“A justiça não poderá vir senão a partir da terra para os Sem Terra”

Em sessão alusiva ao Dia da Reforma Agrária, movimentos e parlamentares denunciam o desmonte da política agrária e recordam o aniversário de afastamento de Dilma.
A sessão solene é referente ao dia da reforma agrária, datado em 17 de abril. Foto Márcio Garcez. Assessoria Dep. Fed. João Daniel.jpg
A sessão solene é referente ao dia da reforma agrária, datado em 17 de abril. Foto Márcio Garcez. Assessoria Dep. Fed. João Daniel

 

Por Lizely Borges
Da Página do MST 

O mesmo plenário da Câmara de Deputados, que há um ano votava favoravelmente pela abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT) sob alegação de cometimento de crime de responsabilidade pela presidenta, foi ocupado na manhã desta segunda-feira (17), em Brasília-DF, por movimentos campesinos, organizações de defesa dos povos quilombolas e indígenas e parlamentares de oposição ao governo sucessor, o peemedebista Michel Temer, em razão da sessão solene alusiva ao Dia Internacional da Reforma Agrária.

Resultante da pressão de movimentos do campo ao governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a data foi instituída em 2002 e busca cristalizar na memória nacional de lutas o Massacre de trabalhadores rurais em Eldorado de Carajás (PA). No dia 17 de abril de 1996, 21 trabalhadores rurais foram assassinados, sem possibilidade de defesa, pela conjugação de forças de segurança pública do Estado do Pará e oligarquias locais.

               

Na avaliação das lideranças e parlamentares presentes na sessão de hoje, os dois fatos estão conectados com o contexto de fragilização progressiva das políticas públicas voltadas para o campo. “Vinte e um anos se passaram e não pararam de golpear nosso povo. Fazem [poder legislativo vinculado ao agronegócio] desta tribuna o local de comando, assim como fizeram há vinte e um anos quando comandaram o Massacre de Carajás e há um ano quando ordenaram o massacre de todo povo brasileiro”, aponta o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Alexandre Conceição. 

Com composição majoritária nas cadeiras do Congresso Nacional e em cargos de confiança do Executivo, a bancada ruralista tem levado a cabo a “Pauta Positiva-biênio 2016/2017” apresentada a Temer por parlamentares e entidades do agronegócio após a destituição de Dilma. A reedição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Funai-Incra, a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em maio do ano passado e a reconfiguração da legislação referente à regularização fundiária e reforma agrária são exemplos, na avaliação das lideranças presentes, do aprofundamento de uma política agrária antipopular, consolidando um cenário de injustiça social no campo.

“A nossa história, a nosso país tem a dívida histórica com o campo. E não será uma nação justa enquanto não der o tratamento que exige a garantia da terra aos povos indígenas, sem-terra, posseiros, quilombolas – que é o direito à terra. É a luta mais justa que podemos ter. Quando se completa um ano que esta Casa autorizou, sem prova e crime, a retirada da presidente Dilma nós fazemos, com a presença de vocês, um momento para garantir que a esperança de que este país ainda encontrará o dia da justiça”, afirma o deputado federal João Daniel (PT-SE) em saudação aos movimentos presentes na sessão. “E a justiça não poderá vir senão a partir da terra para os quilombolas, sem-terra, posseiros para aquelas que dela vivem e  trabalham”, completa. 

O membro da coordenação nacional do MST, Alexandre Conceição, resgata a luta pela reforma agrária. Foto Márcio Garcez. Assessoria dep. fed João Daniel (1).jpg
O membro da coordenação nacional do MST, Alexandre Conceição, resgata a luta pela reforma agrária. Foto Márcio Garcez. Assessoria dep. fed João Daniel

Em referência à Medida Provisória (MP) 759/2016, editada no final do ano por interesse da bancada ruralista, Alexandre reafirma a oposição e resistência à medida. “Enquanto houver latifúndio haverá foice e facão derrubando cerca para fazer a reforma agrária avançar. Enquanto houver latifúndio nós lutaremos para haver democracia, enquanto houver miséria no campo não haverá paz para governo golpista que agora tenta empurrar o retrocesso da reforma agrária através da MP 759. Não obedeceremos nenhuma lei. Essa lei terá da nossa parte a luta e resistência por uma reforma agrária popular”, diz. 

Com conteúdo que estabelece novas regras para a regularização fundiária urbana, rural e da Amazônia Legal, a MP 759 revoga um conjunto de normativas estabelecidas e frutos da reivindicação popular, como a Lei que orienta o Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e o Estatuto das Cidades. Na avaliação do MST, a medida vai na contramão de uma reforma agrária popular voltada para produção de alimentos saudáveis para consumo interno, respeito ao meio ambiente e enfrentamento à pobreza e desigualdade no meio rural.

Resistência à contextos hostis

As organizações de defesa dos direitos dos povos indígenas também denunciaram na sessão solene o desmonte da política voltada aos povos tradicionais. A paralisação e revisão de processos de demarcação de terras, o aumento da violência dirigida aos indígenas e a fragilização das estruturas voltadas para atendimento à estas populações, como a Funai, estão no centro da ação de desmonte. Para o assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena, o conjunto destas medidas governamentais revela um Estado que não faz a escuta ao povo e nem atua pautado por interesses populares.

“Hoje esta casa do povo está tomada por representantes dos movimentos sociais. São necessários mais momentos como esse, que povos sejam ouvidos. Muitos dos retrocessos que enfrentamos partem diretamente desta Casa, de um poder legislativo que deveria atender os anseios da população”, diz.

Ele recorda que no dia 19 de abril, nesta mesma semana, também é celebrado o dia do índio. “No entanto, há pouco ou nada há para comemorar no dia do índio porque em mais de 500 anos de luta vivemos tempos temerosos, direitos originários estão sendo negociados.  Isto porque a mão gestora do Estado brasileiro está rendido ao agronegócio”, reforça Eloy, em análise semelhante pelos movimentos do campo ao contexto agrário.

Ainda que o cenário recente tenha sido de aumento da concentração das terras em grandes propriedades em pelo menos 2,5%, (Dados Incra 2010-2014) e de redução dos números de novos assentamentos rurais ou de titulação de territórios indígenas e de quilombos, com apenas 31 mil famílias assentadas neste mesmo quadriênio, enquanto 120 mil aguardam acampadas em rodovias, os movimentos e organizações presentes na sessão reconhecem, a exemplo de Carajás, a resistência na história de luta pelo direito à terra. 

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Movimentos campesinos, parlamentares e organizações sociais apoiadoras da causa agrária participam de sessão solene. Foto Márcio Garcez. Assessoria Dep Fed João Daniel

“Tivemos há 21 anos o Massacre de Carajás. Há um ano a deposição da presidenta eleita pelo instrumento mais elementar da expressão da soberania popular, que é o voto. Voto desrespeitado há um ano nesta casa. Mas temos a capacidade em transformar a dor em luta. E é por isso que no dia 28 de abril que vamos estar em luta. Essa capacidade é que possamos estar nas trincheiras”, convoca o integrante do Colegiado do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antônio Moroni, em referência à paralisação nacional nesta data em protesto às reformas trabalhistas e previdenciária em tramitação. 

Nesta data, movimentos populares e centrais sindicais planejam paralisar o país como forma de tensionar o governo federal para pôr fim ao andamento de medidas que impactam a população com menores rendimentos.