Marina dos Santos traz mensagem do MST à VII Conferência da Via Campesina
Por Leonardo Fernandes
Da Página do MST
Camponeses e camponesas de mais de 70 países se reunirão em Derio, no País Basco, entre os dias 16 e 24 de julho, onde será realizada a VII Conferência Internacional da Via Campesina. O evento busca reafirmar o compromisso das organizações camponesas integrantes dessa articulação para construir um caminho unitário rumo à soberania alimentar e pela garantia dos direitos dos campesinos, populações rurais, indígenas e pequenos produtores de alimentos.
A VII Conferência será precedida ainda pela IV Assembleia Internacional de Jovens e da V Assembleia Internacional de Mulheres. A ideia é que esses dois espaços sirvam precisamente para acumular debates e análises estratégicas para a participação na VII Conferência.
Com o objetivo de garantir a igualdade de gênero e a renovação dos quadros políticos da Via Campesina, a composição dos delegados garantirá a participação de 50% de mulheres e um terço de jovens.
Sob o lema “Alimentamos nossos povos e construímos movimentos para alimentar o mundo”, a VII Conferência da Via Campesina discutirá temas relacionados à forma de organização do campesinato nas diferentes regiões do mundo, além dos assuntos diretamente ligados à produção de alimentos, como a disputa dos modelos de agricultura, a preservação de sementes e as respostas às mudanças climáticas.
Marina dos Santos, da Direção Nacional do MST, explica em entrevista os objetivos centrais da articulação camponesa, o contexto político no qual se insere e sinaliza como será a participação do Movimento Sem Terra na VII Conferência Internacional da Via Campesina. Confira a seguir.
Qual é o contexto político da realização da Conferência?
A VII Conferência está inserida num contexto difícil, de graves crises que estão sendo enfrentadas pela humanidade. Crise econômica, política, ambiental, de valores e de profundas contradições entre o capital e trabalho. E no campo, em todo o mundo, não é diferente. Por isso, poder reunir, olhar e avaliar a conjuntura, esse momento político e os desafios que estão postos para a classe trabalhadora, nos organizarmos estrategicamente é mais que necessário, é muito importante.
O MST tem uma proposta de modelo para o campo, que se contrapõe ao modelo do agronegócio, do capital. De que maneira essa disputa de modelos estará presente na conferência?
Nas últimas décadas, em todos os continentes, os camponeses, camponesas, indígenas e afrodescendentes vivem um processo permanente de disputa entre dois projetos na agricultura: um do capital e outro dos trabalhadores. No projeto do capital, estão os latifundiários, as empresas capitalistas nacionais e multinacionais, os bancos, os grandes meios de comunicação e os governos conservadores. Esse setor vem concentrando a terra, a água, os minérios, produzindo em áreas de monocultivos sempre com prioridade para exportação, utilizando cada vez menos mão de obra e cada vez mais agrotóxicos, apropriando-se das sementes e transformando-as em patentes privadas. Além disso, esse setor utiliza a transgenia e se apropria cada vez mais dos territórios das populações tradicionais, colocando em risco todos os bens da natureza.
Já os camponeses, camponesas, comunidades indígenas, trabalhadores agrícolas, afrodescendentes, pescadores, mulheres e trabalhadores da agricultura, vem resistindo e construindo um modelo de produção baseado no trabalho, na viabilização de suas vidas no campo, na produção de alimentos saudáveis para si e para os trabalhadores urbanos, na preservação e recuperação do meio ambiente.
No final do século XX, quando o capitalismo entrou numa nova fase dominada pelo capital financeiro e pelas corporações transnacionais, que passaram a dominar a agricultura, com os impactos do avanço do neoliberalismo no campo, a liberalização dos mercados agrícolas, a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e as políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, com as devidas consequências para o campo e para a agricultura em todo o mundo, surgiu a necessidade de articular a resistência popular em escala internacional. Foi dessa forma que nasceu a Via Campesina Internacional, uma articulação mundial de camponeses e trabalhadores da agricultura. Seu surgimento tem um forte aspecto baseado nas ações de solidariedade frente aos despejos, repressões, prisões e até massacres por que enfrentavam (e ainda enfrentam) os camponeses e camponesas de diversos lugares do mundo. E todo esse espírito de solidariedade estará presente na VII Conferência.
Serão discutidas alternativas ao modelo do agronegócio?
Para além da busca de alternativas ao modelo atual, acredito que os principais temas tratados serão de como desenvolver a luta permanente contra as transnacionais e o modelo dos agrohidronegócios e mineralnegócios, a agricultura industrial, que atenta contra os direitos da vida, do planeta e dos povos do campo.
Além disso, será preciso discutir como vamos superar o burocratismo e manter a Via Campesina com um caráter anticapitalista, antineoliberal, antipatriarcal e anti-imperialista, comprometida com a construção de movimentos sociais de massas e de lutas.
Também é tarefa da VII Conferência, ajudar a compreender o processo e as formas de lutas projetadas para defesa e conquista da Reforma Agrária, tanto para o debate do desenvolvimento do campo, como para os movimentos sociais que fazem lutas em defesa da realização da Reforma Agrária e apresentam propostas contra-hegemônicas diante do sistema vigente.
De uma forma geral, quais serão os temas debatidos na conferência?
O lema da conferência é “alimentamos nossos povos e construímos movimentos para alimentar o mundo”. Mas são vários pontos comuns que são trabalhados e defendidos, como a Reforma Agrária integral e Popular, a luta em defesa da agricultura camponesa e o caráter estratégico da luta pela soberania alimentar, a igualdade de gênero, a defesa e cuidado da terra e do território, a defesa dos bens naturais, as sementes como patrimônio dos povos, a agroecologia e a biodiversidade.
Nessa conferência, avançaremos em temas importantes como a participação efetiva das mulheres, da juventude e dos LGBT no interior da Via Campesina. As mulheres debaterão o Feminismo Camponês e Popular, a partir da compreensão de que a luta pela emancipação das mulheres deve ser articulada com as lutas dos movimentos sociais camponeses e de que a luta por igualdade de gênero deve caminhar junto com a luta pelo fim da propriedade privada, pelo direito a terra e ao território, pela Reforma Agrária. Será o momento de afirmar que o socialismo e o Feminismo Camponês e Popular é insubmisso e questiona as concepções patriarcais e burguesas que são funcionais às políticas de exploração capitalista.
Qual o objetivo da VII Conferência da Via Campesina?
Os objetivos da Conferência estarão ligados aos objetivos gerais da Via Campesina, que se baseiam em desenvolver a solidariedade, a unidade na diversidade entre as organizações membro para promover as relações econômicas de igualdade, de paridade de gênero, de justiça social, a defesa e conquista da terra, da água, das sementes e outros bens naturais, a soberania alimentar, a produção agrícola sustentável e uma igualdade baseada na produção a pequena e média escala. Os debates buscarão articular formas de melhorar a implementação dos objetivos na prática, além de identificar os desafios e formas de mobilização que são utilizadas na atualidade nas lutas pela Reforma Agrária.
Quem participa? Ou seja, qual o perfil das organizações?
A Via Campesina é o movimento internacional de camponeses mais conhecido no mundo, o que o transforma no movimento social mais importante da atualidade, estando organizado em nove regiões do mundo (e a região MENA – do Oriente Médio e Norte da África, em construção), em 4 continentes, e com uma secretaria operativa em Harare, Zimbábue. Fazem parte da Via Campesina mais de 150 organizações de cerca de 70 países. Cada organização membro participará da conferência com seus delegados e representações. Se espera em torno de 400 delegados e delegadas participantes.
Como será a participação do MST no evento?
Nossa região, a América do Sul, da qual o MST faz parte, participará com 52 delegados e delegadas. O MST terá uma boa representação e continuará fazendo parte da Coordenação Internacional (CCI) da Via Campesina.
Historicamente, desde o processo de articulação e organização da Via Campesina, o MST fez parte e dedicou esforços para a construção desse movimento autônomo, plural, multicultural, independente, sem nenhuma filiação partidária, econômica ou de outro tipo, o que terminou transformando esse grande movimento a nível internacional.
Muitas mãos do MST contribuíram para isso, e nessa conferência faremos questão de lembrar e homenagear nosso querido e saudoso Egídio Brunetto, que tanto contribuiu para essa construção! Para nós, globalizar a luta é globalizar a esperança!
*Editado por Rafael Soriano