STJ concede habeas corpus a militantes do MST
Lizely Borges
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, nesta tarde (06), em Brasília-DF, o habeas corpus aos militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Aluciano Ferreira dos Santos e Antônio Honorato da Silva, privados de liberdade no Presídio Juiz Plácido de Souza, na cidade de Caruaru (PE), desde 21 de fevereiro de 2009 e 19 de novembro de 2009, respectivamente.
Aos dois militantes foi atribuído o crime de homicídio de quatro homens, resultado de forte conflito fundiário na Fazenda Jaboticaba (PE), localizada no agreste pernambucano. Após processo de reintegração de posse e expulsão de famílias que residiam há 14 anos na área considerada improdutiva, os dois militantes foram presos logo após o conflito, ocorrido no dia 21 de fevereiro daquele ano. O processo correu inicialmente pela Comarca de São Joaquim e posteriormente foi transferido para o Tribunal de Justiça do estado.
Na avaliação do STJ, há um excesso patente em não conceder o direito de defesa e julgamento aos militantes. Isto porque a prisão preventiva configura-se como uma medida provisória, durante o trânsito do julgamento. De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), a instrução preliminar, ou seja, a preparação para a acusação deve ocorrer em 90 dias após a denúncia realizada. “É certo que fato que não é um caso simples, envolve mais de um réu e oitivas à várias testemunhas de fora da Comarca, porém não se justifica a demora de mais de 07 anos para a realização do júri (…). O fato é que o estado deve se organizar, se estruturar no sentido de atender as exigências constitucionais de duração razoável do processo” aponta o relator, o ministro Sebastião Reis Júnior.
A violação do princípio da razoabilidade foi apontada pela defesa dos réus para a imediata soltura dos militantes. “Não há justificativa processual legal que autorize uma pessoa ficar presa provisoriamente por 08 anos, sem ter obtido julgamento em primeira instância. O período em que estão presos representa vinte vezes mais do o prazo que a lei determina. É mais um indício da crise do sistema judiciário e isso não pode ser revertido em prejuízo de direitos e garantias fundamentais do cidadão: o direito de responder em liberdade, peticionar pela sua liberdade, de ampla defesa e contraditório e, principalmente, o direito de receber uma prestação jurisdicional adequada e em tempo razoável”, argumenta o advogado do MST e responsável pela sustentação oral de defesa, Paulo Feire.
Ele ainda complementa que é papel do Estado, por preceito constitucional, conferir igual direito de defesa ao conjunto dos cidadãos. O advogado destaca que foi esta garantia constitucional objeto da matéria apreciada no julgamento. “O que foi julgado hoje não é a condenação ou absolvição dos processos. O objeto do julgamento não é se foram culpados ou não pelos fatos ocorridos, mas sim que eles podem, como qualquer cidadão, aguardar em liberdade ao processo que está em tramitação há mais de 08 anos, como garante a Constituição Federal e o Código do Processo Penal”, pondera
Em seu artigo 5º, a Constituição Federal determina a plenitude da defesa à todo cidadão brasileiro, e assegura ao júri a competência de julgamentos que envolvam crimes contra a vida.
Processo moroso
Ao longo da sustentação oral a defesa apontou a postergação do transito do processo penal pelo Sistema de Justiça de Pernambuco. “A demora neste feito, assim como em centenas de outros casos que tramitam em diversas comarcas do Tribunal de Justiça de Pernambuco, é verificada na lentidão ou inércia do juízo local que sob o argumento de extensa carga de trabalho e ou procedimentos internos da secretaria da vara judicial, procrastina o feito por tanto tempo”, aponta o pedido de habeas corpus.
De acordo com HC, a audiência de instrução e julgamento ocorreu dois anos após o recebimento de denúncia e apresentação da defesa previa. O mesmo tempo, dois anos, foi necessário para envio de escuta a testemunhas de outras comarcas. O juiz da Comarca de São Joaquim também determinou que os depoimentos de testemunhas ocorrem apenas na Comarca do município, exigindo o deslocamento de pessoas de outros municípios e estados. De acordo com a defesa, esta exigência viola os artigos 221 e 221 do CPP. Outro tramite que retardou o andamento do processo foi o acesso a solicitação de informações à comarcas de existência de antecedentes criminais dos réus – dois anos também. Somado ao tempo para deslocamento de processo da Comarca de São Joaquim do Monte para o Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Com data definida recentemente, os dois militantes irão a júri no dia 03 de julho deste ano. “Se nenhum incidente novo acontecer, o júri ocorrerá mais de 07 anos após os fatos, mais 7 anos após a prisão dos pacientes [réus], mais de 03 anos após a pronúncia. O excesso está patente”, conclui o ministro Sebastião Reis Júnior. “Só comprova [o caso analisado pelo STJ] as enormes dificuldades que vem enfrentando o estado de Pernambuco nos prazos processuais, não é o primeiro ou segundo processo que julgamos do estado. Em estudo recente o estado foi apontado como o mais moroso”, aponta o presidente da 6ª Turma, o ministro Antônio Saldanho do Egrégio.
Na avaliação de um dos advogados responsáveis pelo caso em Pernambuco, Edgar Menezes Mota, a concessão do HC pelo STJ é positivo. No entanto, a extensão do prazo da prisão preventiva dos militantes revela um quadro de fragilidade do Estado Democrático. “A liberação do habeas corpus é positiva, porém tardia pois em que Estado de direito duas pessoas ficam presas, sem julgamento, por oito anos?”, enfatiza.
Sistema Prisional de Pernambuco
Diversas organizações de direitos humanos têm apontados a falência do Sistema Prisional Brasileiro. O país acumula, segundo dados do último relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado em dezembro de 2014, a quarta maior população penitenciária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237). Desta população 40% são presos provisórios, ou seja, não tiveram condenação em primeiro grau de jurisdição.
Ao analisar o caso de prisão preventiva estendida dos militantes de Pernambuco, o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, problematiza que alta taxa de encarceramento reflete uma lógica punitivista do Estado e a violação do direito à defesa pelo cidadão comum. “O direito humano à justiça é negado a boa parte da população, as pessoas que não tem direito a terem acesso a uma boa defesa. Acabam que os presídios estão cheios de pessoas negras, pobres e, agora com o processo de criminalização, também com representantes de movimentos sociais”, destaca.
A fotografia do Sistema Prisional de Pernambuco é ainda mais complexa. Com capacidade para 11.308 pessoas e 26.809 internos (Dados Infopen/2014), o estado vive uma taxa de superlotação de 237%. A taxa de presos provisórios também supera a média nacional –corresponde a 60% da população carcerária. O estado viveu recentemente rebeliões, com resultado de internos mortos e feridos