Miriam Farias: “Somos milhares, talvez milhões de ‘Margaridas’”

Conterrânea de Margarida Alves, a militante do MST na Paraíba fala sobre o Dia Nacional contra a Violência no Campo e em Defesa da Reforma Agrária
Miriam Farias, paraibana, durante a Jornada de Lutas das Mulheres Sem Terra, em março de 2017.jpeg
Miriam Farias da Silva, assentada do Assentamento Celso Furtado

Por Leonardo Fernandes
Da Página do MST

“Cumprimento as margaridas do sul, do sudeste, do centro-oeste, do norte e do nordeste. As margaridas, extrativistas, pescadoras, quebradeiras de coco, ribeirinhas, quilombolas e indígenas. As margaridas trabalhadoras rurais, assentadas da reforma agrária, agricultoras familiares, que honram a luta da Margarida Alves”. Essas foram as palavras iniciais do discurso da presidenta Dilma Rousseff há exatos dois anos, às milhares de ‘margaridas’ que estiveram reunidas em um grande encontro no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, em 2015.

Novamente no dia 12 de agosto, quando se completam 34 anos do assassinato da guerreira Margarida Alves, as mulheres trabalhadoras de todo o Brasil se inspiram em seu exemplo, sua história, para seguir a luta em um contexto de violência cada vez mais alarmante para as populações rurais do país.

Desde o histórico discurso da presidenta Dilma, uma série de retrocessos começaram a ser aplicados sobre os direitos da classe trabalhadora, depois do golpe realizado uma casta de homens brancos e ricos. Frente a esta conjuntura, as mulheres Sem Terra de todo o Brasil afirmam que jamais fugirão da luta, honrando o legado de Margarida Alves e das milhares de margaridas que caíram lutando por libertação, por igualdade e por justiça.

A data em que tiraram a vida e imortalizaram as ideias e o exemplo de Margarida Alves tornou-se para o MST o Dia Nacional contra a Violência no Campo e em Defesa da Reforma Agrária. Da terra de Margarida, Miriam Farias da Silva, assentada do Assentamento Celso Furtado, no município paraibano de Areia, fala em entrevista sobre o significado dessa data para as mulheres camponesas, a importância do resgate da memória sobre a luta de Margarida Alves, a denúncia contra o aumento da violência e os efeitos do golpe de estado sobre a vida no campo.

Confira:

Miriam, de que maneira o MST ressignificou a data do assassinato de Margarida Alves, uma das mais aguerridas defensoras da Reforma Agrária no Brasil?

Para nós, do MST, este dia se tornou um marco para denunciar a impunidade sobre os casos de assassinatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais no Brasil. Por isso, realizamos no dia 12 de agosto o Dia Nacional contra a Violência no Campo e em defesa da Reforma Agrária. O Brasil segue sendo um país com altos índices de concentração de terras, a Reforma Agrária no Brasil continua sendo negada pelo estado, e os trabalhadores rurais continuam sendo assassinados. Na conjuntura atual, esse dia toma ainda mais importância para denunciar esse agravamento da violência contra os trabalhadores e trabalhadoras do campo e apontar a Reforma Agrária como a única saída para resolver essa situação.

Temos visto um aumento da violência no campo, já denunciado por diversas entidades e organizações, como a Pastoral da Terra e o MST. No caso das mulheres camponesas, como essa violência se manifesta?

A violência contra a mulher no campo se manifesta de diversas formas, não só através da violência. Ela acontece desde a tomada de decisões sobre a organização do espaço produtivo, sobre o que produzir, como produzir. Além, claro, da violência física, que é mais fácil de ser visualizada, embora ela acarrete outras formas de violência que não são tão visíveis, como a negligência do estado sobre o acompanhamento e assistência às mulheres que são vítimas de violência. E não ha como não falar sobre a violência que significa a desvalorização do trabalho da mulher camponesa, que muitas vezes é visto apenas como uma ajuda.

Outra forma de violência que também é gravíssima contras nós, mulheres, é o agronegócio e seu modelo, que polui a terra, as águas, o meio ambiente, envenena os nossos alimentos. Tudo isso, parte de um modelo para o campo que também afeta e violenta a vida das mulheres.

E como responder a isso, enquanto mulheres?

Nós mulheres vivemos um processo de auto-organização, seja as mulheres do MST, especificamente, ou no âmbito da Via Campesina. As organizações do campo, principalmente, conseguiram dar um salto no enfrentamento ao agronegócio e na denúncia contra a violência contra a mulher camponesa.

O país passou por um golpe de estado contra uma mulher. Como as mulheres camponesas, Sem Terra, compreenderam esse golpe?

Em primeiro lugar é preciso voltar um pouco na história e reconhecer que é inegável, e isso está documentado, que as políticas sociais geradas a partir de 2003 abriram a possibilidade de que as mulheres camponesas pudessem ter acesso à renda, embora uma renda limitada, poderiam dizer, mas que deu autonomia e empoderou as mulheres de alguma maneira. Então quando olhamos para as políticas públicas geradas no período de 2003 a 2014, percebemos que a centralidade delas estava justamente nas mulheres. São vários os exemplos: o Bolsa Família, os programas de habitação, o acesso ao ensino técnico, ao emprego, o acesso à terra e ao crédito.

Nós, mulheres do semiárido, que vivemos uma realidade diferente do resto do país, tivemos outros benefícios, como, por exemplo o programa de implantação das cisternas, que esteve claramente direcionado a atender as mulheres do campo.

Com o golpe, o que passamos a ver foi a retirada de todos esses programas, a redução de recursos em áreas que são muito importantes para nós mulheres, como a educação e a saúde. No caso do semiárido, já não existe crédito para atender às necessidades locais, como a ampliação do sistema de cisternas. A própria desapropriação de terras, que tem um efeito importante sobre a vida das mulheres, e que está paralisada por este governo. Então o golpe teve um impacto fortíssimo sobre a vida das mulheres camponesas e de toda a classe trabalhadora. O nosso desafio e nos mantermos organizadas contra a retirada de direitos e buscando sempre a unidade das mulheres do campo.

Para isso serve o exemplo e o legado de Margarida Alves?

Margarida deixou muitos bons exemplos pra todas nós, mulheres camponesas do Brasil, e por isso hoje somos milhares, talvez milhões de ‘Margaridas’. A defesa da identidade camponesa, a persistência na luta, a defesa dos nossos espaços de representação política, a denúncia contra todas as formas de violência, seja a violência do agronegócio, do latifúndio, seja a violência machista, física ou psicológica.

Para nós, Sem Terra, Margarida Alves estará sempre presente na nossa luta, pois a luta pela terra continua sendo necessária. Por isso é tão importante conhecer a história dessa lutadora e grande legado de organização e comprometimento que ela deixou, para seguirmos em frente na luta pela terra e pela transformação social, que é a luta das mulheres camponesas.