MST participa de conferência pan-africanista na Tunísia
Por Simone Freire
*Especial para a Página do MST
Foto: Kate Janse van Rensburg / Pan-Africa Today
Entender as experiências de luta no continente africano e trocar experiências sobre a realidade brasileira foram os principais objetivos da participação do MST na Conferência Pan-Africanismo Hoje (Pan African Today Conference – PAT), realizada em Borj Cedria, na Tunísia, de 30 de junho a 2 de julho, que reuniu cerca de 200 representantes de 39 países, dos cinco continentes.
Além do MST, participaram organizações como a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), que representa uma articulação de diversos países da América Latina; o Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (Numsa) e United Front, ambos da África do Sul; o Partido Socialista da Zâmbia; o Fórum Socialista, de Gana; entre outros.
Segundo Alexandre Conceição, da Direção Nacional do MST, participar dessa atividade é dar continuidade a um trabalho de luta pela terra iniciado em 1984, cuja luta pela titulação de terras quilombolas também sempre este vem pauta.
No entanto, o dirigente pontuou que o recorte de raça na discussão política nem sempre teve a devida atenção nas estratégias de luta ao longo dos anos. “O MST não pode deixar de discutir o tema de raça que tanto foi negado pelos movimentos de esquerda no Brasil e no mundo inteiro. O movimento de esquerda sempre considerou a luta de classes como a única coisa a ser discutida, sem levar em consideração duas coisas cruciais que o MST vem incorporando no seu debate: a questão da raça e de gênero. Estas coisas não estão separadas da luta de classes”, explicou.
Luta internacionalista
O Brasil possui uma população majoritariamente negra. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os negros (pretos e pardos) representam 53,6% da população. Em 2004, 73,2% dos mais pobres eram negros, patamar que aumentou para 76% em 2014. Esse número indica que três em cada quatro pessoas é negra entre os 10% mais pobres do país.
Com a atual conjuntura, cujo golpe contra a presidenta Dilma Rousseff escancarou o processo de desmonte da democracia brasileira, a situação da população negra e periférica do país apenas se agrava. Segundo o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre o assassinato de jovens, divulgado em junho de 2016, por ano, mais de 23 mil jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados no Brasil. São 63 jovens por dia, um a cada 23 minutos.
Isso, somado a outros fatores como desigualdade social e racismo comprovam os atuais malefícios da herança do período da escravidão no país. Segundo Alexandre, entender a realidade do negro na África e o conceito de pan-africanismo colabora para a luta em ambos os territórios, formando uma rede de solidariedade e enfrentamento aos problemas.
E este é um dos objetivos da Brigada Internacional Samora Machel, que existe há pouco mais de três anos no continente. “Temos uma Brigada atuando na África do Sul para compreender esta política do povo africano, a sua forma de se organizar e fazer a luta, além de fazer uma troca de experiência e intercâmbio”, disse Alexandre.
Na mesma linha, a integrante da Brigada e assistente social Alexsandra Rodrigues de Lima, afirmou que a Reforma Agrária não é só uma luta pela terra, mas uma luta ampla. Neste sentido, é preciso participar organicamente dos processos para entender as semelhanças e diferenças entre os territórios para a construção de um plano comum.
“A gente estuda, mas ter uma vivência, estar aqui, e aprimorar esse debate sobre a luta da classe trabalhadora negra no continente africano é diferente, e faz com que a gente perceba que precisa se aprimorar ainda mais a essa discussão”, disse.
Educação popular
“A democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça”. Estas palavras estão no livro Significado do Protesto Negro publicado em 1989 pelo sociólogo Florestán Fernandes, uma das maiores referências do movimento, cuja escola nacional de formação política leva seu nome.
A Escola Nacional Florestán Fernandes (ENFF) e seu conceito de educação popular também foram temas discutidos durante a conferência na Tunísia. A escola tem sido inspiração para a experiência da “Nkrumah School”, também sediada na África do Sul, projeto do coletivo Pan African Today (PAT), organizador da atividade.
A escola africana já realizou diversos cursos de formação política e de comunicação, com a participação de representantes de vários países da África e do mundo. Seu nome é uma homenagem a Kwane Khrumah (1909-1972), líder político e presidente da Gana de 1960 a 1966, considerando o pai do pan-africanismo.
Internacionalizar o conceito de educação popular nos pilares do educador e pedagogo Paulo Freire (1921-1997) tem sido então um dos eixos de atuação da Brigada. “Espero que isso faça com que se fortaleça a luta pela educação popular, diferenciada e de qualidade ao redor do mundo, que possamos construir uma nova forma de educar e se educar para que nós possamos construir a nossa própria história”, desejou a educadora Andréia Ribeiro.
Alimentação saudável
A luta pela terra no Brasil requer a luta pelo bom uso do solo e de uma relação harmoniosa com o meio ambiente. Também presente na atividade, Fábio Pimentel, integrante do Coletivo de Relações Internacionais do MST, foi o responsável por trazer o contexto desta batalha pela agroecologia e alimentação saudável no Brasil durante o painel “Agricultores camponeses: agroecologia, soberania alimentar e arranjos institucionais”.
Saber que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, e que seu uso excessivo gera diversos malefícios para a saúde da população, relembrou os presentes do quanto é difícil lutar contra as grandes multinacionais.
Para Pimentel, estar junto a tantos outro coletivos trouxe a oportunidade de entender que os &”39;inimigos dos movimentos populares são os mesmos&”39; ao redor do mundo. “As multinacionais que dominam o mercado de sementes, que impõe o pacote tecnológico baseado no veneno, no agrotóxico; as empresas que dominam o mercado dos produtos agrícolas são as mesmas ao redor do mundo. Visto que temos o mesmos inimigos, nós que estamos fazendo a luta na América Latina e as organizações que estão fazendo no continente africano temos a perspectiva acumular forças”, disse.
*Editado por Leonardo Fernandes