisuais e performáticas, podem e devem pautar as preocupações e realizações de artistas engajados, cientes da ideologia imbuída nos produtos da indústria cultural, contrapondo-se à alienação desejada pelos mesmos.
No campo da comunicação, abordou o debate em torno da democratização dos meios de comunicação e sobre políticas da comunicação, exemplificando com o que estava em jogo no debate sobre o modelo de rádio digital a ser adotado no país, recentemente, e a exclusão da população no tocante à participação ativa desta caso o modelo implantado fosse o de software aberto, o que permitiria a existência de canais para associações, sindicatos, universidades e demais segmentos da sociedade civil organizada. Deu ainda exemplos de sua experiência na rádio Cultura sobre a luta para se contrapor às formas da Indústria Cultural.
Janderson Barros, dirigente do MST, destacou a experiência contemporânea de sua organização com o agitprop, dialogando diretamente com argumento de Iná Camargo Costa em um dos textos do livro “O agitprop e o Brasil”, que destaca dois momentos emblemáticos da experiência brasileira do agitprop: os Centros Populares de Cultura (CPCs) e as brigadas do MST.
Barros deu exemplo do que será realizado no Distrito Federal e Entorno com o trabalho de agitprop nas feiras populares da reforma agrária, que ocorrerão em Planaltina, Unaí, Formosa e Brazlândia, oportunizando ao público urbano o contato direto com os produtores camponeses, com alimentos orgânicos, sem agrotóxicos, ao mesmo tempo que promoverão debates sobre a questão da soberania alimentar, da juventude brasileira, da participação feminina, e sobre Cultura e Comunicação, com o intuito de recolocar em pauta a necessidade de construção de um projeto popular para o Brasil a partir dos interesses das classes populares.
Por fim, ressaltamos o caráter complementar entre o livro “Agitprop: cultura política” organizado por Douglas Estevam, Iná Camargo Costa e Rafael Villas Bôas, e o livro “A hora do teatro épico no Brasil” de Iná Camargo Costa, publicado em 1996 e reeditado em 2016, pela Editora Expressão Popular.
Há vinte anos, Iná Camargo iniciava um processo de revisão crítica em combate aos estereótipos depreciativos que desqualificavam o agitprop, projetando-o como algo autoritário e esteticamente rebaixado, imposto de cima para baixo e executado de forma alienada pela militância. Ao evidenciar o caráter radical da experiência de desmercantilização da arte e de organização social colocado em prática pelo CPC, Iná abria chaves de comparação com as experiências do passado.
Enquanto na URSS, na Alemanha, na França e nos EUA o agitprop passou pela fase de organização do trabalho de socialização dos meios de produção das linguagens, inicialmente na ação de artistas, intelectuais e estudantes para, na segunda etapa, ser apropriado pelos movimentos da classe trabalhadora, propiciando um amplo e rico espectro de produções antes das experiências serem destruídas. No Brasil o processo foi aniquilado na fase inicial, dos primeiros anos de vida do Movimento de Cultura Popular (MCP), de Pernambuco, e do Centro Popular de Cultura (CPC). Estes processos foram destruídos pelo golpe militar-empresarial, na medida em que a classe dominante tinha absoluta consciência dos riscos implicados na apropriação dos meios de produção de bens simbólicos pelas Ligas Camponesas e pelos diversos sindicatos combativos dos operários.
“Agitprop: cultura política”, publicado em 2015, narra as experiências que precederam a narrativa de “A hora do teatro épico no Brasil”, de modo que, para os militantes e pesquisadores de nosso tempo histórico, se oportunizam novos caminhos de investigação da história das lutas da classe trabalhadora.
Ao final da sessão de lançamento os presentes foram informados que uma assembleia que acontecia no campus Darcy Ribeiro, com mais de mil estudantes da UnB, decidiu pela ocupação da reitoria em protesto contra o golpe e o conjunto de medidas regressivas, tal qual fizeram pela madrugada os estudantes do campus de Planaltina. A resistência dirá o que vem pela frente, mas nos fortalece saber que no passado, por exemplo, na URSS, estudantes de jornalismo criaram o Coletivo Blusa Azul, e inventaram o Teatro Jornal, e entre 1923 e 1928 apresentaram mais de 20 mil sessões para dez milhões de espectadores no território soviético, e em uma viagem para Alemanha deixaram no percurso mais de oitenta coletivos Blusa Azul formados. O passado pode inspirar a luta do presente.
*Professor do Campus de Planaltina da UnB, integrante do Coletivo Terra em Cena e do grupo de pesquisa Modos de Produção e Antagonismos Sociais.