Mauricío Guetta reflete sobre a votação das emendas da MP 759

“Em momento de denúncia contra Temer, é provável que a Câmara vote sem qualquer debate”, aponta advogado do ISA.
Bancada ruralista no Congresso é a mais numerosa. Fonte Banco da Imagens Cãmara.jpg
Bancada ruralista no Congresso é a mais numerosa. Fonte: Banco da Imagens/Câmara

 

Por Lizely Borges
Da Página do MST

 

A apreciação e votação das oito emendas da Medida Provisória (MP 759/16), de autoria de Michel Temer (PMDB), pela Câmara dos Deputados, remetidas à casa legislativa na quarta-feira (21) por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), repete o contexto de turbulência política da votação na sessão deliberativa de 25/05, quando a mesma matéria foi aprovada na Câmara.

Na ocasião, os deputados das legendas de oposição ao governo (PT, Rede, PCdoB, PSOL, PDT e PMB) se retiraram da sessão em oposição à autorização presidencial, por decreto, do emprego das Forças Armadas para conter manifestantes contrários às reformas em curso e pela realização de “Diretas Já”. Sem oposição, os parlamentares da base de apoio ao governo votaram, então, na sessão de duas horas de duração e sem debate, seis MP. Três delas tratam de matérias de alto impacto para populações do campo, água e floresta.

Como item prioritário de votação pelo plenário da Câmara, como determina a normativa para tramitação de uma MP, a votação das oito emendas ocorre em cenário de recente denúncia contra Temer. Na noite desta segunda-feira (26) o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou ao STF nova denúncia contra o presidente por corrupção passiva, com base na delação dos acionistas e executivos do Grupo J&F, que controla a JBS.

Somado ao fato de que o retorno da votação da MP pela Câmara já decorre em face ao reconhecimento pelo STF da violação constitucional e regimental pelo Senado, pelo fato do texto enviado à sanção presencial ser diferente do votado pela Casa revisora das leis, a sessão de apreciação de emendas deve evidenciar o contexto de crise do governo e a pressa da bancada ruralista, majoritária no Congresso, em aprovar rapidamente a Medida. Integrantes da base de apoio ao governo, a bancada ruralista responde por 207 de um total de 513.

Em entrevista à Página do MST, o advogado do Instituto Socioambiental, Maurício Guetta, reflete sobre a votação das emendas pela Câmara e a atuação do Legislativo, que, associado ao Executivo, contribui para o avanço de pautas de interesses do agronegócio. Ele ainda defende a necessidade de construção de unidade para conter o avanço da atuação legislativa dos ruralistas.

MST – Por determinação do STF, a Câmara deve votar nos próximos dias as emendas da MP 759 não apreciadas e votadas pelo Senado. Considerando que as duas casas legislativas, Câmara e Senado, têm a bancada ruralista como majoritária e não tiveram dificuldade de aprovação da MP 759 nos meses anteriores, como deve ser dar a votação das emendas que tratam da regularização fundiária pela Câmara?

Maurício – Quando a proposta da MP 759 foi levada ao plenário da Câmara foi num momento de maior turbulência política deste governo. A bancada de apoio tentou conferir um grau de normalidade às votações. Com a retirada de deputados de oposição a votação da Medida ocorreu sem qualquer tipo de debate.

O que o ministro Barroso fez foi reconhecer a violação no processo legislativo: o Senado aprovou emendas que não foram apreciadas pela Câmara. Este fato é símbolo da pressa em aprovar, até o fim do seu mandato de Temer, que esperamos que seja breve, uma série de pautas de retrocessos sociais.

Infelizmente, a votação das emendas deve se dar de forma similar. Num momento em que há uma denúncia contra Temer, e esta é remetida à Câmara, é possível que ele adote a mesma estratégia e tente fazer com que sua base de apoio vote sem qualquer debate, sem permitir o contraditório.

De uma forma ou de outra, em relação às Medidas Provisórias, é difícil realizar o debate legislativo, com a devida profundidade, com este Congresso dominado por bancadas ligadas à setores empresariais.

A saída possível, e muitas vezes não dá para contar com ela, é o Judiciário. Já temos uma articulação jurídica com organizações de peso para ajuizar uma ação de inconstitucionalidade contra a MP 759 e outras medidas.
 

O advogado do Instituto Socioabiental lista o conjunto de medidas movidas por parlamentares ruralistas. Foto Jefferson Rudy.jpg
O advogado do Instituto Socioabiental defende a necessidade de construção de unidade para conter o avanço da atuação legislativa dos ruralistas. Foto Jefferson Rudy

A MP 759 altera um conjunto de normativas que tratam da regularização fundiária urbana e rural, muitas deles resultante da pressão popular. Proposta pelo presidente e avalizada pelo Legislativo, porque a MP 759 se constitui como medida central ao projeto deste governo?

A edição da norma como medida provisória é simbólica para evidenciar a urgência e açodamento, tanto do governo quanto da maior parte do Congresso Nacional, em aprovar medidas que retiram direitos, em especial da população mais vulnerável. Isso se manifesta gravemente com a MP 759, a “MP da Grilagem”, que estabelece a legalização do grilo. Isso deve gerar uma pressão enorme nas populações do campo e um avanço no desmatamento, entre outras decorrências. Uma MP que trata de um dos problemas brasileiros mais graves que é a questão fundiária, foi aprovada sem debate, sem controle social e diálogo com movimentos impactados.  Inclusive alguns Ministérios, como o do Meio Ambiente, foi alijado do debate.

Desde o início desta legislatura movimentos populares e organizações de defesa dos direitos do sujeito do campo, da floresta e do meio ambiente e alguns órgãos de governo, como o Ministério Público, denunciam que o Legislativo, por sua composição, serve a expoentes do agronegócio. Em quais leis é possível identificar esta relação do Legislativo à serviço do agronegócio, considerando tanto as matérias já aprovados como aquelas em trânsito?

É preciso compreender anteriormente que este governo não foi eleito, não possui qualquer tipo de adesão popular e apresenta o mais baixo índice de aprovação popular da história. O que quer dizer que significa que se o governo não tem apoio popular ele vai se servir do Congresso. Para isso, vai atender aos desejos mais espúrios de algumas das bancadas conservadoras para se manter no poder. Neste sentido, uma série de pautas de retrocessos. E não é uma ou são duas, é um conjunto de medidas capitaneadas pela bancada do agronegócio, muito expressiva em termos numéricos e força política, para desmantelar os direitos sociais e socioambientais.

Os principais exemplos, neste momento, são a flexibilização do licenciamento ambiental, colocando em risco o direito da população em viver em ambientes equilibrados. A bancada ruralista tenta desmantelar o principal instrumento da política nacional do meio ambiente. Para isso temos, por exemplo, o PL 3729/04, de relatoria do deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB/RS), em que uma das propostas é acabar com o licenciamento para toda atividade agrícola, de pecuária, de silvicultura. Este PL conta com mais de 20 textos propostos. O último não foi debatido com absolutamente ninguém, foi apresentado pelo relator no Dia do Meio Ambiente (05/06) e está pronto para ser apreciado e votado pelo plenário da Câmara a qualquer momento, sem discussão nas comissões e debate com a sociedade.

Temos também que as unidades de conservação da natureza, principalmente as da Amazônia, estão sob ataque. Um exemplo são as MP 756 e 758, que tratam das unidades da região do Pará e são objetos de intenso processo de grilagem, extração de madeira e garimpo ilegais. Há minutas de PL para reduzir as unidades nos estados do Amazonas, Santa Catarina e Bahia, ou seja, há um ataque ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Fora a iniciativa apresentada pelo deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP/RS) de desconstituir um sistema como um todo, alterando a Lei 9985/00 que estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

É importante mencionar também o ataque frontal aos direitos dos povos indígenas com a Proposta de Emenda Constitucional 215/2000 que pretende alterar, por completo, os direitos previstos pela Constituição para estes povos, permitindo que grandes empreendimentos e atividades de alto impacto, como hidrelétricas e rodovias, sejam realizadas dentro de terras indígenas, entre outras medidas.

Há também um processo de paralisação completa de reconhecimento dos territórios tradicionais. A Casa Civil, presidida pelo ministro Eliseu Padilha (PMDB/RS), emitiu um ofício dirigido ao Ministério Público Federal em que afirma que não vai reconhecer nenhum território quilombola até o final deste governo, alegando que há uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADIN) movida no Supremo Tribunal Federal [a ADIN 3.239 questiona a validade de um decreto presidencial que definiu os ritos e critérios para a demarcação], quando não há nenhuma decisão do Judiciário que impeça a demarcação. Os quilombolas vivem a situação dramática – cerca de 90% dos territórios quilombolas estão à espera de reconhecimento. Há um déficit imenso e o Estado se nega a proceder para avanço neste reconhecimento.

Qual é o impacto para o conjunto de demandas da população brasileira ao não ter, em igual proporção expressa na sociedade, suas representações no Congresso?

Tivemos, ao longo da nossa curta democracia, uma série de medidas que permitiram que ocorresse este descolamento entre representação parlamentar e sociedade. O caso das mulheres é emblemático. Temos 10% de parlamentares mulheres em uma população de representação feminina de mais de 50%. O mesmo se expressa para o agronegócio. Temos uma baixa representação deste setor no campo e mais de 200 parlamentares compõem a bancada ruralista. E este grupo não representa os interesses do campo, pelo contrário, esta bancada representa interesses específicos, que são os do grande latifúndio, na monocultura, atuando contra uma série de direitos sociais.

O financiamento privado de campanha, já considerado inconstitucional, contribuiu muito para isso. Permitiu que tenhamos um Congresso com baixíssimo índice de representatividade. Os interesses defendidos pela maioria dos parlamentares são os das corporações privadas ou setores específicos, ao contrário do que deveria prevalecer que são os de interesse público. Quanto menos força política e econômica um grupo social tem, menos representatividade tem no Congresso, neste modelo de financiamento. Outro exemplo é ausência de parlamentares indígenas.

É importante que movimentos e organizações estejam então atentos, neste momento, para que possam se ajudar mutuamente em suas pautas.  Que o movimento indígena apoie o movimento quilombola, que este apoie o de mulheres, o LGBT, o do campo, e assim em diante.  Se a gente conseguir uma articulação forte o suficiente para conquistar o coração da sociedade para que ela compre esta briga conosco, a gente pode evitar que os retrocessos de deem neste período. Caso contrário, vamos sofrer ainda mais.

 

 

*Editado por Rafael Soriano