Mais de duas mil pessoas morreram por uso de agrotóxicos no Brasil nos últimos anos
Por Leonardo Fernandes
Da Página do MST
Em 2010, depois de haver trabalhado por 18 anos na lavoura da Fazenda Floresta, no interior do estado do Paraná, um agricultor morreu, intoxicado por substâncias presentes nos pesticidas e larvicidas usados na plantação. O Tribunal Superior do Trabalho ratificou no mês de fevereiro de 2017 uma condenação aos fazendeiros, que deverão pagar o valor de 350 mil reais de indenização à família da vítima. Na decisão, o desembargador Aloysio Corrêa da Veiga argumentou que o laudo pericial comprovou a morte do trabalhador rural por exposição aos agentes químicos.
O caso do agricultor paranaense é um trágico exemplo do sério dano à saúde pública que o uso dos agrotóxicos pode causar. Enquanto a indústria dos agrotóxicos no Brasil anunciava um faturamento de cerca de 12 bilhões de dólares, aproximadamente 36 bilhões de reais somente em 2014, nesse mesmo ano, o Ministério da Saúde divulgava outro número nada animador: em um período de sete anos, 34.147 notificações foram feitas em centros médicos de todo o país, de pacientes intoxicados pelo uso de agrotóxico.
Segundo Nívia Regina da Silva, da Direção Nacional do MST, “os impactos dos agrotóxicos no Brasil são amplos e englobam diversos grupos sociais: trabalhadores das fábricas de agrotóxicos e moradores do entorno, trabalhadores do agronegócio, camponeses (que utilizam ou que recebem resíduos de agrotóxicos dos vizinhos), populações camponesas que vivem ao redor das grandes plantações, populações tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos) e os consumidores em geral”.
O dossiê realizado pela Abrasco, com dados do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, revela que 2.052 óbitos por intoxicação por agrotóxico foram registrados no Brasil entre 2000 e 2009. Com destaque para a região nordeste, que respondeu a 41,8% dos óbitos. O relatório ainda ressalta as falhas no sistema de registro. Segundo a Organização Mundial da Saúde, se estima que para cada notificado, outros 50 não o foram, ou seja, cerca de 300 mil casos podem ter permanecido ocultos.
Mas a morte não é a única consequência do envenenamento generalizado, provocado pelo uso de agrotóxicos na produção de alimentos. Os impactos sobre a saúde pública são muitos e prolongados.
“Costumamos pensar na morte por envenenamento, porque os números indicam grande volume de casos. Mas a morte nem sempre é o pior. Imagine os casos de crianças que nascem com deficiência, de adultos com câncer, ou mesmo de uma única pessoa, em estado terminal, morrendo como um peixe, por insuficiência respiratória causada por danos nos pulmões. É difícil calcular o sofrimento de todos que acompanham uma situação dessas”, afirma o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo.
Os danos à saúde são variados e de diferentes níveis, de acordo com o grau de exposição aos agrotóxicos. Mas todos, sem exceção, desde os que ingerem alimentos contaminados (ou seja, quase toda a população), e também os trabalhadores e trabalhadoras que se expõem a esses químicos, podem apresentar problemas de saúde ao longo da vida.
Segundo o Médico da Família e integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, Augusto Cézar, não há uma quantidade segura de agrotóxicos para a saúde humana. “Como diz o ditado popular, ‘não importa se é uma colher ou um litro, veneno faz mal igual’. A diferença da concentração pode determinar o tipo de problema que a pessoa vai ter. A exposição aguda pode provocar a intoxicação imediata. Mas a ingestão, seja em qualquer quantidade, pode provocar efeitos crônicos aos quais devemos estar muito atentos”, explica.
Cézar destaca ainda que os consumidores de alimentos contaminados estão suscetíveis aos chamados efeitos crônicos, tais como o câncer. Segundo ele, o Instituto Nacional do Câncer já relaciona 13 tipos de câncer ao consumo prolongado de alimentos contaminados por agrotóxicos.
Melgarejo explica que os “venenos são moléculas de síntese química”, e como o organismo os reconhece, na busca do que fazer com elas, termina alterando o metabolismo. “Alguns podem ser interpretados como gatilhos que alteram o sistema endócrino humano, provocando reações fora de tempo, alterando rotas metabólicas, antecipando menstruações, menopausas e andropausas. Quando impactam sobre o sistema nervoso podem causar distúrbios de muitos tipos, desde dificuldade de aprendizado até suicídios em função de depressões agravadas”, afirma.
A exposição aos agrotóxicos também pode provocar enfermidades permanentes e difíceis de serem diagnosticados, já que todos são filtrados pelo fígado e rins. “Nestes órgãos, impactos continuados podem levar a alterações em uma única célula, causada por doses tão pequenas de moléculas tóxicas que não seriam detectáveis em exames de saúde, e ainda assim levar ao surgimento de danos irreversíveis”, explica Melgarejo.
Com tantos e tão graves riscos à saúde da população, não é exagero dizer que a atual política do governo ilegítimo de Michel Temer para a liberação de novos registros de agrotóxicos no Brasil, coloca o país no caminho contrário da defesa da vida.
Leia a seguir a terceira matéria do especial “Agrotóxicos no Brasil: Impactos e resistência popular”:
“Não há contradição entre desenvolvimento e agroecologia”
*Este material integra o conjunto de reportagens do Especial para o site do MST: “Agrotóxicos no Brasil: Impactos e resistência popular”, como forma de apontar a importância da produção e consumos de alimentos saudáveis, bem como. compreender o processo de interesses políticos que está envolvido neste contexto.