“O local de encontro da população com a política é a rua”, aponta integrante da Consulta Popular
Por Lizely Borges
Da Página do MST
As ruas por todo país, Ao longo desta quinta-feira (18), foram tomadas por manifestantes reivindicando a renúncia do presidente Michel Temer (PMDB) e a realização imediata de eleições diretas. Em cerca de 23 estados foram realizados atos, de acordo com levantamento do jornal Brasil de Fato. A divulgação no dia anterior pelo jornal “O Globo” da delação de um dos donos do grupo JBS, Joesley Batista, à Procuradoria-Geral da República (PGR) envolvendo o presidente no pagamento do silêncio do deputado cassado e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem, na avaliação de movimentos populares e especialistas, potencial para ampliar as mobilizações de massa e reaproximar o brasileiro do debate político.
“Há um potencial de mobilização da sociedade brasileira que nunca tivemos no período que se iniciou a escalada golpista. Isto ocorre porque as figuras que se apresentaram como solução [à corrupção] estão sendo desmascaradas. A tendência então é o povo perceba a farsa que foi o impeachment”, aponta o integrante da Consulta Popular, Leidiano Farias. Para ele, com a recente denúncia, a população de menores rendimentos que já sente as medidas de austeridade do governo, como corte de orçamento em políticas básicas, passa a reconhecer a contradição entre o anúncio do programa de governo de Temer, em especial o de combate à corrupção e reorganização da economia, com o aumento do desemprego, não priorização de políticas públicas essenciais e manutenção nos cargos por réus investigados e citados na Operação Lava Jato – oito ministros, 24 senadores e 39 deputados federais, por exemplo.
Quebra do pacto constitucional e reascenso das ruas
Para Leidiano, as ruas podem servir a uma “refundação do Estado Brasileiro”, fragilizado pela crise dos poderes, da democracia representativa e dos canais de participação. Ele relata que o pacto estabelecido na Constituição Federal em 1988, para restabelecimento da democracia, foi ferido na medida em que poderes instituídos (executivo, legislativo e judiciário) estão fragilizados e o interesse popular não está na centralidade da ação do Estado. “O pacto [da Constituição] está rompido nos seus três pilares para o qual foi estabelecido: a democracia foi golpeada com a destituição da presidenta eleita pelo povo, a econômica vive uma recessão há dois anos e a desigualdade social não está sendo combatida”, aponta.
Como exemplo da crise institucional ele cita o choque entre Supremo Tribunal Federal (STF) e Senado sobre a decisão de afastar ou não o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência da Casa Legislativa após o parlamentar se tornar réu. Para não aprofundar um contexto de crise institucional, com os poderes em desarmonia, ele defende a posse das ruas pela população. “Os canais institucionais estão apodrecidos. Não tem instituições que favoreceram a participação popular, então o local de encontro com a política é as ruas, a mobilização”, completa.
As ruas vêm demonstrando um ascenso progressivo das massas em razão da oposição popular às medidas governamentais, em especial as reformas trabalhista e previdenciária. Organizado pelas Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular em articulação das centrais sindicais, o ato do dia 15 de março levou mais de um milhão de pessoas às ruas do país contra as reformas. Já o dia 28 do abril ficou conhecido como a maior greve da história, com paralisação de mais 40 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, de acordo com a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Medidas antipopulares
Em comum, os participantes do ato desta quinta-feira em Brasília elencam um conjunto de medidas do governo Temer adotadas no último ano que impactou negativamente a população.
Para o coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Bruno Pilon, a fragilização das políticas de comercialização dos alimentos, com a redução dos orçamentos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), afetou duplamente a população do campo e da cidade. Só o PAA sofreu redução em 38% no orçamento de 2017. “Pessoas do campo viram sua produção sendo perdida e da cidade viram o alimento não chegar como antes”, diz em referência à fragilização das políticas de comercialização.
O aumento da violência contra povos indígenas e a reorganização das normativas para atender à interesses de expoentes do agronegócio, setor majoritário no Congresso Nacional, são preocupações centrais da população indígena. A paralisação das demarcações de terras, o desenvolvimento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Funai/Incra e a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, reapresentada em 2012 pelo ruralista e atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), são exemplos para Francisco Kaingang, da comunidade de Cacique Doble (RS), de como o governo atua orientado por interesses econômicos. “Querem acabar com nossos direitos para aumentar o lucro deles”, diz.
De uniforme dos Correios, e marchando pela Esplanada dos Ministérios ao lado do colega servidor Adenir da Silva, o carteiro Jacó Almeida anuncia a resistência à precarização das condições de trabalho. “Estamos aqui pra fazer história. Ele [Temer] está acabando com nosso país. Como vou carregar uma mala de cartas nas costas até os 65 anos?”, problematiza sobre a reforma previdenciária que determina 49 anos de contribuição para aposentadoria integral. “Essa geração tem que saber que somente o povo vai tomar a decisão final, e eles [o governo] estão tomando a decisão por nós, fazendo do jeito que eles querem. Já mostrou a cara dele através de reformas, faz manobra aqui, acolá, molha a mão de um e de outro, e o povo se lascando”, complementa Adenir.
A categoria dos servidores dos Correios encerrou recentemente uma greve nacional em resposta às reformas. “Esse governo disse que não depende de população, todo governo tem que estar atrelado à opinião popular senão não governa para o povo”, conclui Adenir em referência à aprovação popular de menos de 4% a Temer.
“A direita trabalhou com medidas tão inconsequentes, de tanto enfrentamento aos direitos dos trabalhadores, que agora as máscaras começam a cair, o povo começa a enxergar a verdadeira realidade e tomar a rua gradativamente”, analisa o membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Eduardo Borges da Silva.
Participação no espaço público
Para o movimento de mulheres a rua tem ainda maior importância na reafirmação da participação feminina no espaço público e resistência à imposição do espaço privado. “A intenção real deste governo é que as mulheres voltem para casa e por isso vão tomar todas as medidas possíveis para que isso ocorra”, integrante da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), Wilma dos Reis em menção à uma composição de governo masculina, reformas e declarações reducionistas do papel da mulher, como a feita por Temer no Dia das Mulheres no qual poderiam contribuir para “indicar os desajustes de preços nos mercados”
Ela elenca atividades para que as mulheres progressivamente passem a ocupar o espaço pública do debate sobre a política – aulas públicas, reuniões, panfletagens e diálogos diretos com a classe trabalhadora.
Mobilizações
Na experiência de vida da estudante e integrante do Levante da Juventude, Silvia Leticia, a motivação para a ida para as ruas é a vida concreta. “Quando vejo minha família que sai para trabalhar cedo, minha irmã na escola e vejo os perrengues que passam no dia a dia, de quem está na rodoviária, transitando pela cidade, e que está perdendo seus direitos – essa é minha inspiração para lutar”, diz a adolescente de 17 anos.
Ainda que a correlação de forças entre população e setores que dominam a política seja desfavorável, a mobilização massiva pode alterar os quadros institucionais, analisa o membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Marcos Baratto. “O tensionamento social na rua pode mudar a correlação de forças lá dentro [no Congresso]. Nós já destravamos muitas pautas na rua e não na mesa de negociação”, conta. Ele relata que a Marcha de 1997 resultou na criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), central à política rural, e o assentamento de famílias no final daquela década. O MDA foi extinto pela Medida Provisória Nº 726, em maio de 2016, numa das primeiras medidas adotadas pelo governo interino de Temer, logo após o afastamento de Dilma Rousseff do cargo da presidência.
Para dar sequência às denúncias e mobilizações, as Frentes, em conjunto com sindicatos e movimentos populares, realizam em Brasília novos atos pela renúncia de Temer e novas eleições. No domingo (21), às 10h será realizada nova manifestação no Museu Nacional. E no dia 24 a expectativa é a de que a capital federal reúna mais de 200 mil manifestantes de todo país no Ocupa Brasília.