Pão da Terra: promessa de produzir o ‘melhor pão do mundo’ é concretizada no RS
Cooperativa que produz alimentos 100% orgânicos e integrais é fruto de uma promessa feita há mais de 25 anos, após famílias sofrerem despejo violento
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Um despejo violento por parte de 1,5 mil policiais e atiradores de elite resultou não apenas na destruição da estrutura física de uma ocupação onde Maria Inês Riva morava, mas também de todo o estoque de produção que seria utilizado para alimentar as dezenas de famílias que viviam no local. A ação ocorreu há mais de 25 anos no interior do Rio Grande do Sul e colocou os Sem Terra em situação de luta para vencer a fome. Foi neste contexto de enfrentamento a dias de miséria e de repressão do latifúndio e do Estado que um grupo de acampados fez a promessa de produzir &”39;o melhor pão do mundo&”39; quando conquistasse um pedaço de terra.

“Lembro que, por mais humilde que a minha família fosse, na casa dos meus pais nunca faltou pão. No acampamento era tudo partilhado, mas com o despejo e a destruição dos alimentos ficamos dias sem ter o que comer. Então demos as mãos e fizemos essa promessa, de ter o melhor pão do mundo quando fossemos assentados”, recorda Maria Inês, que à época tinha 26 anos de idade. Depois de despejo, ela ficou acampada por um período de 3 anos e sete meses em Lagoa Vermelha, na região Serrana gaúcha, antes de ser assentada na região Metropolitana de Porto Alegre.
A agricultora conta que as dificuldades permaneceram mesmo depois da criação do Assentamento Integração Gaúcha, em 1991, situado no município de Eldorado do Sul, onde ela e seu esposo vivem hoje junto a mais de 70 famílias. “Quando chegamos aqui não tinha energia elétrica, estrada e água potável. Nós não sabíamos lidar com essa terra arenosa e banhada, porque a nossa região de origem tem outro tipo de solo, então perdemos muitas plantações. Ainda havia fome, tivemos que morar mais cinco anos debaixo da lona preta e enfrentar o preconceito da sociedade”, complementa.
A situação começou a melhorar quando a Fundação Gaia desenvolveu práticas de educação ambiental no assentamento, o que culminou na criação de projetos para solucionar principalmente a questão da fome, dando início à organização do local para a produção de alimentos. Foi por meio desta iniciativa que a família de Maria Inês adquiriu os primeiros equipamentos para construir uma horta ecológica, vindo a constituir, em 2001, junto a um grupo de mulheres, a Cooperativa de Produtos Orgânicos Pão da Terra. Isto marcou o início da concretização da promessa coletiva, que fora feita pelos acampados após o despejo.

“Muitas pessoas diziam que era ilusão produzir sem veneno, que não íamos conseguir. Porém, fomos os pioneiros na agricultura ecológica e biodinâmica aqui no município, e a primeira panificadora certificada 100% como orgânica no estado do Rio Grande do Sul. Foram muitos os desafios que enfrentamos, mas nunca desistimos de ter e oferecer o melhor alimento do mundo”, conta Maria Inês.
A oportunidade de oferecer alimentos saudáveis à população se fortaleceu em 2014, quando foi concluída, com o apoio da Fundação Banco do Brasil, uma agroindústria de panifícos da cooperativa. A obra tem 188 metros quadrados e está localizada no próprio lote de Maria Inês. Ela lembra que por muitos anos as camponesas produziram nas varandas de suas casas e com equipamentos individuais e inadequados, o que dificultava o processo de produção. Após algum tempo, os alimentos eram feitos numa sala emprestada. “Era uma mistura de coisas e tão apertado que tínhamos uma enorme dificuldade de acomodar os produtos quando eles estavam prontos”, relata.

Produção 100% orgânica e integral
Hoje a Cooperativa de Produtos Orgânicos Pão da Terra conta com 22 associados, entre assentados na reforma agrária e agricultores familiares, sendo que dez mulheres e dois homens trabalham diretamente na produção da agroindústria. Ela produz e comercializa 56 variedades de alimentos, sendo 22 tipos de pães e 16 tipos de bolos e cucas, além de pizzas e uma diversidade de biscoitos doces e salgados. Toda a produção é 100% orgânica e integral, e alguns itens podem ser encontrados na opção sem glúten. Todos os alimentos possuem certificação da Rede Ecovida de conformidade orgânica, não sendo acrescido a eles nenhum condimento ou produto químico como antimofos e melhorador de farinhas, encontrados nos pães industrializados.
Conforme Maria Inês, a cooperativa está produzindo semanalmente mais de 500 quilos de alimentos, que são destinados para instituições de ensino em Porto Alegre e Eldorado do Sul por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A produção também é vendida diretamente ao consumidor, através de feiras ecológicas na Capital e na sede da própria agroindústria. Ainda, parte dos produtos estão disponíveis na loja da Reforma Agrária, localizada no Mercado Público porto-alegrense.

Contudo, a expectativa é que a capacidade de produção e venda aumente com novos investimentos. Na última segunda-feira (20) a cooperativa organizou uma cerimônia para inaugurar equipamentos adquiridos em convênio com a Fundação Banco do Brasil. Entre as novas ferramentas de trabalho estão amassadeira, modeladora, forno de assar a vapor, divisora, extratora e batedeira. Essa estrutura permite a modernização e especialização da agroindústria, garantindo a inserção de uma novidade na produção: o pão francês orgânico. “Agora temos condições de produzir, no geral, até mil quilos de alimentos por semana”, estima Maria Inês.
O projeto encaminhado à Fundação chama-se “Pão da Terra: ampliando condições para uma vida mais saudável”. Além dos equipamentos, a cooperativa foi contemplada com um gerador de energia elétrica, um veículo para escoamento da produção e materiais para estufa e irrigação da horta agroecológica, que hoje é mantida pelas famílias associadas.
Durante o ato inaugural, Salete Carollo, representando o setor de Produção do MST/RS, destacou que o trabalho da cooperativa se tornou referência para todo o estado gaúcho, especialmente para as camponesas Sem Terra que também começaram a ser organizar em torno da cooperação e da produção de padaria. “As mulheres não trabalham sozinhas. Elas provocam uma rede de atuação coletiva que nos leva a vários níveis de cooperação e extrapola a atividade econômica”, observa.
Ela acrescenta que, com o passar dos anos, os assentados perceberam a importância de terem o controle da cadeia produtiva em todas as atividades agrícolas, saindo da condição de somente serem produtores de matéria-prima. “Estamos conseguindo avançar neste sentido. Hoje, a exemplo da Pão da Terra, produzimos a matéria-prima, processamos alimentos nas agroindústrias e temos relação direta com os consumidores. A cadeia produtiva quando está nas mãos de quem produz consolida a geração de renda, o que emancipa os assentamentos e as famílias. É também por este caminho que passa a produção de alimentos saudáveis”, aponta.

Próximos passos
A ampliação do espaço físico da agroindústria e a aquisição de novos equipamentos são apenas uma parte dos planos feitos por Maria Inês. Segundo a assentada, ainda este ano a cooperativa deve começar a construir um espaço cultural multiuso, para receber os grupos de estudantes e de outras pessoas que visitam semanalmente o local. A estrutura será oitavada e vai contar com restaurante orgânico e ambiente para reuniões e cursos, práticas de Yoga e educação física.


“Vamos valorizar a bioconstrução e os recursos naturais, porque queremos propiciar o melhor espaço para as pessoas que nos visitam e continuar oferecendo o melhor pão do mundo. Sabemos que não somos apenas ser físico, não dá para cuidar somente do pé e da mão. Temos que ser tratados como ser integral, e este é o nosso principal objetivo. Queremos que tudo o que conquistamos faça cada vez melhor ao público consumidor”, conclui Maria Inês.
Onde comprar os alimentos Pão da Terra
Feiras em Porto Alegre:
Bairro Menino Deus – Às quartas-feiras, das 12h às 19h. (Avenida. Getúlio Vargas – no pátio da Secretaria Estadual da Agricultura)
Bairro Três Figueiras – Aos sábados, das 7 às 12h30h. (Rua Cel. Armando Assis, ao lado da praça Desembargador La Hire Guerra)
Shopping Total – Às quintas-feiras, das 8h às 13h30. (No Setor Verde. Rua Itacolomi, bairro Floresta)
Centro Universitário Metodista (Ipa) – Às quintas-feiras, das 13h às 18h. (Em frente ao estacionamento do Prédio G da Unidade Central IPA)


Colégio João XXIII – Às quintas-feiras (a cada 15 dias), das 10h às 18h30. (Rua Sepé Tiaraju, 1013 – Bairro Medianeira) quinta das 10 h a 18h30.
Parque da Redenção – Aos sábados, das 7h30 às 13h. (Avenida José Bonifácio,esquina com a Oswaldo Aranha – Parque Farroupilha)
Nova feira: inauguração dia 4 de abril
Escola Santa Luzia – Às terças-feiras (a cada 15 dias), das 11h às 18h. (No parque da escola)
