No RS, camponesas Sem Terra debatem violência contra a mulher
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
As formas de violência contra a mulher estiveram no centro do debate do Encontro Estadual do Setor de Gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul. O evento foi realizado dias 3 e 4 deste mês no Assentamento Filhos de Sepé, localizado no município de Viamão, na região Metropolitana de Porto Alegre, com o objetivo de aprofundar o conhecimento das participantes sobre a realidade das mulheres e os processos de violência.
A discussão foi ministrada por Lurdes Santin, da coordenação do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). Ela falou sobre as diferentes formas de violência que as mulheres enfrentam no dia a dia e destacou os avanços que tiveram a partir da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), que completa nesta segunda-feira (7 de agosto) 11 anos de existência. Ela é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres.
Outra iniciativa de combate à violência apresentada por Lurdes diz respeito ao reconhecimento do feminicídio — assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres — como crime hediondo, por meio da Lei 13.104/2015. A alteração do artigo 121 do Código Penal tem ajudado a tirar mortes brutais de mulheres da invisibilidade. Lurdes explica que, geralmente, quando ocorre este tipo de crime a vítima já sofreu vários outros tipos de violência. “Existem pesquisas que mostram que as mulheres demoram de 7 a 11 anos para fazer a primeira denúncia. Se chegou à física é porque já passou por todos os outros tipos de violência”, diz.
Conforme Lurdes, muitas vítimas não percebem que sofrem determinados tipos de violência, os quais acontecem na maioria das vezes em investidas de humilhação, culpa e chantagem emocional, entre outras, por parte de seus companheiros, maridos ou namorados. Para Lurdes é fundamental que as mulheres façam uma “limpeza de culpa”. “Se acontece alguma coisa de ruim dizem que a culpa é nossa. O mesmo acontece se temos filhos ou se não temos filhos. As mulheres hoje se culpam porque apanham”, relata.
Ela destaca ainda que a violência de gênero é fruto de uma relação histórica de poder, que se baseia numa crença de que o homem é superior à mulher, e tem ligação direta com a violência estrutural. Esta, numa visão geral, segundo o Observatório sobre Crises e Alternativas, criado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, “é produzida pela organização econômica e política das sociedades, que expressa-se na desigual distribuição do poder e, consequentemente, em oportunidades desiguais, na discriminação e na injustiça”. No caso específico das mulheres, a sociedade, por ter em sua estrutura o machismo e o partiarcado, acaba legitimando inúmeras situações de opressão. “O jeito que está estruturada a nossa sociedade é a pior forma de violência que as mulheres podem sofrer. Enquanto continuar deste jeito as outras formas de violência vão continuar existindo”, avalia Lurdes.
Violência institucional
A situação das mulheres na atual conjuntura política do país e com o governo de Michel Temer (PMDB) também foi debatida no Encontro Estadual do Setor de Gênero. Na ocasião, a camponesa Roberta Coimbra, assentada no município de Piratini, na região Sul do estado, reforçou que o Brasil vive um período de desmonte de uma estrutura de sociedade que estava sendo construída através das lutas populares. Segundo ela, a reforma trabalhista, sancionada dia 13 de julho deste ano por Temer, e a reforma previdenciária, que tramita no Congresso Nacional como Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, serão extremamente prejudiciais à população brasileira, principalmente às mulheres.
“Com a reforma trabalhista, as mulheres urbanas, especialmente as negras e pobres, não têm mais seus direitos básicos assegurados. Elas não terão mais tempo para cuidar dos filhos, para cuidar de si, para fazer o que gostam. Vamos entrar num ritmo de trabalho que vai gerar menos qualidade de vida e mais empregos precários. Já a reforma da previdência vai provocar a fome e a miséria no campo. As mulheres, sobretudo as mais idosas, sustentam crianças, doentes e pessoas mais jovens com a aposentadoria. Vai haver também uma relação de trabalho sub-humano com o empregador, além da quebra financeira de muitos municípios”, explica Roberta.
A assentada complementa que, nesta situação de desmonte dos direitos, cabe às mulheres zelar pelas conquistas que tiveram ao longo dos últimos anos na gestão dos governos progressistas. As participantes também sinalizaram a importância da solidariedade de classe para a construção da resistência popular. De acordo com a dirigente nacional do MST no RS, Silvia Reis Marques, assentada no município de Bossoroca, na região das Missões, um dos caminhos para a “libertação” dos trabalhadores e das trabalhadoras é a unificação das lutas para a saída de Temer da presidência e a realização de uma eleição direta.
“Não tivemos grandes avanços na pauta da Reforma Agrária nos governos de Lula e Dilma, mas nossos direitos de trabalhadores do campo estavam assegurados nestes últimos anos. Com Temer a decisão política é acabar com esses direitos para o crescimento do agronegócio, das grandes empresas e da burguesia. Nós, camponesas e camponeses, ainda temos um espaço para viver e produzir nossa comida. Mas e quem está na cidade? O caminho para nós é derrubar esse governo golpista. Nossa tarefa é construir resistência e alternativas. Precisamos estar preparadas com esse olhar da realidade e prontas para lutar”, aponta Silvia.
Salete Carollo, assentada no município de Tapes, na região Metropolitana de Porto Alegre, acrescenta que a tarefa das mulheres, e do MST como um todo ,é reerguer a classe trabalhadora por meio de iniciativas como o trabalho de base. “O Movimento tem condições de resistir através dos assentamentos. Comida não nos falta, nem lugar para morar. Mas precisamos pensar como ajudar quem está na cidade, que não tem as mesmas condições de resistência que nós temos no campo”, finaliza.
Coletivo LGBT
Durante o encontro também foi tratada a construção de um coletivo LGTB no estado, para que o MST no RS passe a debater o tema em suas instâncias internas. A ideia é ajudar a combater a homofobia no conjunto da sociedade.