Romaria da terra e das águas reafirma a luta pelo território e contra os retrocessos

Na ocasião, foi feita a leitura da carta final que apresentou uma síntese das plenárias e da trajetória de luta que a Romaria tem construído em suas 40 edições.

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Por Coletivo de Comunicação do MST na Bahia
Da Página do MST

 

Com base na leitura popular da bíblia e na luta contra as desigualdades e exploração do trabalho, a 40ª Romaria da Terra e das Águas, realizada em Bom Jesus da Lapa, de 07 a 09 de julho, reuniu mais de 6 mil romeiros e romeiras de diversas regiões do estado da Bahia.

Neste ano, a Romaria foi mais um espaço de reflexão, celebração com diversas plenárias, discussões acerca do atual momento político e de repudio às medidas antipopulares do governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB) e aos índices de violência no campo que tem crescido no último período.

Um dos marcos do evento foi a plenária de encerramento que homenageou o militante popular Cícero Nogueira. Na ocasião, foi feita a leitura da carta final que apresentou uma síntese das plenárias e da trajetória de luta que a Romaria tem construído em suas 40 edições.

O documento teve como base a construção de alguns compromissos. O primeiro é a defesa da Terra e do Território, com foco nas lutas, articulações e processos formativos pelas demarcações e regularizações dos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais, na defesa dos biomas onde eles estão inseridos.

Em seguida, reafirmaram a necessidade de criar ou revigorar espaços de discussão e incidência no campo da Fé e da Política, dentro e fora das Igrejas, priorizando o protagonismo juvenil. Por outro lado, na carta foi destacado a necessidade de intensificar as lutas em defesa da natureza, através do lema “construir sem destruir”, sem perder de vista o protagonismo das Crianças e da Juventude, colocados também como compromisso pela Romaria.

Por fim, enfatizou a necessidade de criar ou reforçar a Pastoral do Meio-Ambiente nas dioceses, retomando a “Articulação Popular São Francisco Vivo”, das regiões e da Bacia, como instrumento para provocar e somar forças em defesa do Rio, sua natureza e sua gente.

Leia na íntegra o documento.

“Com o Bom Jesus, reconstruir a esperança a partir dos pobres”

Somos cerca de 6.000 romeiros e romeiras, vindos das comunidades eclesiais, organizações sociais e movimentos populares das dioceses do Centro-Oeste, Centro-Norte, Sul, Extremo Sul e Sudoeste da Bahia e de outros estados, nesta romaria jubilar, que celebra 40 anos de caminhada do povo do campo e da cidade em busca da Terra Prometida em que corre o leite da Justiça e o mel da Paz. Entre os dias 07 e 09 de julho, estivemos nos espaços sagrados do Santuário da Lapa do Bom Jesus e da Senhora da Soledade, às margens do combalido Rio São Francisco, trocando experiências, rezando nossas preces e cantando as canções da antiga e presente Caminhada de fé e luta, há 40 anos assim se expressando neste tricentenário Santuário.

A inspiração desta romaria da terra, uma das primeiras do Brasil, senão a primeira, foi a peregrinação, de caminhão e a pé, que 120 camponeses da Diocese de Ruy Barbosa fizeram, em 1977, ao Santuário do Bom Jesus, como derradeiro apelo, confiante em Deus, depois de esgotados todos os recursos disponíveis para defender suas posses de terra sob pressão de grileiros, com omissão e mesmo conivência do Estado.

Aí inspirada, a 1ª Missão da Terra, em 1978, dialogou com a tradição popular e camponesa deste Santuário e marcou as 39 romarias que vieram depois. É o que expressou o lema desta primeira, cunhado pelo bispo-poeta, presidente da Comissão Pastoral da Terra no Regional Nordeste III da CNBB, D. José Brandão: “Um olhar na Lapa do Bom Jesus vê um pedacinho do céu, muitos olhares juntos veem céus e terra e inteiros”.

Quarenta é número bíblico, marcante na caminhada do Povo de Deus. Quarenta dias durou o dilúvio, pelas águas fim e recomeço de novo mundo e nova gente. Quarenta anos peregrinou o povo pelo deserto, aprendendo a conquistar a Terra Prometida, do leite e do mel abundantes. Quarenta dias jejuou Jesus no deserto, a superar as dúvidas e provações, a se preparar para árdua missão libertadora. Quarenta romarias ao Bom Jesus, na gruta de milhões de anos, a congregar comunidades e lutas e reanimar a Caminhada de libertação, já e ainda por alcançar.

Vivemos tempos temerosos onde direitos em todos os setores, tão duramente conquistados, estão sendo destruídos como moeda de troca entre grupos minoritários de poder em vista da acumulação ainda maior e insaciável do capital em escala global. O avanço do agro e hidro negócio sobre os nossos biomas foi veemente combatido em todos os plenarinhos, como também denunciados foram o processo de criminalização das lutas e das lideranças populares.

Jubilar, nossa 40ª Romaria definiu, nos cinco plenarinhos, compromissos para a continuidade da Caminhada. Terra / território: continuar as lutas, com mais articulação e processos formativos priorizando jovens e mulheres, pelas demarcações e regularizações dos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais e na defesa dos biomas onde eles estão inseridos. Fé e Política: criar ou revigorar espaços de discussão e incidência de fé e política, dentro e fora das Igrejas, priorizando o protagonismo juvenil. Crianças: intensificar as lutas em defesa da natureza (“construir sem destruir”), não desperdiçar água e energia nem desmatar, valorizar os recursos que ainda temos, cuidar da criançada. Juventude: aproximar-se dos movimentos culturais para conhecer e ajudar no fortalecimento das lutas que expressam na defesa da vida e na preservação destes saberes. Rio São Francisco: criar ou reforçar a Pastoral do Meio-Ambiente nas dioceses; retomar e fortalecer a Articulação Popular São Francisco Vivo, das regiões e da Bacia, como instrumento para provocar e somar forças em defesa do Rio, sua natureza e sua gente, a lutar pela sua revitalização verdadeira e urgente. São compromissos que assumimos aos pés do Bom Jesus, na Gruta da Soledade, contando com suas bênçãos, aos quais convocamos a adesão de todos e todas.

O apelo do Papa Francisco ecoa em nossos corações e nos convoca à urgente unidade da luta: “o tempo para encontrar soluções globais está acabando. Só podemos encontrar soluções adequadas se agirmos juntos e de comum acordo. Portanto existe um claro, definitivo e improrrogável imperativo ético de agir”.

Disse D. João Cardoso, bispo diocesano da Lapa, numa das nossas muitas celebrações: “É hora de construir a esperança, nesse momento em que a ética e os princípios morais estão abandonados por agentes públicos e privados pondo em risco o Estado Democrático de Direito com o descrédito e o desencanto com a política. Esperança que se reconstrói a partir dos pobres, de seus direitos e de suas aspirações por terra, teto, trabalho, justiça e paz.

Esperança que se reconstrói a partir do cuidado com a nossa Mãe e Irmã Terra, em defesa da vida e dos nossos biomas, guardando e cultivando a criação. O que requer mudanças profundas em nossos estilos de vida, em nossos modelos de produção e de consumo e nas estruturas de poder que regem nossas sociedades.”

Renovados nesta esperança que vem dos e com os pobres, voltamos para nossas comunidades e territórios com a certeza de que, unidos entre nós, em torno do Bom Jesus, com a ajuda de Nossa Senhora da Soledade e com nossas lutas incessantes, “terra e céus inteiros” estão ao nosso alcance. Já os experimentamos no Bem Viver.  “Para o ano eu volto, já conte comigo!”

Bom Jesus da Lapa, 09 de julho de 2017.

 

 

*Editado por Rafael Soriano