Reforma Agrária é luta política, mas também a realização da vida, do sonho e do alimento

“Nossos alimentos são para alimentar a vida e não a morte”, afirma Antônia Ivaneide, a Neném, do setor de produção do MST
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Antônia Ivaneide, a Neném,nte do Setor de Produção do MST

 

Em 2015, o MST deu início à Jornada de Alimentação Saudável com o objetivo de promover o debate sobre o modelo de produção alimentar no Brasil, e a necessidade de construir uma alternativa que respeite a vida e o meio ambiente.

Como parte desse processo de luta, será realizada entre os dias 4 e 7 de maio de 2017, no Parque da Água Branca, em São Paulo, a 2ª Feira Nacional da Reforma Agrária, que reunirá produtores e produtoras rurais de mais de 20 estados brasileiros. Além de uma excelente oportunidade para adquirir os produtos da Reforma Agrária e experimentar da culinária e da cultura da terra, será também um importante espaço para conhecer ‘de onde vem a nossa comida’, e como ela foi produzida.

Antônia Ivaneide, a Neném, militante do Setor de Produção do MST no Ceará, fala sobre a importância desse evento para a promoção do debate sobre a alimentação saudável, e como o movimento se prepara para ele.

Confira:

O que é a Jornada de Alimentação Saudável?

A Jornada de Alimentação Saudável foi lançada pelos setores de Saúde, Educação e Produção do MST, com o objetivo de promover a reflexão sobre o ato de alimentar-se, que é um ato político, cultural e essencial para a vida. É uma campanha que nos ajuda a fazer o debate sobre a alimentação saudável. Com ela, buscamos promover a reflexão sobre o tipo de alimento que estamos comendo, onde ele está sendo produzido e de que forma. A campanha propõe fazer esse debate tanto dentro do movimento, como fora dele. No momento em que colocamos em debate o processo produtivo nas escolas, nas famílias, e discutimos a produção de alimentos saudáveis, estamos resgatando o caráter político e cultural da alimentação, que historicamente esteve sob os cuidados dos camponeses, principalmente das mulheres camponesas.

O que a Jornada propõe?

A Jornada envolve os camponeses e camponesas em seu processo de produção, e também as escolas, onde fazemos o grande debate da alimentação com as crianças, os adolescentes e os jovens em geral, além de ser uma ampla campanha direcionada ao conjunto da sociedade. Outro debate muito importante que a Jornada faz é sobre o enfrentamento a este modelo de produção predominante atualmente. Hoje, o agronegócio produz mercadoria. Uma mercadoria que não leva em consideração a vida dos seres humanos. Nossa campanha é parte da estratégia lançada pelo MST no seu último Congresso, que propõe uma Reforma Agrária Popular, colocando como centro deste projeto a função social da terra para a produção de alimentos saudáveis, tanto para o campo, ou seja, para as famílias camponesas, como também para o conjunto da sociedade. Portanto, a Jornada é um instrumento de divulgação da estratégia do movimento.

Como esse debate esteve presente no MST ao longo da sua história?

Historicamente o movimento discute o processo da alimentação. Em sua origem, o Movimento Sem Terra definiu que a luta era pela terra, pelo direito à terra. Com o passar do tempo, fomos vendo que não bastava ter o direito à terra, é preciso também mudar o jeito de produzir. Porque a terra que nós conquistamos é a herança que vamos deixar para os nossos filhos, e para as gerações futuras. Então é preciso pensar sobre o tipo de herança que estamos deixando, caso continuemos repetindo o modelo do agronegócio, usando veneno na produção. Por isso, entendemos que é preciso mudar o nosso comportamento, o modo de produzir.

Como promover essa mudança de comportamento?

A campanha recupera, valoriza o que temos no campo, o que produzimos nos nossos lotes, nos nosso quintais, na nossa terra, e convida a nos reeducar, do ponto de vista alimentar. Vivemos em um processo de crescente consumo. Muitas vezes se joga uma fruta fora para tomar uma coca-cola. Então a campanha propõe debater e rever os nossos hábitos alimentares. E para isso, é preciso pensar sobre o alimento que consumimos, para quê ele serve, de onde ele vem, como ele foi produzido. Dessa forma, a gente consegue ir construindo no nosso dia-a-dia essa relação entre a cozinha e a roça, entre a cozinha e o quintal, entre aquele produto que colocamos na nossa mesa e o lugar e o modo como ele foi produzido.

Quais as maiores dificuldades na tarefa de ampliar esse debate na sociedade?

Esse debate sobre a alimentação saudável nunca foi fácil. Nesse momento, vivemos um forte acirramento desse modelo que não preza pela vida. São milhões de litros de agrotóxicos que são jogados sobre as frutas e verduras que alimentam a nossa sociedade. O leite é misturado com soda, a carne é misturada com papelão, carne podre está sendo maquiada para ser vendida. Tudo isso é resultado do modelo do agronegócio que lucra em cima da falta de conhecimento, da ignorância dos consumidores. Então a campanha apresenta uma outra proposta, um modelo diferente, uma forma diferente de produzir.

Na prática, como se dá essa produção diferenciada?

Nas nossas cooperativas, associações, comunidades, roçados, em qualquer lugar onde formos produzir, devemos prezar pela alimentação saudável, porque nossos produtos servem para alimentar a vida e não a morte. A nossa alimentação é diferente da que propõe o Capital. Estamos propondo uma alimentação que não seja uma mercadoria. Que seja produto da “agri-c-u-l-t-u-r-a”, ou seja, uma produção vinculada ao processo cultural e também ao ato de alimentar-se.

Qual a principal diferença entre esses dois modelos de produção de alimentos?

O agronegócio produz mercadoria sem pensar na outra ponta, em quem está consumindo. O que importa no jogo do agronegócio é o lucro. Já a nossa luta pela terra inclui também a necessidade produzir com maior qualidade, em quantidade suficiente para alimentar a sociedade e levando em consideração também que essa alimentação deve ser saudável.

Entre os dias 4 e 7 de maio, o MST vai realizar no Parque da Água Branca, em São Paulo, a 2ª Feira Nacional da Reforma Agrária. Esse evento é também parte da Jornada?

A feira é um elemento muito comum na nossa cultura. E é mais do que um negócio, mais do que um comércio. A feira é cultura, é animação, é encontro, é conversa… E a Feira Nacional da Reforma Agrária é também resultado dessa nossa luta. É o momento de trazer aqui para São Paulo aquilo que se produz lá no Ceará, na Paraíba, no Piauí, no Rio Grande do Sul, em todos os cantos desse país. É a hora de trazer para São Paulo uma amostra concreta do que esta campanha tem gerado, e do que é o nosso projeto de Reforma Agrária Popular. A feira é a verdadeira materialização desse projeto.

Porque a Reforma Agrária Popular é central na promoção de uma alimentação saudável para o povo brasileiro?

Reforma Agrária é luta política, mas é sobretudo é a realização da vida, do sonho, e do alimento. Quem já passou fome nesse país sabe reconhecer a importância de se alimentar bem, de ter todos os dias algo para comer. Então, por isso, tanto a Jornada quanto a Feira são fundamentais para o nosso povo.

Quais os desafios dessa luta para o próximo período?

O nosso movimento vive um momento muito difícil, assim como toda a classe trabalhadora de um modo geral, o que nos impõe o desafio de nos unir enquanto classe. Por isso, não podemos perder de vista a necessidade de seguir e intensificar a luta. Precisamos continuar nos manifestando, nos mobilizando, e acima de tudo, nos organizando enquanto classe trabalhadora, unidos a todo o povo que se reconhece como classe trabalhadora nesse país. Portanto, os nossos grandes desafios de agora adiante é fazer a luta organizada contra esse governo golpista, para que a nossa base tenha conquistas, e manter a Reforma Agrária Popular como uma pauta fundamental para o povo brasileiro.